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0392/2023 - CUSTOS E CARACTERÍSTICAS DAS INTERNAÇÕES POR CONDIÇÕES SENSÍVEIS À ATENÇÃO PRIMÁRIA EM MENORES DE UM ANO EM SÃO PAULO
Costs and characteristics of hospitalizations for primary care-sensitive conditions in children under one year old in São Paulo

Autor:

• Lays Janaina Prazeres Marques - Marques, L. J. P. - <laysjpmarques@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4511-4995

Coautor(es):

• Antonio Carlos Pereira - Pereira, A. C. - <apereira@fop.unicamp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1703-8171

• Augusto Cesar Sousa Raimundo - Raimundo, A. C. S. - <augustocesarsr@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7736-9189



Resumo:

O objetivo desta pesquisa foi estimar os custos diretos e analisar os aspectos epidemiológicos das Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) em menores de um ano, município de São Paulo, 2011-2022. Os custos total e médio foram calculados segundo grupos de diagnóstico de ICSAP por componentes (neonatal precoce, tardio e pós neonatal). Analisou-se a tendência das taxas de ICSAP por meio da regressão linear generalizada de Prais-Winsten. Foram identificadas 98.679 internações. Houve aumento anual de 10,2% (IC95%:7,70;12,68) na taxa de ICSAP dos neonatos precoces e nos demais componentes a tendência foi estacionária. O custo do período foi estimado em R$130,5 milhões em <1 ano, com redução de 8,6%. Os maiores valores absolutos estiveram relacionados às causas mais frequentes, como às Doenças pulmonares com 43,7% do custo em <1 ano, 52,5% nos neonatos tardios e 48,8% nos pós-neonatos. Nos neonatos precoces, 83,5% do custo foi atribuído às Doenças relacionadas ao pré-natal, especialmente à sífilis congênita. Conclui-se que foi possível identificar os custos e características das internações, evidenciando aumento das taxas de ICSAP e as condições que requerem maior atenção dos serviços de saúde primária para reduzir internações e gastos hospitalares no setor público.

Palavras-chave:

Atenção primária à Saúde, Saúde Materno-Infantil, Custos Hospitalares.

Abstract:

The objective of this research was to estimate the direct costs and analyze the epidemiological aspects of hospitalizations for primary care-sensitive conditions (ICSAP) in children under one year of age, São Paulo municipality, 2011-2022. Total and average costs were calculated according to ICSAP diagnosis groups by components (early neonatal, late neonatal, and post-neonatal). The trend in ICSAP rates was analyzed using Prais-Winsten generalized linear regression. 98,679 hospitalizations were identified. There was an annual increase of 10.2% (95%CI:7.70;12.68) in the ICSAP rate of early neonates and in the other components the trend was stationary. The cost for the period was estimated at R$130.5 million in <1 year, a reduction of 8.6%. The highest absolute values were related to the most frequent causes, such as lung diseases with 43.7% of the cost in <1 year, 52.5% in late neonates, and 48.8% in post-neonates. In early neonates, 83.5% of the cost was attributed to prenatal-related diseases, especially congenital syphilis. It is concluded that it was possible to identify the costs and characteristics of hospitalizations, showing an increase in ICSAP rates and the conditions that require greater attention from primary health services to reduce hospitalizations and hospital costs in the public sector.

Keywords:

Primary Health Care, Maternal and Child Health, Hospital Costs.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
As Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) representam um conjunto de diagnósticos potencialmente evitáveis na medida que as ações da Atenção Primária à Saúde (APS) sejam oportunas e resolutivas. Assim, as ICSAP se constituem uma medida indireta do acesso e da qualidade da assistência prestada pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) na APS1. O monitoramento desse indicador é essencial para subsidiar estratégias que visem a prevenção de hospitalizações desnecessárias, otimização do uso de leitos e consequente redução dos gastos em saúde2.
A atuação da APS pode contribuir para a resolução de cerca de 80% das necessidades de saúde da população3. Acredita-se que as hospitalizações decorrentes de condições passíveis de detecção precoce pelo primeiro nível de atenção à saúde refletem deficiências na cobertura e efetividade da APS. Quando as ações do primeiro nível de atenção são ofertadas de forma adequada e em tempo oportuno, estas podem favorecer a redução do risco de agravamento de condições clínicas e a subsequente necessidade de hospitalização1,4,5.
Diversos estudos brasileiros demonstraram que a população infantil possui a maior proporção de ICSAP no país6. Diferentemente do perfil de pessoas adultas, na infância as ICSAP são representadas, sobretudo, por condições agudas3. Nas últimas décadas, as doenças respiratórias, infecciosas/parasitárias e aquelas originadas no período perinatal, representaram as principais causas de ICSAP de crianças no Brasil2,6. Todavia, há diferenças regionais na prevalência de ICSAP em menores de um ano, onde observa-se que no Norte e Nordeste prevalecem as gastroenterites, e no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as doenças respiratórias são mais frequentes6-9. Essas diferenças podem ser atribuídas às condições socioeconômicas (saneamento básico, escolaridade, renda), à influência climática, à rede de serviços de saúde disponível e à atuação das equipes da ESF10.
Somadas as consequências da admissão hospitalar nas condições de saúde, que podem aumentar o risco de óbito e sequelas, as ICSAP em menores de um ano também provocam um impacto financeiro alto, repercutindo no aumento dos gastos para a gestão financeira do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Frente ao contexto de subfinanciamento do SUS, a mensuração dos custos decorrentes de internações evitáveis se torna essencial para a melhor alocação de recursos e definição de prioridades11.
Apesar do número crescente de estudos relacionados às ICSAP na infância, ainda são escassas as pesquisas sobre os custos por grupos de diagnósticos em crianças menores de um ano e seus subcomponentes (neonatal precoce, neonatal tardio e pós-neonatal), sobretudo, à nível municipal. Assim, este estudo teve por objetivo estimar os custos diretos e analisar os aspectos epidemiológicos de internações por condições sensíveis à atenção primária em crianças menores de um ano no município de São Paulo entre 2011 e 2022.

MÉTODOS
Área de estudo
A área de estudo se refere ao município de São Paulo (MSP), capital do estado de São Paulo, localizado na região Sudeste do país. O MSP representa o maior centro urbano da América Latina, com cerca de 12 milhões de habitantes distribuídos em uma extensão territorial de 1,521,110 km². A renda média percapita é de 4,2 salários mínimos (USD 865,38), e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,80512.

Definições do estudo
Foram incluídas todas as internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária de crianças menores de um ano. O conjunto de causas de ICSAP tomou como referência os 19 grupos de doenças, com 74 diagnósticos classificados de acordo com a 10ª Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), publicados na portaria no 221 do Ministério da Saúde, de 17 de abril de 2008, que definiu a Lista Brasileira de Condições Sensíveis à Atenção Primária13.

Fontes de dados
Os dados correspondentes as internações foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares (SIH), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Para compor o denominador das taxas de ICSAP foi utilizado o total de nascidos vivos obtido por meio do Sistema de Informações sobre Nascidos vivos (Sinasc), disponibilizados pela Prefeitura da cidade de São Paulo (https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/tabnet/). As informações referentes à taxa de cobertura da saúde suplementar foram obtidas por meio do TabNet da ANS (http://www.ans.gov.br/anstabnet/), já os dados da taxa de cobertura da Atenção Primária à Saúde foram obtidos no sítio eletrônico do e-Gestor (https://egestorab.saude.gov.br/).

Análise de custo
Trata-se de um estudo de custo da doença (burden of disease) do tipo topdown (macrocusteio), na perspectiva de um órgão público prestador de serviços de saúde, que reflete o custo despendido pelo pagador final (SUS) sob a forma de reembolso. Foram estimados os custos diretos médico-hospitalares das Internações por condições sensíveis à APS no município de São Paulo. Neste estudo, não foram considerados os custos indiretos e intangíveis. O horizonte temporal do estudo correspondeu a 12 anos (01/01/2011 a 31/12/2022).
Foi realizada uma análise econômica parcial, onde foram avaliados os custos médico-hospitalares diretos, com informações extraídas a partir dos registros de pagamentos da Autorização de Internação Hospitalar (AIH), instrumento onde são registrados os atendimentos provenientes das internações financiadas pelo SUS. Analisou-se o custo total e médio da AIH segundo grupos de diagnósticos para todos os componentes etários. O custo médio foi calculado pelo quociente do custo total da AIH dividido pelo total de internações segundo componentes etários, sendo também estratificado por grupos de diagnósticos.
As informações dos valores de pagamento de referência nacional definidos pelo Ministério da Saúde para a remuneração dos procedimentos, estão descritos no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órtese Prótese e Material Especial do SUS (SIGTAP). Para fins de ajuste temporal, os valores do período foram corrigidos pela inflação utilizando como base o período de Jan/2011 a Dez/2021, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os valores monetários foram apresentados na moeda real (R$).

Análise epidemiológica
A abordagem ecológica do estudo incluiu os seguintes aspectos epidemiológicos: cálculo da tendência temporal da taxa de ICSAP; análise da correlação da taxa de ICSAP com as taxas de cobertura da APS e da saúde suplementar; e caracterização das internações segundo covariáveis.
As taxas de internação por ICSAP foram calculadas utilizando como numerador a quantidade total de internações de menores de um ano e seus subcomponentes etários, e denominador o número de nascidos vivos (NV). Considerou-se como internações em menores de um ano aquelas que ocorreram em crianças com idade inferior a 11 meses e 30 dias, ou seja, 364 dias à admissão hospitalar. Os subcomponentes etários foram divididos em três períodos, correspondendo ao neonatal precoce (0 a 6 dias de vida), neonatal tardio (7 a 27 dias de vida) e pós-neonatal (28 a 364 dias de vida).
Adicionalmente, verificou-se a correlação das taxas de ICSAP em menores de um ano com as taxas de cobertura da APS e da Saúde suplementar (em crianças menores de um ano). Aplicou-se o teste de Shapiro-Wilk para verificar o pressuposto de normalidade das variáveis, em seguida foi realizado o teste de correlação de Pearson, sob o nível de significância de 5% (p<0,05).
Na análise de série temporal das taxas de ICSAP foi empregada a regressão linear generalizada de Prais-Winsten, que permite corrigir a autocorrelação serial de primeira ordem. Foram analisados modelos para a taxa de ICSAP em menores de um ano e seus subcomponentes etários. A reta de ajuste entre os pontos da série cuja tendência se pretendeu estimar foi definida pela equação y = ?0 + ?1x, onde, y é a taxa de ICSAP (variável dependente); x é o ano da internação (variável independente); e ? é o coeficiente de regressão. O processo de modelagem dos dados incluiu a transformação logarítmica de base 10 dos valores de y, para fins de redução da heterogeneidade das variâncias dos resíduos da análise. A presença de autocorrelação serial foi avaliada pela estatística de Durbin-Watson. As estimativas da variação percentual anual (Anual Percentage Change [APC]) foram calculadas por meio da equação: APC = [-1+10^(?1)]?100. Os respectivos intervalos de confiança de 95% serão obtidos por: IC95% = [-1+10^(?1mín)]?100;[-1+10^(?1máx)]?100. Foi verificado se o comportamento da série era estacionário (p?0,05), decrescente (p<0,05 e ?1 negativo) ou crescente (p<0,05 e ?1 positivo). Os valores de p foram obtidos pelo teste de Wald sob o nível de significância de 5%14.
A caracterização das internações foi realizada a partir das seguintes variáveis: tempo médio e mediano de internação (dias); sexo (masculino, feminino); raça/cor (branca, não-branca, desconhecida); evolução para óbito (sim, não); caráter de internação (eletivo, urgência); e grupos de diagnósticos definidos pela lista brasileira de ICSAP. Aplicou-se a estatística descritiva com distribuição das frequências absolutas, relativas, cálculo da média e mediana. Os dados foram tabulados e analisados por meio do Microsoft Excel® e do software R (The R Project for Statistical Computing).

Considerações éticas
Este estudo atendeu aos preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510/16, que prevê a dispensa de aprovação ética para pesquisas que utilizam informações de domínio público.

RESULTADOS
No período de 2011 a 2022 ocorreram 98.679 internações por ICSAP em menores de um ano no município de São Paulo, com aumento de 4,7% entre o primeiro (n = 8.748) e o último ano (n = 9.160). As internações por ICSAP representaram 22,8% do total das internações (n = 433.292) no primeiro ano de vida. Em relação a representatividade por componente etário, verificou-se que 7,5% (n = 7.419) das internações por ICSAP correspondiam ao período neonatal precoce, 5,0% (n = 4.959) ao neonatal tardio e 87,5% (n = 86.301) ao pós-neonatal.
Na evolução temporal das taxas de ICSAP, observou-se uma queda acentuada em 2020 entre os menores de um ano, sobretudo, no componente pós-neonatal, em oposição a um aumento ocorrido no neonatal precoce. Este período é marcado pelo início da pandemia de Covid-19 no Brasil. O teste de correlação entre a taxa de ICSAP em menores de um ano e a taxa de cobertura da APS foi de r= -0.54 (p = 0,07; IC95%: -0.85;0.05), e entre a taxa de cobertura da saúde suplementar obteve-se r= -0.38 (p = 0,22; IC95%: -0.78;0.25), constatando-se correlação negativa e ausência de significância estatística em ambos os casos (Figura 1).

Fig. 1

Figura 1. Taxa de ICSAP em menores de um ano e subcomponentes e Taxas de cobertura da Atenção Primária à saúde e da Saúde suplementar, município de São Paulo, 2011 a 2022.
Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH), Sistema de Informações sobre Nascidos vivos (Sinasc), Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), SIB/ANS/MS.

A taxa de ICSAP (por mil nascidos vivos [NV]) em menores de um ano passou de 49,6 em 2011 para 69,4 em 2022, correspondendo a uma variação de 1,8% ao ano (IC95%: -1,54;5,26). Para o componente neonatal precoce, as taxas de ICSAP apresentaram aumento anual de 10,2% (IC95%: 7,70;12,68), variando de 2,6 para 6,4 por mil NV. Entre os neonatos tardios, houve tendência estacionária com variação de 0,3% (IC95%: -3,46;4,29) ao ano e taxas oscilando de 2,7 para 3,3 por mil NV. A tendência das taxas entre os pós-neonatos também foi estacionária, com variação anual de 1,0% (IC95%: -2,88;5,10), passando de 44,2 para 59,7 por mil NV entre o primeiro e o último ano da série (Tabela 1).

Tabela 1. Estimativas da regressão de Prais-Winsten para a taxa de ICSAP (por mil nascidos vivos) em menores de um ano e subcomponentes, município de São Paulo, 2011-2022

Tab.1

Em relação ao total de hospitalizações, verificou-se que o tempo médio de permanência hospitalar diminuiu com o aumento da idade do recém-nascido, sendo maior entre os neonatais precoces (10,8 dias) e menor entre os pós-neonatais (5,2 dias). O sexo masculino foi predominante em quase todos os componentes etários, com exceção do neonatal precoce, no qual 51,0% das internações foi representada pelo sexo feminino. A raça/cor branca constituiu a maioria das internações nos menores de um ano e subcomponentes, com exceção do neonatal precoce que obteve 31,4% das internações em não-brancos. Todavia, chama atenção o elevado percentual de campos não-preenchidos para esta informação, sendo maior entre os neonatos precoces. Em relação ao caráter da internação, a maioria foi de urgência, com maior percentual de internações no componente pós-neonatal (97,5%) em comparação aos demais. A ocorrência de óbito por ICSAP foi mais frequente em internações de neonatos precoces (0,5%) (Tabela 2).
No que se refere às causas de ICSAP, as Doenças pulmonares representaram a principal causa de internações por condições sensíveis à APS, tanto para os menores de um ano (52,7%), quanto para os neonatos tardios (53,7%) e pós-neonatos (57,1%). Em seguida, a Infecção nos rins e trato urinário foi responsável por 15,0% para o componente neonatal tardio, 9,1% para o pós-neonatal e 8,9% para os menores de um ano. Em terceiro lugar, a Infecção da pele e tecido subcutâneo, representou 8,2% para os neonatos tardios e as Gastrenterites infecciosas e complicações representaram 8,8% e 8,0% para os pós-neonatos e menores de um ano, respectivamente. No componente neonatal precoce, as Doenças relacionadas ao pré-natal e parto, representadas majoritariamente pela sífilis congênita, foram responsáveis por 86,0% das internações, seguida das Doenças preveníveis por imunização e condições sensíveis com 3,3% e da Infecção nos rins e trato urinário com 2,3% (Tabela 2).

Tab. 2

O custo total com as internações em menores de um ano foi estimado em 130,5 milhões de reais, sendo 14,7 milhões (11,3%) atribuídos ao componente neonatal precoce, 8,9 milhões (6,9%) ao neonatal tardio e 106,7 milhões (81,8%) ao pós-neonatal. Apesar do montante observado ser alto, comparando-se o ano de 2011 com 2022, houve redução de 8,6% no custo total de menores de um ano, com redução mais expressiva no componente neonatal tardio (-19,1%), seguido do pós-neonatal (-14,3%). Todavia, o componente neonatal precoce apresentou um aumento de 66,4%. Além do custo total, o gasto médio com estas hospitalizações diminuiu 12,7% entre os menores de um ano, passando de R$ 1.188,9, no início da série, para R$ 1.037,7, no último ano de estudo. Os componentes neonatal precoce, neonatal tardio e pós neonatal também apresentaram redução do custo médio entre o ponto inicial e final do período, com -8,3%, -10,9% e -15,1% respectivamente (Figura 2).

Fig. 2

Figura 2. Evolução dos custos total e médio (em reais) das internações por condições sensíveis à Atenção Primária à saúde em menores de um ano e subcomponentes, município de São Paulo, 2011-2012.
Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH).

O custo médio no período foi de R$1.322,6 para menores de um ano, sendo maior entre os neonatos precoces (R$1.987,1), seguidos dos neonatos tardios (R$1.814,8) e pós-neonatos (R$1.237,2). Em relação aos grupos diagnósticos, verificou-se que a Insuficiência Cardíaca foi a causa com maior custo médio tanto para os menores de um ano (R$10.434,1), como para os componentes neonatal tardio (R$9.258,1) e pós-neonatal (R$11.099,1). Para o componente neonatal precoce, o maior custo médio foi observado para a Doença inflamatória dos órgãos pélvicos femininos (R$8.504,5). Em relação aos custos totais, as Doenças pulmonares representaram o grupo de causas com maiores gastos entre os menores de um ano (R$57,0 milhões; 43,7%), neonatos tardios (R$4,7 milhões; 52,5%) e pós-neonatos (R$52,2 milhões; 48,8%). Entre os neonatos precoces, as Doenças relacionadas ao pré-natal e parto representaram 83,5% do custo (R$12,3 milhões (Tabela 3).

Tab. 3

DISCUSSÃO
No município de São Paulo, a maioria das ICSAP ocorreu em crianças no período pós-neonatal. As taxas de ICSAP apresentaram aumento em todos os subcomponentes, porém com tendência significativa apenas no neonatal precoce. A pandemia de covid-19 impactou em uma redução brusca das taxas de ICSAP, especialmente no componente pós-neonatal. Os grupos diagnósticos de ICSAP mais frequentes foram as Doenças pulmonares em quase todos os componentes, com exceção do neonatal precoce, no qual predominaram as Doenças relacionadas ao pré-natal e parto, representadas em sua maioria pela sífilis congênita. Comparando-se o primeiro e o último ano do período, houve redução no gasto total e médio com ICSAP. Todavia, os neonatos precoces apresentaram aumento no custo, especialmente no grupo de Doenças relacionadas ao pré-natal e parto, no qual a proporção do custo total quadruplicou entre 2011 e 2022.
Os resultados deste estudo corroboram com pesquisas brasileiras anteriores, que demonstraram que a maioria das internações por condições sensíveis à APS ocorre no componente pós-neonatal8,15. Tal fato pode ser atribuído às dificuldades nos agendamentos de consultas de puericultura, a longa espera até o atendimento, o condicionamento das famílias a realizarem exames e consultas particulares, ainda que sem condições financeiras suficientes e a falta de comunicação e informação durante as ações de promoção da saúde e continuidade do cuidado16.
Diferente do que foi observado em outros municípios brasileiros, que demonstraram reduções nas taxas de ICSAP em crianças6-9, o município de São Paulo apresentou aumento nas taxas de ICSAP em menores de um ano e subcomponentes, com tendência significativa apenas para o componente neonatal precoce. As diferenças nos aspectos dessas internações decorrem da associação de diversos fatores, como das crescimento da população na faixa etária menor de um ano, características socioeconômicas, condições epidemiológicas, operacionalização dos serviços de saúde e demais especificidades, inerentes a cada localidade10.
Houve uma redução acentuada das taxas de ICSAP em 2020, em especial no componente pós-neonatal. Neste período, foram propostas intervenções não-farmacológicas para o enfrentamento à epidemia da Covid-19 no Brasil17, como restrições de circulação impostas pelas medidas de lockdown, o uso obrigatório de máscara e o incentivo à adoção de hábitos de desinfecção das mãos. Estas medidas podem ter contribuído para a redução do contágio de afecções prevalentes em crianças nessa faixa etária, em especial das doenças pulmonares18,19. Por outro lado, as crianças do período neonatal precoce tiveram aumento nas ICSAP. Tal fato se deve ao impacto que as medidas de resposta à pandemia da Covid-19 tiveram sob os serviços de saúde materna e neonatal no Brasil e no mundo20. Neste período, houve a reestruturação dos serviços hospitalares e de maternidades para o atendimento da demanda de pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2, que refletiu no acesso e qualidade da atenção ao pré-natal e ao parto21. Além disso, somam-se a disseminação crescente de desinformações sobre as consequências da doença, que provocou medo em utilizar os serviços de saúde, e complicações das infecções por covid-19 em gestantes e puérperas22.
As taxas de ICSAP em menores de um ano apresentaram correlação negativa com as taxas de cobertura da APS e dos planos privados de saúde, indicando que uma taxa tende a diminuir quando a outra aumenta. A ausência da significância estatística encontrada neste estudo, provavelmente indica que ambas as taxas de cobertura não foram suficientes para impactar as ICSAP23. Embora a relação entre o aumento da cobertura da APS e da redução das taxas de ICSAP seja reconhecida24,25, algumas pesquisas também não evidenciaram associação26,27. Uma hipótese é que o impacto da expansão da cobertura da APS nas ICSAP não seria imediato e ocorreria de médio a longo prazo25. Por outro lado, alguns estudos suscitam que pode haver um limiar no qual essa associação possa ser estabelecida28. No que se refere à cobertura dos planos da saúde suplementar, o seu aumento poderia provocar um desvio de internações para a rede privada de saúde e consequente redução das taxas de ICSAP26. Dessa forma, esta análise é particularmente importante no âmbito deste estudo, pois o estado de São Paulo apresenta a maior porcentagem de internações cobertas pela saúde suplementar à nível nacional29.
Em relação ao tempo de permanência hospitalar, verificou-se que a quantidade média de dias de internação diminuiu com o aumento da idade de admissão hospitalar da criança, sendo maior nos neonatais precoces e menor nos pós-neonatais. Além disso, constatou-se maior frequência de óbitos por ICSAP no componente neonatal precoce. O período neonatal representa um período crítico para sobrevivência do recém-nascido, sendo estimados que até 70% dos óbitos infantis ocorram nesse período30. Estudo realizado com neonatos internados em hospitais SUS no município de São Paulo, demonstrou maior concentração de óbitos nos primeiros dias de vida. Foram identificados como fatores contribuintes do aumento do tempo de hospitalização e do risco de morte entre os neonatos, o baixo peso ao nascer, a prematuridade e baixos escores de Apgar ao nascimento, além de histórico de intercorrências maternas na gestação31.
No que se refere às características das internações, as crianças internadas por condições sensíveis à APS foram predominantemente do sexo masculino na maioria dos componentes etários. Estudos anteriores realizados no Brasil também identificaram maiores prevalências de internações entre crianças do sexo masculino32-34. Há evidências que tanto a morbidade como a utilização dos serviços de saúde são maiores no sexo masculino até os 10 anos de idade em áreas urbanas e rurais35.
A raça/cor branca foi mais frequente nas internações em quase todos os componentes etários. Apesar da variável cor/raça ter sido inserida no SIH/SUS em 200836, raros estudos se propuseram a realizar uma análise étnico-racial, especialmente, voltadas para as ICSAP no segmento infantil. Pesquisa que avaliou as iniquidades étnico-raciais nas hospitalizações por causas evitáveis em menores de cinco anos no Brasil entre 2009-2014, constatou 37,9% de incompletude da variável raça/cor no período. As internações em crianças brancas menores de um ano passaram de 48,6% no triênio 2009-2011 para 51,4% em 2012-201436.
A maioria das internações foi de caráter de urgência em menores de um ano e subcomponentes. A procura inadequada por hospitais, pronto-socorros e unidades de pronto atendimentos (UPA) devido a problemas de saúde que poderiam ser resolvidos no âmbito da APS e, portanto, não se enquadram nessas categorias, pode estar relacionada à fatores como: resolutividade, qualidade, especificidade para atendimento de crianças, facilidade de acesso, experiências e recomendações37. Além destes, podem ser somados à disponibilidade de maiores recursos, como consultas, exames laboratoriais, remédios e exames de imagem, algumas vezes indisponíveis nas UBS38.
No que diz respeito aos gastos com as hospitalizações por condições sensíveis à APS, observou-se redução dos custos total e médio entre 2011 e 2022 em menores de um ano e subcomponentes. A redução do custo total foi maior no componente neonatal tardio, seguido do pós-neonatal, em oposição ao aumento no neonatal precoce. Dias et al. (2022) constatou para o estado de Minas Gerais entre 2014 e 2019 que os valores gastos com ICSAP sofreram redução em todas as faixas etárias, exceto para os menores de um ano. Por outro lado, estudo que analisou a tendência dos gastos das ICSAP em menores de cinco anos na Bahia, verificou redução de 50,4% no gasto total, comparando-se 2000 e 2012. Isto ocorreu em função do declínio de 24,7% na taxa de ICSAP no período39.
No Brasil, as principais causas de internações na infância são devidas a condições sensíveis à APS40. Os extremos de idade são reconhecidos como os principais fatores relacionados às ICSAP e também apresentam os maiores custos quando comparados à outras faixas etárias41. Deve-se ainda destacar que os custos médicos referidos no presente estudo, referem-se apenas aos gastos diretos com a hospitalização, não refletindo os custos indiretos e intangíveis, associados à morte precoce, impacto social e psicológico, resultados adversos ao longo da vida, incluindo alterações no desenvolvimento e distúrbios crônicos de saúde42,43.
As Doenças pulmonares representaram a causa mais frequente, somando mais da metade do total de internações, e com maiores gastos acumulados no período entre os neonatos tardios, pós-neonatos e menores de um ano. Esse resultado corrobora com o que foi observado por Lôbo et al. (2019) no estado de São Paulo entre 2008-2014, no qual as Doenças pulmonares representaram as principais causas de ICSAP nesses componentes, sendo responsáveis por 36,7% 39,7% e 37,7% das internações, respectivamente. Entretanto, no município de São Paulo, essa proporção foi superior a encontrada à nível estadual. Os altos custos das Doenças pulmonares são confirmados por estudos anteriores, no qual se identificou aumento de 62,5% na proporção do custo em internações de menores de 4 anos, entre 2000 e 2013, no Brasil41. Sabe-se que as doenças respiratórias são afecções prevalentes na infância, devido a sua maior susceptibilidade e/ou facilidade de disseminação. Estas deveriam ser identificadas e tratadas no primeiro nível de atenção, sem necessidade de internação hospitalar, na maior parte dos casos, se houvesse resolutividade na atenção primária40.
As gastrenterites infecciosas e complicações estiveram entre os diagnósticos de ICSAP mais frequente no grupo de menores de um ano. Em termos de custos, estas foram mais relevantes para o componente pós-neonatal e neonatal tardio. Pesquisa nacional identificou redução das Gastroenterites infecciosas e complicações na participação nos gastos de ICSAP em todas as faixas etárias no Brasil, com a representatividade do custo na infância (?4 anos) passando de 9,0% em 2000 para 2,9% em 2013. Estudo anterior constatou redução de 31,2% das internações por gastroenterites em pós-neonatos no Estado de São Paulo entre 2008 e 2014, atribuindo a essa redução, a melhoria nas condições de saneamento e acesso a água potável e ao crescimento da rede de APS no Estado7.
Entre os neonatos precoces, os grupos de Doenças relacionadas ao pré-natal e parto representaram as causas predominantes em termos de frequência e de maiores volumes gastos no período. Destaca-se que 85,7% do total de internações neste componente foram representadas pela sífilis congênita. Em seguida, no grupo de Doenças preveníveis por imunização e condições sensíveis, observou-se que 94,3% foram relacionadas às outras formas de sífilis (precoce, tardia ou não especificada). Este achado é semelhante ao de pesquisa que constatou que a sífilis congênita representava 91,2% de todas as internações do grupo de Doenças relacionadas ao pré-natal e parto em menores de um ano no Brasil8. Todavia, no município de São Paulo a frequência de internações por sífilis congênita nos neonatos precoces foi quase três vezes maior que a encontrada em neonatos (29,5%) com até 27 dias de vida à nível nacional entre 2000 e 20158. Pesquisa que analisou os custos diretos médico-hospitalares das internações no SUS por sífilis congênita em crianças menores de um ano no Estado do Ceará, identificou um aumento de 36,4% das AIH aprovadas no período de 2012 a 2017 44. A triagem da sífilis materna por meio da realização de testes rápidos durante o pré-natal representa a ação mais custo-efetiva para a redução dos desfechos negativos da gestação, como baixo peso ao nascer, prematuridade, aborto espontâneo e óbitos neonatal e fetal45.
Os maiores custos médios específicos por causas foram atrelados aos diagnósticos por insuficiência cardíaca tanto para os menores de um ano, como para os componentes neonatal tardio e pós-neonatal. Já entre os neonatos precoces, os custos desta causa ocuparam a 3º posição. Além de múltiplos procedimentos cirúrgicos, esses recém-nascidos também experimentam um aumento no tempo de permanência em unidade de terapia intensiva (UTI)46, e consequentemente, cursam com maior consumo de recursos que refletem um incremento nos custos desembolsados pelo SUS.
Por se tratar de um estudo ecológico, realizado com dados secundários com diferentes fontes de dados, esta pesquisa está sujeita a limitações, como subregistro, incompletude e possíveis problemas de definição diagnóstica a partir dos códigos da CID-10 das internações registradas na AIH. Além de que, esta abordagem utilizou apenas as internações realizadas no âmbito do SUS, retratando parcialmente a realidade das internações ocorridas no município de São Paulo. Ressalta-se que não foi possível analisar informações consideradas relevantes para o contexto das ICSAP em menores de um ano, como a realização do pré-natal e a sua adequação.
Esta pesquisa permitiu identificar os grupos diagnósticos de internações sensíveis à APS predominantes em crianças menores de um ano e subcomponentes. Observou-se que mais da metade das internações no período neonatal tardio, pós-neonatal e em menores de um ano ocorreu devido às Doenças pulmonares, incorrendo na causa com maiores valores gastos no período. Entre os neonatos precoces, as Doenças relacionadas ao pré-natal e parto tiveram papel relevante nas internações e nos custos com hospitalizações. A sífilis congênita foi protagonista neste cenário, chamando a atenção para a realização inadequada do pré-natal no município de São Paulo. A participação dessa causa nos gastos de ICSAP quadruplicou nos últimos 12 anos. O acometimento de crianças por essa doença e seus gastos subsequentes, poderiam ter sido evitados, assim como as demais causas de ICSAP, se as ações da atenção primária à saúde tivessem sido oportunas e resolutivas. Ressalta-se que estudos sobre os custos de ICSAP em menores de um ano ainda são escassos no Brasil, portanto, mais pesquisas devem ser incentivadas, a fim de compreender a evolução temporal e aplicação desses recursos segundo grupos de causas.

COLABORADORES
LJP Marques participou da concepção, análise dos dados, interpretação e discussão dos resultados, redação e revisão final do manuscrito. ACS Raimundo participou da concepção, análise e interpretação dos dados e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito. AC Pereira participou da revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito.

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Marques, L. J. P., Pereira, A. C., Raimundo, A. C. S.. CUSTOS E CARACTERÍSTICAS DAS INTERNAÇÕES POR CONDIÇÕES SENSÍVEIS À ATENÇÃO PRIMÁRIA EM MENORES DE UM ANO EM SÃO PAULO. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/dez). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/custos-e-caracteristicas-das-internacoes-por-condicoes-sensiveis-a-atencao-primaria-em-menores-de-um-ano-em-sao-paulo/19018?id=19018

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