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0360/2024 - Avanços e desafios da Política Nacional de Redução dos Acidentes e Violências: o ponto de vista dos implementadores
Advances and difficulties of the National Accident and Violence Reduction Policy: the implementers´point of view

Autor:

• Maria Cecília de Souza Minayo - - Minayo, M.C.S - <maminayo@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6187-9301

Coautor(es):

• Kathie Njaine - Njaine, K. - <knjaine28@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3250-2331

• Edinilsa Ramos de Souza - Souza, E.R - <edinilsaramos@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0903-4525



Resumo:

Estudo qualitativo que analisa avanços e desafios na implementação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, sob o olhar de 63 implementadores das regiões do Brasil. Discutem-se aspectos de institucionalização das políticas públicas complexas que exigem articulação interorganizacional. Os resultados mostram que a Atenção Primária é o nível que mais desenvolveu as diretrizes da Política, e o setor de Reabilitação é o menos engajado. Da coordenação nacional destacam-se: processos de formação; formalização dos compromissos em todos os níveis; mecanismos de decisão e negociação; assessoria permanente; criação de núcleos de prevenção; fortalecimento dos sistemas de informação e subsídios financeiros. Das coordenações locais ressaltam-se: atores dos núcleos de prevenção e de vigilância em saúde; capacidade de liderança, de promoção da formação e integração com outras áreas; realização de diagnósticos locais e eleição de prioridades; de trabalho em rede; de criação de mecanismos de rotinização de procedimentos. São tratados também os entraves à implementação da PNRMAV que hoje pode ser vista como um copo meio cheio e meio vazio. Porém, há no país capacidade suficiente para que ela se institucionalize.

Palavras-chave:

SUS; Políticas de saúde; Avaliação.

Abstract:

A qualitative study analyzes advances and challenges in implementing the National Policy for Reducing Morbidity and MortalityAccidents and Violencethe perspective of 63 implementersthe Brazilian regions. Aspects of institutionalizing complex public policies that require inter-organizational coordination are discussed. The results show that Primary Care is the level that most developed the Policy guidelines, and the Rehabilitation sector is the least engaged. From national coordination, the following stand out: training processes, formalization of commitments at all levels, decision, and negotiation mechanisms, permanent consultancy, creation of prevention centers, strengthening information systems, and financial subsidies. Of the local coordinations, the following stand out: actorsthe prevention and health surveillance centers; leadership capacity to promote training and integration with other areas to carry out local diagnoses and choose priorities; networking; creating mechanisms for routinizing procedures. Obstacles to the implementation of PNRMAV are also addressed, which today can be seen as a glass half full and half empty. However, the country has sufficient capacity for it to be institutionalized.

Keywords:

SUS; Health policies; PNRMAV; Assessment.

Conteúdo:

Introdução
Este artigo trata do processo de implementação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência (PNRMAV)1 buscando compreender e analisar esse movimento a partir da visão dos profissionais e gestores da saúde responsáveis por concretizá-la na prática. Neste ano, essa Política faz 23 anos. E é a pedido do Ministério da Saúde que se realiza a análise de como o SUS a está absorvendo e institucionalizando.
A implementação, como refere Barbosa2, é uma fase do ciclo de políticas públicas, cujo desafio é transformar intenções e propostas em ações e resultados. Em geral, o processo de implementação envolve atores de diferentes níveis governamentais e organizações com distintos interesses, expertises e formatos institucionais. Sua efetivação ocorre por meio de arranjos interorganizacionais. Sua estrutura e formas de interação influenciam no seu desempenho2.
A governança de uma política pública diz respeito à regulação de relações, por meio de mecanismos que incluem autoridade e coordenação. A autoridade é a lei transformada em governança. A coordenação é um aspecto dessa governança, mas não a constitui integralmente, porque seu papel é executivo. Entretanto, no entender de Kooiman3 e Barbosa2, a coordenação é crucial em contextos complexos que exigem integração de atores interdependentes que precisam adaptar-se uns aos outros3.
A perspectiva de pesquisar a implementação em processo da PNRMAV1, promulgada pelo Ministério da Saúde em 16 de maio de 2021 por meio da Portaria 737/2001, foca no gerenciamento das interdependências entre os implementadores que compõem o arranjo interorganizacional. Essa Política que representou um enorme avanço em relação ao que vinha sendo tratado pelo setor saúde por meio da rubrica “causas externas”, trouxe com ela um grande desafio: introduzir no referencial teórico, metodológico e prático da área uma questão social de extrema relevância, a violência. Embora considerada um problema de segurança pública, a PNRMAV1 entende que a violência impacta a qualidade de vida, constitui hoje a 3ª causa de mortalidade no país e o setor saúde é o desaguadouro de suas consequências. Os acidentes, sim, apareciam com mais nitidez entre os agravos e causa de morte, porém, eles também passaram a ocupar um lugar – junto com a violência - nos temas de promoção da saúde e, ambos são objeto de cuidados na Atenção Primária, Pré-hospitalar e Hospitalar, e de Recuperação e Reabilitação.
A implementação da PNRMAV1 em todas as instâncias do setor, por necessariamente articular problemas sociais e agravos à saúde, sempre foi lenta e motivo de controvérsias e resistências. Algumas barreiras diminuíram em 2002, quando a OMS lançou um documento “World Report on Violence and Health”4, que veio reforçar a PNRMAV1. Sendo fruto de construção e discussão coletiva, essa Política de saúde tem o dever de prevenir a violência, assim como os acidentes, com instrumentos próprios de prevenção e promoção e em interação com outros órgãos e com a sociedade civil. Seu foco é a proteção da vida.
Seis anos após a promulgação da PNRMAV1, Minayo e Deslandes5 realizaram uma análise de sua implementação em cinco capitais das distintas regiões do país (Manaus, Recife, Rio de Janeiro, Curitiba e Distrito Federal). Encontraram alguns avanços na sua internalização, mas também muitas resistências e dificuldades. Por exemplo, constataram que o tema se encontrava ausente do nível de Atenção Primária.
No ano de 2012, Souza, et al.6 realizaram uma avaliação dos Núcleos de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde, idealizados como uma das principais estratégias para consolidar a implementação da PNRMAV1. Esse estudo também identificou potencialidades da proposta e dificuldades para sua viabilização. Por exemplo, as autoras observaram que mais da metade dos núcleos municipais apresentava bom desempenho, segundo os critérios estabelecidos para a análise. Porém, 42,7% deles mostravam muitas deficiências na formação de seus componentes, na adequação das atividades e na escassez de profissionais.
Passados mais de 20 anos, uma nova pesquisa faz uma verificação sobre o estado da implementação da PNRMAV1. Este artigo é parte dessa última investigação. O objetivo é entender o que deu certo e as dificuldades e obstáculos encontrados na sua efetivação, sob o olhar dos implementadores.
MÉTODO
Os dados sobre avanços e dificuldades para a implementação da PNRMAV1 foram tratados por níveis de atenção à saúde nas grandes regiões e capitais. Foram ouvidas 63 pessoas das 26 capitais e do Distrito Federal, que tinham algum grau de responsabilidade na implementação da referida Política: gestores das esferas municipais, estaduais e federal; membros dos núcleos municipais e estaduais de prevenção e do setor de vigilância.
A abordagem qualitativa acompanhou um estudo de base quantitativa que não será tratado neste artigo. Na abordagem compreensiva sobre a implementação da PNRMAV1 sob a perspectiva dos principais atores envolvidos na ação foi empregada a técnica de entrevista semiestruturada baseada num roteiro comum, adaptado segundo as especificidades de cada um dos atores-chave: (1) como foi a trajetória histórica de implementação da PNRMAV1 na sua localidade; (2) se foi adotado o uso de formulários de notificação e de informação sobre esses agravos; (3) como se estruturou o atendimento às vítimas; (4) como vem ocorrendo a formação dos profissionais; (5) que ações de prevenção , monitoramento dos eventos e meios de tratamento estão sendo desenvolvidos; (5) quais são os avanços, as dificuldades e as perspectivas futuras em relação à efetivação da Política.
Todas as interlocuções com os entrevistados ocorreram de forma remota, pela impossibilidade de comunicação presencial, uma vez que a pesquisa ocorreu durante a vigência da pandemia de Covid-19. As conversas foram feitas via plataforma Google Meet e gravadas mediante o consentimento dos entrevistados que assinaram e enviaram para a equipe coordenadora da pesquisa o termo de consentimento livre e esclarecido que haviam recebido previamente.
Os áudios das entrevistas foram encaminhados para uma empresa especializada em transcrição para que essa operação fosse realizada. O acervo foi processado e submetido à análise de conteúdo na modalidade temática, conforme proposto por Minayo7: (1) organização do material coletado. (2) categorização das relevâncias dando ênfase ao sentido das falas dos entrevistados; (3) interpretação dos dados e seu cotejamento com o referencial teórico, compondo uma narrativa a respeito de duas questões: o estado de implementação da PNRMAV1e os obstáculos e dificuldades encontrados nesse processo.
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da ENSP/Fiocruz sob o parecer 4.732.884 de 25/05/2021. Ele traz para o leitor uma visão possível e bastante plausível – considerando-se o conjunto das informações recolhidas.
RESULTADOS
Decidiu-se apresentar os resultados segundo as Regiões, uma vez que, apesar de a investigação ser muito detalhada, os depoimentos convergirem. Foi dada maior ênfase às questões evocadas pelos que estão praticando a Política no campo, pois é em suas falas que se encontram as mais substanciais reflexões.
Avanços na visão dos entrevistados
Na Região Norte, os gestores são os que menos se manifestaram sobre a implantação e implementação da PNRMAV1, embora, os que se pronunciaram, enalteceram sua importância, reconhecendo o peso da violência e dos acidentes no perfil de morbimortalidade e a demanda que os agravos provocam no setor. Já os técnicos que trabalham nos núcleos dessa região foram muito mais eloquentes ao contar suas experiências.
Os principais avanços referidos pelos técnicos foram sua própria sensibilização para trabalhar na redução de acidentes de trânsito, no acolhimento de pessoas em situação de violência, e a importância do trabalho em rede. Os grupos sociais mais referidos como alvo de cuidados foram as mulheres e as crianças. Gestores de vários núcleos relataram uma ampliação do trabalho intersetorial por meio de ações conjuntas com as áreas de educação, serviço social (CRAS e CREAS) e com conselhos tutelares. O Programa Vida no Trânsito, foi a iniciativa mais mencionada pelos entrevistados, ressaltando sua efetividade nos resultados positivos evidenciados na diminuição das mortes e lesões. Esse programa, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), começou no Brasil em 2010 em cinco capitais: Palmas, Teresina, Belo Horizonte, Campo Grande e Curitiba. Hoje ele está presente na maioria das capitais e se expandiu para municípios com mais de um milhão de habitantes.
Os profissionais que atuam na área pré-hospitalar, hospital e de reabilitação da Região Norte, mencionaram muito pouco as ações previstas pela PNRMAV1 que extrapolam os cuidados curativos.
Da Região Norte, Belém e Manaus se destacaram pela capacidade de implementar a Política. Em Manaus, a técnica entrevistada ressaltou a integração que existe entre as pessoas que trabalham com o tema e o apoio que recebem dos gestores. O núcleo de Belém também mencionou o apoio institucional e realização de capacitação de cada técnico novo que ingressa no programa. Também nas outras capitais há sinais importantes de avanços. Em Palmas e em Macapá as pessoas entrevistadas destacaram o reforço nas ações de vigilância, na notificação e na organização dos dados. Ainda em Macapá, foi referido que há um monitoramento dos casos de violência contra mulheres, crianças e idosos a partir de uma frutífera parceria entre o município e o estado, assim como investimento na qualificação dos técnicos. As informações sobre Boa Vista também mostram a mesma direção.
Em Rio Branco o tema foi introduzido nas escolas, nos serviços e na formação dos estudantes das ciências da vida durante a graduação. A entrevistada dessa capital comentou que coordenadora do Núcleo de Prevenção comentou que promoveu uma capacitação dos professores nas escolas dessa capital em 2019, com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde. Com isso “os professores já têm a ciência da PNRMAV1, executam notificações, solicitam a intervenção do Conselho Tutelar quando é o caso: já são também multiplicadores” (Profissional de Rio Branco/AC). Em Rondônia, uma técnica da vigilância estadual ressaltou que o caminho foi realizar um trabalho integrado. Citou a existência de duas redes de enfrentamento de violência contra mulheres e crianças na capital que se apoiam mutuamente; mencionou a inserção de uma pessoa do Programa Saúde na Escola (PSE) no setor da vigilância, e ressaltou ainda o esforço para melhorar a notificação: “hoje já estamos conseguindo 80% de municípios notificantes” (Técnico de Rondônia/RO).
Na Região Nordeste os avanços na implementação da PNRMAV1 foram considerados pelos entrevistados como muitos e relevantes: “A gente está em outro patamar na institucionalização da política que colocou na agenda pública os acidentes e a violência enquanto um problema não só do indivíduo, mas social” (Profissional de Recife/PE). As pessoas entrevistadas ressaltaram a criação dos núcleos de referência, o estabelecimento dos fluxos de encaminhamento dos casos, o aumento da produção científica e do material educativo e a organização da vigilância para consolidação dos dados. Foi também mencionada a importância do Programa Vida no Trânsito, com interação entre profissionais da saúde, educação e DETRAN, e efeitos práticos sobre a redução de acidentes. Igualmente, todos os entrevistados enalteceram o fato de terem aprendido a trabalhar intersetorialmente, fato que foi ressaltado também pelos profissionais das regiões Norte e Centro-Oeste. Um dos aspectos que diferencia a situação do Nordeste em relação às outras duas é o fato de haver mais gente trabalhando com o tema e ocorrer um processo de institucionalização cujos elementos são mais claros.
Na vigilância municipal de Recife/PE, uma das profissionais entrevistadas disse que os maiores avanços foram: a melhoria das notificações, o estabelecimento de fluxos para encaminhamentos, o trabalho em rede, a articulação com os serviços de referência e o investimento em educação permanente. Essa entrevistada comentou que a capital conta com muitos equipamentos sociais como Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) o que facilita fazer uma política pública intersetorial. Essa técnica considerou como sucesso, a atuação do setor de vigilância articulada com os serviços pré-hospitalares. Outra técnica comentou que nos comitês nos quais participa sempre leva a discussão sobre violência e saúde. Ambas ressaltaram que hoje a PNRMAV1 tem uma grande visibilidade, independentemente da obrigação de notificar, pois a Política fortaleceu muito o olhar para a situação das mulheres e crianças e, também, para outros grupos vulneráveis como a população LGBTQIA+, pessoas com deficiência e indígenas.
Focando no ponto crucial da institucionalização, a técnica entrevistada do Rio Grande do Norte considerou que seu núcleo tem tido apoio da gestão e tem um canal de divulgação na Secretaria de Estado. Avaliou que um lado positivo da pandemia foi o fato de incorporar a discussão da violência e reforçar o papel das ações intersetoriais. Mas considera que há muito ainda por fazer: “tem regiões que a gente tem que ficar no pé até para fazer uma capacitação”. (...) “são mais de 30 municípios, e a gente tem que integrar vários atores, qualificar a percepção e a importância da vigilância das violências” (Profissional de Natal/RN).
Na Paraíba também, o movimento de institucionalização está bastante presente. Segundo uma entrevistada, vem dando muito certa a combinação entre articulações institucionais e pessoais “às vezes não está funcionando na gestão pública, a gente aciona uma parceira que já faz parte daquele serviço” (Profissional de João Pessoa/PB). Essa técnica ressalta que as ações pensadas em rede têm possibilitado a construção coletiva de instrumentos, cartilhas, guias de orientações para mulheres e há um foco na mulher negra, tema que ganhou espaço na gestão municipal e estadual.
Duas profissionais entrevistadas de Aracaju/SE avaliaram os avanços da política no Núcleo de Prevenção Municipal e na rede de urgência. Para a profissional do Núcleo, a PNRMAV1 evidenciou o trágico impacto dos acidentes e violências no SUS. E destacou ainda que o núcleo tem focado nas informações que vão obtendo e sobre as quais trabalham, para planejar melhor as ações. Uma entrevistada que atua na área de urgência elogiou o trabalho que o Núcleo de Prevenção tem feito, indo aos hospitais e buscando sensibilizar os profissionais para melhorar o atendimento e as notificações. Ambas comentaram que o núcleo estadual ainda não está formalizado em portaria.
No Piauí, as pessoas entrevistadas citaram como avanço da Política, a estruturação do pré-hospitalar móvel, o SAMU; a realização do Programa Vida no Trânsito; as capacitações realizadas remotamente para profissionais dos municípios discutindo os acidentes e as violências; e a divulgação dos dados sobre esses temas nos boletins do estado. Para uma técnica de Teresina/PI, um feito importante foi conseguir colocar as questões de violências e acidentes em diferentes espaços, inclusive na mídia televisiva: “eu não converso mais só com a saúde, mas também com as polícias, a gente consegue dialogar” (Profissional de Teresina/PI). Cresceu o número de serviços para acolher as vítimas, principalmente mulheres. Outra ação que considerou que vem avançando é uma atenção maior à violência autoprovocada.
Uma técnica que atua na vigilância em Maceió/AL ressaltou que esse serviço tem avançado no sentido de estar próximo dos profissionais da ponta. Ela comentou que acompanha, junto com eles, as pessoas na rede de atenção a violências e acidentes. Destacou que tem recebido bastante apoio dos gestores embora sua equipe seja pequena: “a gente busca construir um projeto unindo todos os setores como a secretaria da mulher, da criança e do adolescente, do idoso, e com o PSE” (Técnico de Maceió/AL).
A vigilância estadual do Ceará apontou como um dos êxitos da PNRMAV1 a criação de um observatório de causas externas. Citou outras atividades voltadas para mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência. E ressaltou as parcerias com a universidade estadual para criar estratégias de enfrentamento às violências e acidentes nos municípios. Destacou ainda a implantação das fichas de notificação em várias escolas. Em Fortaleza/CE, a entrevistada da vigilância epidemiológica afirmou que um ponto positivo tem sido as ações do Comitê de Acidente de Trânsito, o que envolveu muitos parceiros e atividades nas ruas.
No Estado da Bahia, o ganho maior que a PNRMAV1 teve, conforme citado por uma técnica, foi a criação de grupos de trabalho dando visibilidade às violências e acidentes. Ela ressaltou muito o Programa Vida no Trânsito. Citou ainda a importância da implantação, manutenção e expansão dos serviços pré-hospitalares no território. E destacou o papel da vigilância no entendimento dos contextos específicos de violência e acidentes, o trabalho intersetorial e as parcerias. Para a citada profissional, nesses 20 anos da política, o Estado da Bahia tem conseguido agregar multiplicadores e compartilhar experiências.
Pode-se concluir que há um engajamento dos estados do Nordeste na institucionalização dos PNRMAV1. O que tem sido mérito sobretudo dos técnicos alocados nos Núcleos e no setor de Vigilância, com todas as dificuldades de aceitação que o tema tem pelos profissionais de saúde. Há um empenho notório de oferecer serviços de atenção e prevenção à população. Como nas Regiões Norte e Centro-Oeste, há muito pouca informação sobre os serviços Pré-Hospitalares, Hospitalares e de Reabilitação.
Em todos os estados da Região Sudeste houve investimento na implementação da PNRMAV1. Analisam-se as informações sobre a região e as capitais.
Uma pessoa entrevistada no Espírito Santo avaliou como um dos avanços promovidos pela PNRMAV1, a implantação da vigilância dos acidentes e violências como uma especificidade do setor, assim como a incorporação da ficha de notificação, a abertura para uma comunicação com as unidades de saúde e com outros setores da sociedade. Comentou que trabalhar intersetorialmente foi o ponto mais positivo. Essa entrevistada ressaltou que nos cursos de formação que oferecem anualmente, os parceiros são informados sobre os tipos de eventos e perfis mais comuns de violências e acidentes: “a gente conseguiu sair da caixinha da saúde para ir para fora e a gente faz isso muito bem, é referência” (Profissional de Vitória/ES). Frisou que muitas vezes os gestores da área de educação e da justiça ligam para discutir casos e pedir orientação: “então eu acho que a gente tem um reconhecimento e, também, leva demanda. E aí envolve confiança e credibilidade” (Profissional de Vitória/ES). O Núcleo Estadual do Espírito Santo conseguiu consolidar articulações com parceiros do Ministério Público, Defensoria, Assembleia Legislativa e Universidades.
No Estado de São Paulo, a equipe da vigilância avaliou que o investimento na qualificação da informação junto com parceiros tem sido um dos principais avanços em relação a PNRMAV1. Uma profissional ressaltou que a disponibilização do Tabnet digital (Sistema de Tabulação Genérica de Dados do Datasus) foi um ganho enorme e fruto do trabalho de uma equipe consistente. Essa entrevistada avaliou que o retorno dos interlocutores em relação à sistematização dos dados tem sido muito bom e, “a maioria entende que isso é uma diretriz para que eles comecem a se apropriar dos dados e transformá-los em informação”. Outra pessoa da equipe considerou que a consistência do trabalho tem a ver com a continuidade das ações, pois o canal de comunicação hoje existente é um grande facilitador.
Em São Paulo, capital, uma profissional do setor de vigilância do município mencionou a notificação como importante avanço: “ela trouxe a possibilidade de você discutir a violência dentro da saúde, como um agravo também de saúde, o que foi fundamental” (Profissional de São Paulo/SP). A entrevistada lembrou que no início, os gestores resistiam em falar de violência, de notificação desses eventos, porque não o consideravam um problema do setor. Outro ponto que considera crucial é a criação dos Núcleos de Prevenção de Violência. Ela ressaltou que essa é uma linha de trabalho que precisa continuar e ser fortalecida “precisa ter os responsáveis pelas articulações, tanto nos estados quanto nos municípios” (Profissional de São Paulo/SP). A cidade de São Paulo se destaca por organizar os serviços relativos ao tema nas 32 subprefeituras e promover um fluxo integrado entre as diferentes subsecretarias e as organizações governamentais que atuam na mesma linha.
Em Belo Horizonte, houve um amplo movimento de sensibilização dos profissionais sobretudo em relação ao empobrecimento das famílias, ao trabalho infantil, à violência contra crianças e adolescentes e contra a mulher. As pessoas entrevistadas relataram sobretudo que fazem um trabalho intersetorial e com foco nos jovens. Informaram que o município tem 100% de cobertura de Atenção Primária, e em bairros socialmente mais vulneráveis a equipe, junto com a prefeitura, os Centros de Referência da Assistência Social têm desenvolvido ações como esporte e lazer para jovens em situação de risco.
No Rio de Janeiro, capital, a responsável por essa política destacou que um dos principais avanços foi a criação de grupos articuladores inseridos em diversos territórios da cidade. Essa estratégia se baseia na ideia de construir diagnósticos do território de forma mais ágil e pontual atuando em parceria e não em relação hierárquica. Considerou que a política desencadeou o debate e, hoje, o problema é um dos assuntos mais discutidos nas mídias e pelos profissionais de saúde como um tema social e de preocupação de como encaminhar e lidar com os casos no âmbito da saúde. Igualmente, a descentralização para os municípios através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN Net), informatizado, constitui um grande avanço, assim como foi fundamental a criação de Núcleos de Prevenção, tanto na capital como no interior.
A Região Sul também tem conseguido êxitos na institucionalização da PNRMAV1 por meio de ações muito concretas e com respaldo das Secretarias Estaduais e Municipais. Uma entrevistada do Núcleo estadual do Rio Grande do Sul avaliou que seu empenho vem sendo reconhecido e que grande parte dos municípios solicita apoio e assessoria, e tem avançado em parcerias com diversos setores. Há um trabalho coletivo com apoio “dessa rede intersetorial toda reunida, principalmente na questão do enfrentamento ao suicídio, o que é grande avanço da PNRMAV” (Profissional do Rio Grande do Sul/RS).
Para uma profissional da vigilância de Porto Alegre/RS os avanços relacionados à PNRMAV1 são evidenciados em “uma linha de cuidado das violências” (Profissional de Porto Alegre/RS) transversal e intersetorial. Sobre os acidentes avaliou que o Programa Vida no Trânsito é muito reconhecido na capital e que são 10 anos de trabalho com essas ações. Tanto o PVT quanto a questão da vigilância das violências têm reconhecimento da gestão estadual e de outros municípios do estado “dá para dizer que a gente tem uma metodologia que funciona, que previne e que estão diminuindo os acidentes” (Profissional de Porto Alegre/RS).
Profissionais da Atenção Primária de Florianópolis/SC avaliaram que a sensibilização das equipes de saúde em relação aos acidentes e violências é um importante avanço. Segundo a técnica entrevistada, os profissionais hoje conseguem olhar para esses eventos e fazer um diagnóstico situacional e construir fluxos de atendimento. A maturidade da rede de atenção vem permitindo aprofundar a discussão sobre tais agravos, melhorar as estratégias de trabalho e qualificar os profissionais.
Uma gestora do Núcleo Estadual de Prevenção da Violência do Paraná considerou que “desde a implantação da Política, o estado avançou e avançou muito” (Profissional do Paraná/PR). Para essa entrevistada, seu estado tem uma estrutura organizada com “foco na prevenção, na promoção da saúde e na cultura de paz” (Profissional do Paraná/PR). Elogiou as equipes pioneiras que estruturaram o trabalho e avaliou como resultados positivos: a concepção do trabalho em rede intersetorial; a criação de serviços de referência para pessoas em situação de violência sexual; serviços de interrupção da gravidez; elaboração de protocolos, cadernos temáticos e boletins epidemiológicos com dados sobre violência e acidentes; e capacitações que a Secretaria tem desenvolvido com toda a rede de proteção.
Os avanços apontados por duas profissionais do Núcleo Municipal de Prevenção da Violência do município de Curitiba/PR foi a construção de uma rede proteção a crianças e adolescentes, o que se consolidou e se tornou referência para os demais estados e municípios. Outros êxitos alcançados por essa equipe, ao longo dos 20 anos da PNRMAV1, foram a participação nas pesquisas de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) e no Inquérito e VIVA Contínuo, ampliando o olhar para os registros de violência contra mulheres, meninas e idosos. Essas entrevistadas consideram que tudo foi possível com o apoio da gestão federal e das instituições acadêmicas construtoras da PNRMAV1. Uma das profissionais desse Núcleo que atua diretamente na rede de proteção relatou uma das conquistas, em parceria com um fórum estadual de prevenção ao trabalho infantil: a construção de um fórum de catadores de lixo reciclável. Os parceiros capacitaram as unidades de saúde para que todos os catadores do território fossem cadastrados. “A gente conseguiu chegar em 70 unidades de saúde, foi uma experiência muito legal, porque daí a gente conseguiu fazer com que essas unidades ampliassem seu olhar naquele território” (Profissional de Curitiba/PR). A ação voltada para identificar as crianças que estavam trabalhando nas ruas como catadores de lixo reciclável, abrangeu toda a rede de proteção, inclusive as escolas, e “foi uma experiência bem importante e que também está dentro da questão das ODS8. Está tudo ligado” (Profissional de Curitiba/PR).
No Centro-Oeste, foram citados como avanços da PNRMAV1 a criação de grupos de promoção da saúde com resultados positivos nas ações atinentes aos acidentes e violências. Em relação aos acidentes, em Mato Grosso foram realizadas ações de monitoramento e capacitação em alguns municípios sobre trânsito, colocação de sinais, faixas de pedestres e atividades com motociclistas. Quanto às violências, foram criadas casas de apoio a mulheres vítimas, delegacias e as equipes que conduzem a implementação da Política contam com a colaboração da mídia.
Uma técnica de vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis (DANT) de Cuiabá/MT ressaltou que são realizadas capacitações dos profissionais de saúde e de outras áreas para trabalhar com a violência por meio de cursos online. Igualmente citou a melhoria no atendimento às vítimas, o que ganhou visibilidade através de campanhas em redes sociais, na televisão e em outros meios. Essa técnica lembrou também que no estado houve um aumento no apoio à pesquisa.
No Distrito Federal, a pessoa que coordena o Núcleo considera que lá já conseguiram uma rede de proteção “a gente vem conseguindo estabelecer uma comunicação bem mais assertiva com as outras secretarias, porque não fica só na saúde” (Profissional de Brasília/DF). Nas alianças com as áreas da segurança pública, justiça, Secretaria da Mulher, o Núcleo busca fortalecer as notificações e conhecer melhor os casos de violência, para atender adequadamente as pessoas, em propostas construídas independentemente dos governos de plantão. Ou seja, essa pessoa está falando de institucionalização da Política.
O Núcleo de Vigilância de Goiânia/GO citou o aumento de visibilidade da violência dentro do setor saúde e o quanto isso impacta as ações. Tanto lá como em Campo Grande as técnicas mencionaram o aumento do número de capacitações, o reconhecimento dos problemas pelos serviços de saúde e a melhoria das notificações, entendendo essas ações como fundamentais para planejar o cuidado. As entrevistadas afirmaram que quando olham a série histórica de notificação verificam um aumento que reflete seu empenho nesse particular. Outro ponto positivo citado por uma das entrevistadas de Campo Grande é a sustentabilidade do Núcleo de Prevenção. Ele foi instituído oficialmente e faz parte do organograma da gestão “Tem lá a caixinha dele, ele é um serviço” (Técnica de Campo Grande/MS). O Programa Vida no Trânsito também foi instituído por decreto assim como o comitê intersetorial que o dirige e o grupo de análise dos dados. Essa entrevistada destacou que a sustentabilidade por meio de uma legislação garante que mesmo com a mudança dos governos, as ações continuem. E ressaltou a importância da intersetorialidade e das pesquisas: “aqui acho que há três ou quatro profissionais que estão fazendo residência em saúde da família, só pesquisando a área da violência, em mestrado e assim por diante” (Técnica de Campo Grande/MS).
Em resumo, também na Região Centro-Oeste foi visível o investimento na divulgação, na formação, na articulação com outras áreas e atores, e na vigilância e notificação. Particularmente é notória a ideia de rede, de atuação interdisciplinar e a busca de oficializar as estratégias para que a PNRMAV1 se institucionalize.
Duas notas importantes: a primeira é que todos os entrevistados de todos os locais citaram o êxito do Programa Vida no Trânsito, proposta na qual houve grande investimento. A segunda, é importante mencionar que a supervisão do Ministério da Saúde sobre a PNRMAV estagnou no governo anterior a partir de 2019. Todas as pessoas entrevistadas lastimaram essa paralização que pode ter acarretado retrocessos, sobretudo para locais e núcleos ainda em estágio inicial de atividades.
Dificuldades na implementação na visão dos entrevistados
Na Região Norte se concentram as mais urgentes referências às dificuldades para implementação da PNRMAV1: poucos profissionais para atender às pessoas residentes em áreas muito distantes; alta rotatividade das equipes e dos gestores; falta de renovação das equipes; outras prioridades alegadas pelas chefias que não enxergam a violência como um tema a ser tratado pelo setor saúde; falta de um indicador específico para valorizar os atendimentos; falta de organização e de integração dos serviços de saúde entre si e com outros setores; resistência dos profissionais em notificar violência; falta de compreensão da sociedade a respeito da violência e dos acidentes como eventos evitáveis; falta de estrutura para os atendimentos de forma devida; falta de recursos financeiros; perda do financiamento específico que vinha do Ministério da Saúde.
Na Região Nordeste, os problemas mais mencionados foram as dificuldades na execução de um trabalho integrado intra e intersetorial; falta de estrutura para trabalhar; o fato de os profissionais terem que atuar em áreas onde há conflitos armados; ausência de propostas que contemplem alguns grupos vulneráveis específicos como idosos, população negra, LGBTQIA+ e portadores de deficiência; incompreensão dos profissionais sobre a importância da notificação e, em coro com a Região Norte, ter equipes reduzidas para lidar com problemas tão complexos e que atingem tantos segmentos sociais.
Na Região Sudeste, as principais queixas foram: falta de entendimento da gestão estadual e municipal sobre o tema dos acidentes e violência; falta de financiamento específico para a PNRMAV em nível federal, estadual e municipal; dificuldade de trabalhar com a população em situação de rua e dos que fazem uso de drogas; presença de traficantes (e milicianos) nas periferias, o que torna a atuação da área da saúde menos efetiva; sobrecarga de trabalho; machismo ainda muito presente, inclusive dentro das unidades de saúde, sobretudo em relação à situação das mulheres que sofrem abusos e aos grupos LGBTQIA+.
Na Região Sul, as pessoas entrevistadas também relataram falta de apoio político e financeiro para a implementação da PNRMAV1; alta rotatividade do pessoal no setor saúde; escassez de profissionais; deficiente articulação intrassetorial e intersetorial; silenciamento das situações de violência pelas famílias; o fato de os mais afetados pela violência, os jovens, serem osque menos procuram os serviços; falta de serviços de reabilitação para pessoas com sequelas; incompreensão da sociedade sobre o fato de violências e acidentes serem eventos evitáveis; aumento da população em situação de rua e que faz uso de álcool e outras drogas; falta ou ineficiência dos serviços de saúde mental e de prevenção de suicídio.
Na Região Centro-Oeste as queixas maiores contemplaram a falta de pessoal; de infraestrutura para trabalhar e acompanhar as pessoas; de recursos materiais e humanos para treinamentos; a constatação de que há pessoas acamadas sem acesso à reabilitação; de que há pessoas em sofrimento mental, em ideação e tentativa de suicídio sem atendimento; e falta de espaço com privacidade para atendimentos. Disse um entrevistado. “Os desafios são gigantes”.
Pontos para Discussão
Todo o trabalho aqui descrito pode ser considerado uma indagação sobre o caminho para institucionalização da PNRMAV1. A institucionalização se refere ao processo pelo qual as normas, valores, práticas e estruturas organizacionais se estabelecem de forma padronizada numa dada sociedade ou numa organização específica: no âmbito legal (formulação de leis e documentos jurídicos), institucional (elaboração de diretrizes, regulamentos, protocolos e programas), cultural (incorporação de novos princípios e valores), orçamentário (destinação de recursos) e se transformam em ações condizentes9,10,11.
O processo de avaliação, segundo a visão dos implementadores, permite concluir que a PNRMAV1 chegou a todas as regiões do país, embora com adesão e intensidade diferentes e os problemas enunciados pelos técnicos e gestores são enormes. Assim, essa Política não pode ser considerada institucionalizada em nenhuma região, estado ou município embora com diferenciações importantes de locais onde ela se oficializou.
O mérito de propor a Política e suas Diretrizes foi obra de muitas mãos. Mas as estratégias criadas pelo Ministério da Saúde com adesão de estados e municípios intensificaram-se entre os anos 2006 e 2018, o que possibilitou a organização local de sua operacionalização. Esse movimento pode ser constatado no protagonismo dos Núcleos de Prevenção de Acidentes e Violências e na organização da Vigilância em Saúde com implantação das fichas de notificação desses agravos, com financiamento, supervisão e coordenação do Ministério. Essas duas iniciativas tiveram e têm um papel fundamental no processo de internalização da PNRMAV1.
Nada teria sido possível, sem uma coordenação nacional competente desse processo. Concordando com Klijn12; Hill13; Barbosa2 e Miranda10, uma boa coordenação é crucial para orientar processos complexos e interorganizacionais. Para implementação da PNRMAV1 foram fundamentais a organização dos processos de formação; a formalização dos compromissos em todos os níveis da gestão; os mecanismos de decisão e negociação; a assessoria intensiva, presente e recorrente na criação dos núcleos e das estratégias de vigilância e ação; o fortalecimento dos sistemas de informação e os subsídios financeiros. No entanto, nenhum desses aspectos, isoladamente, explica o bom desempenho, e sim, o que mostra êxito é sua confluência2,11.
Em relação à gestão local, alguns mecanismos se mostraram essenciais, como a capacidade de liderança, de incluir pessoas e promover formação para lidar com o tema; de integração com outros subsistemas locais; de realização de diagnósticos locais e eleição de prioridades; do trabalho intra e intersetorial e em rede; de criação de mecanismos de rotinização dos procedimentos para institucionalizá-los e de pesquisas para ação. Essas características foram mencionadas sobretudo por coordenadores dos Núcleos de Prevenção e por profissionais de Vigilância em Saúde. Em todos os locais e instâncias, esses dois segmentos profissionais se destacam.
A análise das dificuldades não demonstra, à primeira vista, uma ineficiência pessoal dos coordenadores nacionais e locais. O que sim aparecem, reiteradamente, são os enormes desafios que persistem e precisam ser levados em conta pelos gestores responsáveis pela institucionalização da PNRMAV1. Pontos esses que já haviam sido detectados por Minayo e Deslandes14 e Souza et al6: (1) por ser essa uma Política complexa, interdisciplinar e interorganizacional, ela exige coordenação permanente e protocolos de ações oficialmente acordados; (2) há que se estabelecer uma fonte de financiamento específico para essa Política, no nível federal e local; (3) é necessário pactuar alguns indicadores para ação que possam ser controlados pelos núcleos locais e valorizados na avaliação dos profissionais; (4) é preciso dar atenção diferenciada às regiões que hoje apresentam as maiores dificuldades para efetivar a Política; (5) é necessário dar atenção a queixas de todos os locais – muitos deles funcionando pelo empenho pessoal dos funcionários - sobre falta de apoio institucional, de estrutura e de pessoal; (6) é preciso investir em estratégias que engajem os segmentos pré-hospitalar, hospitalar e de reabilitação na aplicação da Política. O nível de Atenção Primária é o que, atualmente, melhor a assimilou. E repercutindo Minayo e Deslandes14 a atenção à reabilitação continua como o ponto mais fraco do elo de ações previstas na PNRMAV1.
Em resumo, a efetivação da PNRMAV1 precisa ser considerada uma prioridade, seja pela elevada mortalidade por acidentes e violência, seja pelo mal-estar difuso que ela espalha, provocando agravos físicos, mentais e sociais. Depois de um intervalo político em que as estratégias de supervisão do Ministério da Saúde para essa Política foram enfraquecidas, é hora de retomar acordos e fortalecer estratégias que oficializem sua existência nos organogramas das instituições de saúde, financiando-as e apoiando as ações preconizadas.
Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Portaria GM/MS n.737 de 16 de maio de 2001. Brasilia: MS; 2001.
2. Barbosa SCT. Capacidade de Gestão: Coordenação Interorganizacional na Implementação de Programas Públicos Federais no Brasil. Boletim de Análise Político-Institucional 2016; (9):43-55.
3. Kooiman J. Governing as governance. London: Sage Publications; 2003.
4. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Gèneve: WHO; 2002.
5. Minayo MCS, Deslandes SF. Análise diagnóstica da política nacional de saúde para redução de acidentes e violências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007.
6. Souza ER, Constantino P. Ribeiro AP, Silva JG, Valadares FC. Avaliação dos Núcleos de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde do Brasil frente à Política de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Fundação Oswaldo Cruz: ENSP; 2012.
7. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. 14ª edição. São Paulo: Editora Hucitec; 2014.
8. Brasil. Secretaria de Relações Internacionais. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda 2030. Distrito Federal: MRE; 2021.
9. Scartascini C, Tommasi M. The Making of Policy: Institutionalized or Not? American Journal of Political Science 2012; (4):787-801.
10. Miranda RS. Uma revisão de literatura sobre o neoinstitucionalismo e a avaliação do desempenho de instituições sociais. Estação Científica 2017; 7(2):59-65.
11. Hjelmar U. The institutionalization of public sector innovation. Public Management Review 2019; 23: 53-69.
12. Klijn EH. Networks and interorganizational management: challenging, steering, evaluation and the role of public actors in public management. In: Ferlie E, Lynn Jr, L E, Pollitt C, editors. The Oxford handbook of public management. New York: Oxford University Press; 2005. p. 49-69.
13. Hill M. The public policy process. 5th ed. London: Pearson Longman; 2009.
14. Minayo MCS, Deslandes SF. Análise da implantação da rede de atenção às vítimas de acidentes e violências segundo diretrizes da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade sobre Violência e Saúde. Cien & Saúde Colet. 2009; 14(5):1641-1649.




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Minayo, M.C.S, Njaine, K., Souza, E.R. Avanços e desafios da Política Nacional de Redução dos Acidentes e Violências: o ponto de vista dos implementadores. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Nov). [Citado em 05/11/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/avancos-e-desafios-da-politica-nacional-de-reducao-dos-acidentes-e-violencias-o-ponto-de-vista-dos-implementadores/19408?id=19408

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