0102/2025 - Crenças em Odontíase e Colares de Âmbar: Uma Análise de Conteúdo das Perspectivas dos Usuários em Comentários do Facebook
Teething Beliefs and Amber Necklaces: A Content Analysis of Users PerspectivesFacebook Comments
Autor:
• Olívia Santana Jorge - Jorge, OS - <olivia.jorge@usp.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5266-5798
Coautor(es):
• Jean Ribeiro Leite - Leite, JR - <jeanleite@usp.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0122-7146
• Douglas William de Almeida - Almeida, DW - <douglas.dwa@live.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0002-5572-4180
• Matheus Lotto - Lotto, M - <matheus.lotto.souza@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0121-4006
• Thiago Cruvinel - Cruvinel, T - <thiagocruvinel@fob.usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7095-908X
Resumo:
Este estudo qualitativo digital realizou uma análise de conteúdo indutiva em 1.000 comentários no Facebook sobre o uso de colares de âmbar para alívio de sintomas da dentição, buscando entender as percepções dos usuários em relação a essa prática. Os comentários foram divididos em unidades de análise (n=2.166) e codificados em categorias temáticas no QDAMiner. Com o software Word Stat, foram determinadas frequências das categorias, nuvem de palavras e análise de cluster. O teste Qui-quadrado foi utilizado para comparar a distribuição das categorias em três tempos distintos. A maioria dos comentários foi realizada por usuários com personas brancas (81,8%), do sexo feminino (96,3%) e brasileiros (97,8%). As categorias mais frequentes foram "a informação é útil ou potencialmente útil" (18,8%) e "aquisição ou intenção de adquirir o colar" (12,1%), com aumentos respectivos de 5,9% para 23,6% e de 15,7% para 24,5% ao longo do tempo. As frequências de "preocupação/ansiedade sobre o uso do colar de âmbar" e "experiência de dentição" diminuíram de 5,8% para 2,0% e de 12,0% para 3,1%, respectivamente. Apesar da redução nos relatos de sintomas de dentição, há uma tendência crescente entre os brasileiros em considerar o colar de âmbar como uma solução válida para os sintomas de dentição.Palavras-chave:
Erupção dentária, Âmbar, Mídia Social, Pesquisa QualitativaAbstract:
This digital qualitative study conducted an inductive content analysis of 1,000 Facebook comments about the use of amber necklaces for teething symptom relief, aiming to understand users' perceptions of this practice. The comments were divided into units of analysis (n=2,166) and coded into thematic categories in QDAMiner. Using Word Stat software, category frequencies, word clouds, and cluster analysis were determined. The Chi-square test was used to compare the distribution of categories across three distinct time points. Most comments were made by users with white personas (81.8%), female gender (96.3%), and Brazilian nationality (97.8%). The most frequent categories were "the information is useful or potentially useful" (18.8%) and "acquisition or intention to acquire the necklace" (12.1%), with respective increases of 5.9% to 23.6% and 15.7% to 24.5% over time. The frequencies of "concern/anxiety about the use of the amber necklace" and "teething experience" decreased from 5.8% to 2.0% and from 12.0% to 3.1%, respectively. Despite the reduction in reports of teething symptoms, there is a growing trend among Brazilians to consider the amber necklace a valid solution for teething symptoms.Keywords:
Tooth Eruption, Amber, Social Media, Qualitative Research.Conteúdo:
Apesar da falta de evidências científicas de alta qualidade, especialmente estudos de coorte prospectivos e revisões sistemáticas baseadas em estudos primários, sintomas como dor, salivação excessiva, febre e irritabilidade são frequentemente associados à erupção dos dentes decíduos1. Isso faz com que muitos pais e cuidadores enfrentem o processo da odontíase com apreensão, buscando ativamente por soluções para aliviar os sintomas1-3. Consequentemente, o colar de âmbar surgiu como uma opção não farmacológica popular entre diversas abordagens que prometem reduzir o desconforto observado durante a odontíase. Supostamente, o colar atua por meio das propriedades analgésicas do ácido succínico, que seria liberado pelas contas de âmbar e absorvido pela pele. No entanto, os efeitos desses amuletos demonstraram ser implausíveis, pois as contas de âmbar que contêm ácido succínico não podem liberá-lo sem que ocorram sua liquefação, o que exigiria temperaturas elevadas incompatíveis com a vida humana4. Além disso, diversos riscos à saúde causados pelos colares de âmbar em bebês estão bem documentados, tais como estrangulamento, aspiração, ingestão das contas, reações alérgicas e proliferação microbiana5-8. Mesmo diante dessas evidências, as pessoas continuam a demonstrar interesse por conteúdos sobre colares de âmbar nas mídias sociais como forma de combater o desconforto relacionado à erupção dos dentes decíduos9.
Com mais de 3 bilhões de usuários ativos por mês, o Facebook continua sendo a plataforma de mídia social mais utilizada no mundo. Nesse cenário, o Brasil representa o maior mercado latino-americano da plataforma, ocupando a quarta posição entre os países com maior número de usuários no mundo10. Um estudo prévio demonstrou que os usuários do Facebook interagem significativamente com publicações que contêm informações falsas sobre a eficácia dos colares de âmbar no alívio dos sintomas da odontíase11. Uma população consumindo informações carregadas de mitos pode contribuir para a formação de crenças negativas que moldam o discurso em saúde, levando indivíduos a adotarem comportamentos prejudiciais que podem resultar em consequências adversas para a saúde pública, como o descrédito nas ciências da saúde e nos profissionais da área12.
A atividade nas mídias sociais, incluindo a criação, o consumo e a interação com conteúdos sobre saúde, oferece aos pesquisadores informações valiosas sobre as experiências e comportamentos de saúde das pessoas. Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo explorar qualitativamente as crenças, experiências, impressões, conhecimentos e interesses dos usuários do Facebook em relação aos colares de âmbar. Para isso, foram analisados comentários em português sobre publicações que promoviam o uso de colares de âmbar para alívio dos sintomas da odontíase. Para fins de monitoramento, esta análise também considerou o momento dos comentários e as características sociodemográficas dos comentaristas.
Até onde sabemos, nenhum outro estudo explorou comentários de usuários nas mídias sociais para avaliar as opiniões de pais e cuidadores sobre a erupção dentária, o que evidencia a originalidade desta abordagem. Este estudo pode contribuir com cirurgiões-dentistas e profissionais de saúde pública no desenvolvimento de estratégias que considerem as percepções dos cuidadores e reduzam o impacto da desinformação sobre esse tema.
MATERIAL E MÉTODOS
Os autores seguiram as recomendações do guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).
Design do estudo
Este é um estudo qualitativo digital, com uma abordagem quantitativa complementar, que realizou uma análise de conteúdo de comentários em publicações do Facebook contendo mensagens de apoio ao uso de colares de âmbar para aliviar os sintomas da odontíase. Esses comentários foram obtidos a partir de um estudo primário que utilizou a plataforma CrowdTangle para coletar e avaliar as publicações. Um dos investigadores coletou uma amostra de 1.000 comentários, a qual incluiu características sociodemográficas dos autores relacionadas às suas personas (gênero, raça e localização), bem como o tempo decorrido desde a publicação no Facebook (número de dias).
Para realizar uma análise de conteúdo temática indutiva, o investigador utilizou o software QDAMiner para dividir os comentários em unidades de análise (sentenças, n = 2.166) e codificá-las manualmente em categorias temáticas predefinidas e previamente testadas em um estudo piloto. Essas categorias foram derivadas do modelo Seeking Health-Related Information Online. As frequências das categorias, as nuvens de palavras e as análises de cluster foram geradas com o uso do software WordStat.
Ética
Este estudo foi considerado isento de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo. A isenção foi concedida porque as regulamentações federais não se aplicam a pesquisas que utilizam dados disponíveis publicamente e que não envolvem sujeitos humanos. Ressalta-se que, embora os dados dos usuários estejam acessíveis publicamente, eles foram anonimizados para garantir a confidencialidade antes de sua inclusão no repositório de dados.
Critérios de inclusão e exclusão
Para serem incluídos nesta análise, os comentários deveriam atender a todos os seguintes critérios: i) o comentário deveria estar publicado em língua portuguesa; ii) o comentário deveria estar relacionado ao uso do colar de âmbar para a prevenção de sintomas da odontíase; e iii) o comentário deveria conter texto que expressasse crenças, experiências, impressões, conhecimentos ou interesses dos usuários do Facebook em relação aos colares de âmbar. Por outro lado, os comentários que não apresentavam conteúdo substancial para a análise, bem como os duplicados, foram subsequentemente excluídos da amostra.
Seleção dos comentários
Dada a impossibilidade de avaliar manualmente todo o conteúdo disponível, uma amostra de 1.000 comentários foi selecionada com base em critérios estabelecidos em um estudo anterior13. Essa amostra é considerada representativa para elucidar os interesses dos usuários de mídias sociais. Um dos investigadores (OSJ) avaliou 3.284 comentários provenientes de 23 publicações com o maior número total de interações observadas em um estudo primário, realizado com o objetivo de avaliar a interação dos usuários do Facebook com conteúdos relacionados aos colares de âmbar, entre agosto de 2016 e agosto de 2021.
Para atingir o número desejado de comentários, foi planejada a coleta de 50 comentários de cada uma das 20 publicações com maior número de interações, totalizando 1.000 comentários. Tanto as publicações quanto os comentários foram apresentados conforme a ordem de relevância determinada pelo Facebook. Caso uma publicação apresentasse menos do que o número requerido de comentários (menos de 50), apenas os comentários que atendiam aos critérios de inclusão foram coletados, sendo acessadas publicações adicionais até que o tamanho final da amostra fosse atingido. Comentários compostos apenas por emojis, como “????”, ou que utilizavam apenas nomes de perfis como marcadores, como “Juliana Oliveira”, foram categorizados como contendo “conteúdo não significativo”. Comentários que não faziam referência aos colares de âmbar, como “essa pequena está ficando mais linda a cada dia!” (frase traduzida do português), também foram excluídos da análise.
Foram coletados 50 comentários das publicações classificadas nas posições de relevância #1, #3, #4, #7, #12, #13, #17, #25 e #26. Nenhum comentário foi coletado das publicações #10, #14, #15, #18, #35, #38 e #39, pois nenhuma delas apresentou comentários que atendessem aos critérios de inclusão. Das publicações #2, #5, #6, #8, #9, #11, #16, #19, #20, #21, #22, #23, #24, #27, #28, #29, #30, #31, #32, #33, #34, #36, #37, #40 e #41, o número de comentários coletados variou entre 3 e 49.
Um total de 2.284 comentários foi excluído da análise, pelas seguintes razões: a) o comentário não estava publicado em língua portuguesa (n = 1); b) os comentários não estavam relacionados ao tema de interesse (n = 1.548); c) os comentários não apresentavam conteúdo significativo para a análise (n = 536); e d) comentários duplicados (n = 199) (Figura 1). É importante enfatizar que essas exclusões não influenciaram os achados do estudo, pois foram consequência direta da aplicação rigorosa dos critérios de inclusão e exclusão. Ademais, tais exclusões não comprometeram o alcance da meta de 1.000 comentários.
Por fim, a base de dados com os 1.000 comentários selecionados foi criada no Google Docs por meio da cópia direta dos comentários extraídos das publicações do Facebook. A data de publicação de cada comentário foi registrada. Posteriormente, todos os dados foram inseridos em uma planilha do Google Sheets (Google, Mountain View, EUA).
Pré-processamento dos comentários
Os comentários incluídos foram divididos em 2.166 unidades de análise (sentenças), considerando vírgulas, pontos finais, pontos de exclamação, de interrogação e conjunções. Por exemplo, o seguinte comentário foi dividido em quatro unidades de análise: (1) “Foi a melhor coisa que eu fiz…” (2) “Não tive problemas com a dentição dela.” (3) “Os primeiros dentinhos nasceram com 6 meses” (4) “e hoje ela está com 12 dentinhos” (frases traduzidas do português).
Quadro conceitual
A análise qualitativa foi concebida com base no modelo Seeking Health-Related Information Online14, o qual integra fatores provenientes dos três modelos mais relevantes relacionados ao tema: o Comprehensive Model of Information Seeking15, a Situational Theory of Problem Solving16 e o Planned Risk Information Seeking Model17. Esse modelo é composto por fatores psicossociais, instrumentais, contextuais e demográficos.
Fatores psicossociais
O modelo Seeking Health-Related Information Online sintetiza sete fatores psicossociais provenientes dos modelos: atitudes em relação à busca por informações, normas subjetivas da busca, percepção de controle comportamental sobre a busca, percepção de risco, respostas afetivas ao risco, conhecimento percebido e insuficiência de conhecimento.
Dessa forma, este estudo interpreta os fatores psicossociais como: a) autoeficácia do usuário em obter informações nas mídias sociais; b) percepção de risco relacionada à odontíase; c) preocupação/ansiedade em relação aos sintomas da odontíase; e d) preocupação/ansiedade em relação ao uso de colares de âmbar.
Fatores instrumentais
Os fatores instrumentais estão relacionados à confiabilidade e utilidade percebidas dos canais de busca por informações. O modelo identifica quatro fatores instrumentais pertinentes: i) utilidade, relacionada à satisfação das necessidades e preferências individuais por informações em saúde; ii) confiabilidade, que denota a crença na dependabilidade da fonte de informação; iii) credibilidade, referindo-se à fidedignidade das informações transmitidas; e iv) qualidade, referente à avaliação do mérito da informação.
Neste contexto, a qualidade, a confiabilidade e a utilidade foram avaliadas com base nos julgamentos dos usuários sobre as informações apresentadas nas publicações e na efetividade do Facebook como fonte de informação em saúde.
Fatores contextuais
Embora o modelo Seeking Health-Related Information Online apresente o uso da Internet como um fator contextual, este estudo não o incluiu, partindo do pressuposto de que os comentaristas ativos no Facebook utilizam, por definição, a Internet para tais interações. Portanto, todos os comentários analisados originaram-se de usuários da Internet.
Fatores demográficos
Cada perfil responsável pelos comentários foi analisado individualmente, e suas características sociodemográficas foram coletadas. O gênero da persona (feminino ou masculino) foi classificado com base na análise do nome do usuário e da foto do perfil. A raça (branca ou não branca) foi determinada por meio da análise da foto do perfil, quando esta representava uma pessoa.
Nos casos em que o gênero e a raça não puderam ser identificados — seja devido à ambiguidade do nome (por exemplo, Feeh Duarte; Rô Batista) ou à ausência de uma pessoa na imagem do perfil (como paisagens, animais ou ilustrações) —, as variáveis foram classificadas como “indefinidas”.
Adicionalmente, a informação sobre a localização do usuário (país de origem) também foi registrada, sendo também considerada “indefinida” quando indisponível.
Análise de conteúdo
A análise de conteúdo temática indutiva utilizou os softwares QDA Miner e WordStat (Provalis Research, Montreal, Canadá) para a codificação de cada unidade de análise (n = 2.166) em uma única categoria temática, com base no modelo Seeking Health-Related Information Online (Tabela 1). Inicialmente, dois investigadores independentes (OSJ e JRL) analisaram 10% da amostra total (n = 217) para verificar a suficiência dos códigos predefinidos e a necessidade de inclusão de novos códigos. O código I1, “experiência neutra/conhecimento sobre o colar de âmbar”, foi criado para frases que transmitiam informações neutras ou curiosidades sobre os colares de âmbar, por exemplo: “o âmbar é uma resina fóssil que contém ácido succínico” (frase traduzida do português).
Para avaliar variações no conteúdo dos comentários sobre colares de âmbar ao longo do tempo, as datas de publicação dos comentários no Facebook foram registradas, permitindo sua divisão em três grupos. Comentários sem data disponível foram classificados como “indefinidos”. Para os comentários com data disponível, foi calculada a mediana do número de dias desde a data da publicação, a fim de diferenciar comentários mais antigos dos mais recentes. Com base no valor da mediana (1.927 dias), os comentários foram classificados nos seguintes grupos: ? 1.927 dias desde a publicação (n = 491; 774 sentenças) e > 1.927 dias desde a publicação (n = 493; 1.348 sentenças).
Análise de dados
O software QDA Miner foi utilizado para determinar a frequência de cada código proveniente da análise de conteúdo manual. Adicionalmente, foram realizadas análises de conteúdo automatizadas por meio de mineração de texto, utilizando o software WordStat, o qual gerou nuvens de palavras com os termos mais frequentes e análises de cluster das coocorrências de palavras dentro das sentenças.
O teste Qui-quadrado (p < 0,05) foi empregado para comparar a distribuição das categorias entre os três diferentes períodos de tempo.
RESULTADOS
A Tabela 2 apresenta a frequência das características sociodemográficas observadas nos perfis dos usuários que realizaram os comentários. A maioria dos comentários foi feita por usuários identificados como gênero feminino (963; 96,3%) e raça branca (818; 81,8%). Em relação ao país de origem, os usuários eram predominantemente do Brasil (978; 97,8%).
A Tabela 3 exibe a distribuição das frequências das categorias temáticas das sentenças nos comentários, considerando o tempo decorrido desde a publicação. De modo geral, as sentenças mais frequentemente classificadas como: “experiência com o colar de âmbar” (Código I, n = 594; 27,4%), “utilidade da informação” (Código G, n = 420; 19,4%) e “percepção de risco relacionada à odontíase” (Código B, n = 381; 17,6%). Dentro dessas categorias, a maioria das sentenças foi classificada como: “experiência positiva com o uso do colar de âmbar” (Código I.2, n = 308; 14,2%), “a informação é útil ou potencialmente útil” (Código G.1, n = 407; 18,8%) e “aquisição ou intenção de adquirir o colar” (Código B.5, n = 263; 12,1%), respectivamente.
Algumas mudanças relevantes foram identificadas na comparação do conteúdo dos comentários ao longo do tempo (Tabela 3, Qui-quadrado = 451,97; p < 0,001). Em relação aos fatores psicossociais, observou-se um aumento nas frequências de sentenças classificadas como “dúvidas do receptor relacionadas ao colar de âmbar” (Código A.3, de 5,6% para 8,1%) e “aquisição ou intenção de adquirir o colar” (Código B.5, de 5,9% para 23,6%). Por outro lado, houve uma diminuição nas frequências de sentenças categorizadas como “gravidade percebida pelo receptor” (Código B.1, de 4,9% para 0,1%), “gravidade não percebida pelo receptor” (Código B.2, de 1,6% para 0,1%) e “alertas de perigo” (Código D.1, de 3,4% para 1,0%).
Quanto aos fatores instrumentais, foi observado um aumento na frequência de sentenças relacionadas à “a informação é útil ou potencialmente útil” (Código G.1, de 15,7% para 24,5%). Em contrapartida, houve diminuição nas frequências de sentenças categorizadas como “experiência atual com a condição” (Código H.1, de 5,9% para 0,3%), “experiência passada com a condição” (Código H.2, de 4,8% para 2,5%), “sem experiência com a condição” (Código H.3, de 1,3% para 0,3%), “experiência neutra/conhecimento sobre o colar de âmbar” (Código I.1, de 14,2% para 6,6%) e “experiência positiva com o uso do colar de âmbar” (Código I.2, de 16,3% para 10,3%).
Vale destacar que nenhuma frase foi categorizada como relacionada à “confiabilidade da mídia social” (Código F) ao longo da análise.
A Figura 2 apresenta uma nuvem de palavras com os termos mais frequentemente encontrados nos comentários. O tamanho das palavras é proporcional à sua frequência no conteúdo, indicando que as palavras maiores foram mais mencionadas, como: “ter”, “colar”, “meu”, “usar”, “comprar”, “olha”, “parir” e “dente”.
O dendrograma apresentado na Figura 3 ilustra os agrupamentos de coocorrência de palavras e suas respectivas distâncias. Distâncias menores entre os agrupamentos indicam uma relação mais forte. Foram identificados três agrupamentos, representando os seguintes conceitos: “desejo de saber mais sobre colares de âmbar visando à aquisição” (azul), “comunicação parental sobre o uso dos colares de âmbar por seus filhos” (laranja) e “destaque ao colar de âmbar como uma consideração potencialmente relevante” (vermelho).
DISCUSSÃO
Com base no estado atual do conhecimento, este estudo representa o primeiro esforço para analisar comentários em postagens do Facebook, publicadas em português, sobre colares de âmbar. Esse método se mostra valioso por permitir o exame direto das perspectivas dos usuários em relação aos colares de âmbar e às experiências com a odontíase, em um contexto informal e cotidiano. A maioria dos comentários foi realizada por usuários identificados como brancos, do sexo feminino e brasileiros, com ênfase crescente no valor informativo das postagens e na intenção de adquirir o amuleto. No entanto, os comentários que descrevem experiências pessoais com a erupção dentária ou que expressam preocupações sobre o uso dos colares de âmbar diminuíram significativamente ao longo do tempo.
O crescimento da indústria da saúde, aliado ao aumento do acesso à internet nos últimos anos, levou as pessoas a se envolverem mais ativamente e demonstrarem maior interesse por temas relacionados à saúde, por vezes desafiando a autoridade de profissionais especializados18. Esse cenário popularizou o conceito de "paciente informado" — indivíduos com habilidades e conhecimentos para participar ativamente das decisões e do gerenciamento de sua própria saúde19. Essa tendência, somada a estereótipos de gênero que atribuem às mulheres maior responsabilidade e envolvimento nos cuidados infantis, pode ter influenciado os achados deste estudo. Em especial, observou-se um engajamento expressivo de mulheres com o tema dos colares de âmbar e os sintomas associados à erupção dos dentes decíduos. Esses resultados estão em consonância com estudos anteriores que apontam o gênero como um preditor significativo do comportamento de busca por informações de saúde online, sendo as mulheres mais propensas a acessar informações gerais de saúde do que os homens20,21. No contexto dos colares de âmbar, comercializados como forma de aliviar os sintomas da odontíase em crianças, a seção de comentários do Facebook também atua como um espaço importante de apoio emocional e social entre mulheres cuidadoras22. Outros estudos já destacaram que plataformas online, como blogs e fóruns, oferecem suporte por meio do compartilhamento de informações sobre maternidade, incluindo relatos, conselhos e encorajamento entre mulheres23,24.
Em contraste com achados anteriores que indicam que o grupo racial dominante em um país geralmente apresenta maior status socioeconômico e melhor acesso a recursos de saúde25, a maioria da população brasileira se identifica como parda (45,3%), seguida por brancos (43,5%)26. Isso indica que conteúdos digitais deveriam engajar igualmente indivíduos brancos e não brancos. Contudo, as disparidades observadas podem refletir um viés racial no espaço digital, no qual indivíduos brancos tendem a ter acesso mais fácil e rápido às tecnologias da informação e comunicação em comparação aos não brancos27. No Brasil, essas desigualdades sociais também influenciam a distribuição da informação sobre colares de âmbar, os quais permanecem como itens de luxo, mais comumente adquiridos por pessoas de maior poder aquisitivo.
De modo geral, o conteúdo relacionado à percepção de risco da odontíase aumentou ao longo do tempo, impulsionado pela aquisição ou intenção de adquirir colares de âmbar. Curiosamente, esse aumento não se refletiu nas preocupações ou ansiedades relacionadas aos sintomas da odontíase, que apresentaram queda em todas as manifestações atribuídas à erupção dentária. Da mesma forma, o conteúdo que abordava experiências pessoais com a odontíase também diminuiu com o tempo. No entanto, observou-se um aumento nas dúvidas dos usuários em relação ao colar de âmbar, especialmente quanto à sua eficácia, o que pode indicar um interesse crescente pelo produto e o desejo de obter mais informações sobre ele28. Esses achados sugerem que postagens sobre colares de âmbar podem gerar desejo de consumo, mesmo quando os usuários não relatam sintomas relacionados. Em outras palavras, o conceito de odontíase está tão culturalmente enraizado que gera uma expectativa de sintomas e motiva ações3, levando à percepção de necessidade de aquisição do colar. Além disso, os usuários são influenciados por estratégias de marketing e por alegações falsas feitas por vendedores no Facebook11, impulsionadas por forças de mercado que exploram o fetichismo da mercadoria, atribuindo valor e poder intrínsecos ao amuleto.
Apesar de um discreto aumento nos comentários sobre experiências negativas com colares de âmbar, acompanhado de uma redução nos relatos de experiências positivas, os testemunhos favoráveis ainda predominam. Isso sugere que os usuários do Facebook continuam inclinados ao uso dos colares, provavelmente influenciados por crenças amplamente disseminadas sobre o produto e pela percepção social fortemente enraizada dos sintomas da dentição. Como resultado, os usuários podem apresentar uma percepção distorcida sobre a eficácia do colar. O viés de confirmação possivelmente desempenha um papel importante, pois o alívio esperado dos sintomas, após o uso do colar, é percebido como prova de sua eficácia, independentemente da causa real, reforçando uma crença equivocada de causalidade. Tal percepção parece ser suficiente para convencer parte da população a considerar o uso do colar de âmbar29,30.
A recorrente detecção de conteúdo que destaca a utilidade da informação pode ser um indicativo de sua difusão, uma vez que usuários marcam outras pessoas nas postagens, convidando-as a conferir as informações compartilhadas31. Assim, um usuário motivado a compartilhar uma postagem por considerá-la útil contribui para a disseminação de informações incorretas sobre saúde, como a suposta eficácia dos colares de âmbar no alívio dos sintomas da odontíase. Além disso, observa-se que indivíduos com maior frequência de interação nas mídias sociais tendem a exercer maior influência entre si e a compartilhar interesses mais alinhados, o que aumenta a probabilidade de adoção dos colares de âmbar na rotina de cuidados infantis32. Ademais, a diminuição dos relatos de preocupações e ansiedades relacionadas ao uso dos colares de âmbar — como alertas de segurança, medo de acidentes e contra-indicações odontológicas — indica que os usuários do Facebook podem não estar devidamente informados sobre os riscos associados ao colar. Isso também sugere que profissionais da odontologia podem não estar comunicando com eficácia essas contra-indicações a seus pacientes.
Este estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, as características sociodemográficas dos usuários foram determinadas com base em informações e imagens disponíveis nos perfis, o que pode levar à criação de personas que não refletem com exatidão as identidades reais dos indivíduos. Em segundo lugar, não foram incluídas postagens com vídeos na amostra. Embora esse tipo de conteúdo costume ter alto nível de engajamento, ele foi excluído devido à complexidade de sua obtenção, processamento e avaliação conforme os critérios de inclusão. Em terceiro lugar, as análises foram conduzidas exclusivamente em português, de modo que fatores culturais podem influenciar a forma como os usuários interagem com as postagens, não sendo possível afirmar se achados semelhantes ocorreriam em outros idiomas e culturas. Por fim, a natureza virtual dos comentários pode não representar integralmente a opinião real dos indivíduos sobre os colares de âmbar, uma vez que as pessoas tendem a adaptar seu discurso ao contexto de suas mídias sociais32.
Conclui-se que os usuários do Facebook que se comunicam em português — em especial, os brasileiros — demonstram interesse em adquirir colares de âmbar, mesmo com a redução dos relatos sobre sintomas da dentição infantil. A aparente ausência de conhecimento entre os usuários sobre as informações falsas que cercam os colares de âmbar pode explicar a queda nas expressões de preocupação com os riscos que esse amuleto representa à saúde infantil. Esses achados podem auxiliar formuladores de políticas públicas a compreender o impacto nocivo de postagens com informações falsas nas comunidades, incentivando o desenvolvimento de diretrizes e legislações que combatam a disseminação de desinformação. Além disso, profissionais da odontologia devem estar atentos aos mitos que envolvem os colares de âmbar, a fim de aprimorar sua comunicação com os pacientes. Para além da abordagem sobre o uso do colar, é essencial adotar uma abordagem de cuidado centrado na família, com foco na criança. Essa abordagem inclui oferecer educação personalizada e respeitosa, com base na identificação prévia das necessidades e valores da família, visando à correção de concepções equivocadas sobre a saúde bucal34. Também é imprescindível garantir o acesso universal à saúde bucal, fortalecer a alfabetização digital em saúde e fornecer informações odontológicas de qualidade por meio de campanhas públicas, com o objetivo de prevenir a propagação de mensagens enganosas e aumentar a resiliência dos consumidores digitais diante das informações falsas.
AGRADECIMENTOS
Este estudo contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (nº do auxílio: 131813/2021-8) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (nº do auxílio: 2021/07339-0). Os autores agradecem à Meta Inc. pela concessão do uso da plataforma CrowdTangle™.
REFERÊNCIAS
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