0244/2006 - Desigualdades no acesso e utilização dos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo
Health services utilization and access inequalities in the Sao Paulo Metropolitan Region
Autor:
• Umberto Catarino Pessoto - Umberto Catarino Pessoto - São Paulo, São Paulo - Instituto de Saúde - Secretaria de Estado da Saúde, SP - <ucpessoto@isaude.sp.gov.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
ResumoEste artigo relata achados dos estudos de casos realizados em cinco municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP): São Paulo, Guarulhos, Santo André, Osasco e Franco da Rocha. As desigualdades no acesso aos serviços e sua utilização foram descritas a partir de tabulações avançadas da Pesquisa de Condições de Vida-PCV de 1998 do Seade.
Analisamos informações a partir das variáveis posse ou não de planos de saúde, quintil de renda e faixa etária. Os atributos estudados foram: utilização dos serviços, tipo de cobertura do plano, procura pelos serviços e tempo médio de espera no atendimento.
A comparação com estudos de outras regiões metropolitanas do Brasil, a partir da PNAD 98 do IBGE, permite afirmar que existem disparidades intra-regionais somente detectadas em estudos de menor escala espacial – os municípios. Apesar da RMSP possuir a maior cobertura de planos de saúde no Brasil, nota-se grande heterogeneidade interna. As desigualdades na posse de planos, no acesso, tempo de espera, tipo de cobertura se manifestam claramente na análise segundo quintil de renda e faixa etária. Conforme os resultados sugerimos o aumento da capacidade de regulação do Estado, permitindo que os princípios da universalidade e equidade se estabeleçam no SUS efetivando o direito à saúde.
Palavras-chave: relação público/privado; desigualdades em saúde; Região Metropolitana de São Paulo.
Abstract:
AbstractThis paper presents case studies’ results in five municipalities in São Paulo Metropolitan Region. Inequalities in access to and utilization of health services were described through advanced tabulation data from Life Conditions Survey.
The variables analyzed were: to have or not private health insurances, income class and age classes. The health services utilization categories analyzed were: health services coverage by the health insurances, health services demands and average waiting time to receive health care.
Compared with other studies the results allowed us to affirm the existence of inequalities inside the regions. It is possible to detect these evidences by studies that select unit analyses like municipalities, short spaces scale within regions.
Despite showing the highest private health insurances coverage among the brazilian metropolitan regions, São Paulo Metropolitan Region has great heterogeneity. The inequalities in private health insurances purchase, access, waiting time, insurances coverage were observed through income quintiles and age classes analyses.
The results suggest to increase the State regulation capacity in order to empower Brazilian Health System´s universality and equity principles and the citizens’ health right.
Key words: public/private relationship; health inequalities; Sao Paulo Metropolitan Region.
Conteúdo:
A implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com os princípios e normas estabelecidas, prevê a integração de atividades e serviços de saúde descentralizados por regiões, sejam eles estatais ou privados contratados e conveniados. De acordo com a Lei Federal 8080/90, o setor privado participa de modo complementar ao sistema, através de convênios e contratos com o setor público (setor complementar).
Os seguros e planos privados (setor suplementar) de saúde são regulados pela Lei Federal 9656/98 que dispõe sobre a criação de um plano-referência onde consta: a cobertura para agravos anteriormente não incluídos; o impedimento da rescisão unilateral dos contratos; a preservação de direitos de aposentados, desempregados e recém-nascidos na vigência do contrato; o atendimento às urgências e emergências; e a limitação de prazos de carência. A Lei prevê ainda o ressarcimento ao SUS dos procedimentos realizados por beneficiários das seguradoras, internados nos serviços estatais, privados contratados e filantrópicos conveniados.
Dados disponibilizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (2002, disponível em http://www.ans.gov.br) indicavam que 35.499.446 milhões de pessoas eram beneficiárias de planos e seguros privados de saúde, o que correspondia a 20,3% da população brasileira. Concentravam-se majoritariamente na região sudeste (70%), sendo o Estado de São Paulo o que possuía maior cobertura, 44,12%.
A alta proporção da população coberta por planos privados implica num considerável impacto sobre a rede pública de serviços de saúde, principalmente na demanda por procedimentos de média e alta complexidade. Isto porque, apesar da vigência da Lei 9656/98, os seguros e planos privados tendem a limitar o acesso da população segurada aos procedimentos de média e alta complexidade, em seus próprios serviços, em função dos custos envolvidos.
No entanto, há enormes disparidades e desigualdades entre a massa de possuidores de planos de saúde e a não possuidora, e também internamente aos possuidores de planos e entre os não possuidores de planos. Conforme dados de pesquisa realizada sobre o financiamento do SUS no Brasil na qual uma das áreas estudadas foi a Região Metropolitana de São Paulo-RMSP, constatamos que essas diferenças se expressam espacialmente, o que nos leva a estudar o fenômeno a partir das suas unidades municipais1.
Mesmo tomando pesquisas de abrangência nacional e com grande amostragem para regiões metropolitanas , como a PNAD 98, torna-se impossível desagregar as informações para o nível municipal e mesmo para o nível metropolitano. No estado de São Paulo parte desse problema foi resolvido pelos estudos que a Fundação SEADE realiza nas chamadas Pesquisas de Condições de Vida – PCV 2.
Tendo presente essas limitações o Núcleo de Investigações em Sistemas e Serviços de Saúde trabalhou com tabulações avançadas da PCV-98 da Fundação SEADE tornando possível desenvolver análises do comportamento da população usuária de serviços de saúde, sejam públicos ou privados, agregadamente para a RMSP bem como, em alguns casos, também para cada um dos municípios escolhidos para estudo.
Objetivos
Identificar e analisar, no plano da demanda de serviços, desigualdades no acesso aos serviços de saúde entre população SUS dependente e beneficiários de seguradoras de Planos de Saúde da população dos municípios escolhidos da RMSP.
Métodos
A pesquisa foi desenvolvida por meio da técnica estudo de casos. Foram selecionados cinco municípios-caso da RMSP que é constituída por 39 municípios e concentra 10% do total da população brasileira e 18% do Produto Interno Bruto Nacional (PIB). A seleção dos municípios foi intencional e seguiu os critérios de capacidade e potencial da oferta de atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade. Também foi respeitada a participação de um município de cada uma das quatro regiões da macro-região da grande São Paulo, mais a capital, conforme estudo para implantação da NOAS em 2002 realizado pela Secretaria Estadual de Saúde e pelo Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde - COSEMS. Estas regiões coincidem com a atual divisão administrativa da Secretaria da Saúde. As sedes destas regiões seriam: Santo André, Osasco, Franco da Rocha e Mogi das Cruzes – os mesmos municípios que hoje sediam as Diretorias Regionais de Saúde (DIR). No entanto, no último caso, foi escolhido Guarulhos e não Mogi das Cruzes em razão do porte populacional daquele (1 milhão e 100 mil habitantes), e sua maior capacidade instalada.
Segundo dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), do Ministério da Saúde, em 2002, estes cinco municípios-caso selecionados realizaram 82,7% dos procedimentos de alta complexidade do total do estado de São Paulo. Setenta e três por cento é feito no Município de São Paulo; 5,3% em Guarulhos; 2,5% em Osasco; 1,6% em Santo André e 0,3% em Franco da Rocha.
O teste estatístico utilizado foi a comparação entre proporções. A amostragem da PCV tomou como base o conjunto da população da RMSP. Para identificar as desigualdades na assistência à saúde, no plano da oferta e da demanda, entre o setor público e privado na RMSP, foram analisadas as bases de dados da Pesquisa de Assistência Médico Sanitária (PAMS, IBGE, 2002) e da Pesquisa de Condições de Vida (PCV, SEADE, 1998), respectivamente. Com a base da PAMS manipulamos o banco em sua integridade, já no caso do banco da PCV solicitamos ao SEADE tabulações avançadas de nosso interesse.
Os dados das bases “Informações em Saúde” (DATASUS, 2003) e “Informações sobre Operadoras de Planos de Saúde” (Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, 2004) foram utilizados como material de contexto de análise da pesquisa.
Resultados
Utilização dos serviços de saúde da rede SUS e da rede privada nos municípios-caso e região metropolitana de São Paulo
A análise inicial dos dados reunidos na PCV - 1998 tem como objetivo comparar a utilização de serviços de saúde, segundo a condição de posse de planos de saúde dos residentes nos municípios de Franco da Rocha, Guarulhos, Osasco, Santo André e São Paulo, em relação à Região Metropolitana de São Paulo - RMSP. Procuramos também identificar as desigualdades no consumo de serviços entre a população SUS e os que possuem planos de saúde nos municípios-caso, bem como as desigualdades no interior de cada um destes grupos populacionais.
De acordo com a Pesquisa de Condições de Vida – PCV da Fundação SEADE (1998) – 44,2% da população da RMSP possuía convênios ou planos de saúde e 55,8% da população dependia exclusivamente do Sistema de Saúde Brasileiro (SUS).
Tabela 1 – Percentual de indivíduos segundo condição de posse de plano de saúde em Franco da Rocha, Guarulhos, Osasco, Santo André, São Paulo, demais municípios da Região Metropolitana de São Paulo e RMSP, 1998
Condição de Posse de Plano de Saúde Franco da Rocha Guarulhos* Osasco* Santo André* São Paulo Demais municípios RMSP* RMSP
Possui ... 42,1 38,6 71,5 46,5 40,2 44,2
Não Possui ... 57,9 61,4 28,5 53,5 59,8 55,8
Total ... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE – PCV 1998
Onde *: p<0,05 – teste de comparação entre duas proporções
Nota: (...) a amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Pode-se observar, pelo teste de comparação entre duas proporções, que há uma diferença significativa entre quem possui e quem não possui plano de saúde nos municípios de Guarulhos (p<0,04), Osasco (p<0,01), Santo André (p<0,001), e demais municípios da RMSP (p<0,01).
A tabela 1 mostra que Santo André concentrava o maior percentual de indivíduos possuidores de convênios ou planos, a saber, 71,5%. Excetuando-se Franco da Rocha, onde a amostra não comportava desagregação, situava-se no outro extremo Osasco, com 38,6% de indivíduos com posse de planos. Guarulhos, com 42,1%, e São Paulo, com 46,5%, exibiam percentuais próximos, variando pouco, inclusive, em relação àqueles apresentados tanto pela Região Metropolitana de São Paulo - RMSP, 44,2%, quanto aos demais municípios da RMSP, 40,2%.
As diferenças observadas na proporção da população consumidora de Convênios ou Planos de Saúde entre os municípios da RMSP podem ser explicadas por suas diferenças sócio-econômicas, seus processos históricos de desenvolvimento e pelas distintas estratégias de expansão do setor suplementar da saúde (convênios e planos).
Como exemplo das desigualdades, entre os municípios selecionados, apresentamos dados do Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDH-M), calculado pelo IPEA e Fundação João Pinheiro para todos os municípios brasileiros, situando cada município no ranking nacional. O IDH-M seguiu a mesma metodologia do PNUD para o cálculo do IDH dos países, e resulta da composição de 4 indicadores – um de renda, a esperança de vida ao nascer que reflete a dimensão de longevidade e dois de educação: a taxa de alfabetização das pessoas com mais de 15 anos e a taxa bruta de matrículas.
Observamos que estes municípios encontram-se entre os 20% dos municípios brasileiros com os melhores Índices de Desenvolvimento Municipal e mesmo assim apresentam indicadores com valores bastante diferenciados entre si. São Paulo apresenta os maiores índices de riqueza e longevidade, embora tenha o índice de escolaridade menor que Santo André. Sua posição no ranking da riqueza, o sétimo entre os 645 municípios paulistas, revela o processo de reestruturação produtiva ocorrido nos últimos anos, mantendo sua condição de mais dinâmico município do Estado. Santo André ocupa, entre os cinco municípios selecionados, a segunda melhor posição no ranking do IDH–M pela diferença que existe entre sua renda per capita com São Paulo. A cidade de Osasco, por sua vez, ocupa a terceira posição no ranking dentre os municípios selecionados devido aos índices de renda per capita e escolaridade. Guarulhos está na quarta posição em relação aos demais devido aos índices de esperança de vida ao nascer e renda. Finalmente Franco da Rocha é o que apresenta os piores índices entre os municípios caso.
Características e desigualdades entre os consumidores de Planos de Saúde
Porém, aquelas diferenças na proporção de população consumidora de planos e convênios de saúde também se expressam entre as diversas classes de renda dos indivíduos tomados segundo agregados territoriais distintos. Na busca do reconhecimento de desigualdades entre os beneficiários de planos, selecionamos a variável renda segundo quintis, que apresentamos abaixo:
Tabela 2 - Percentual dos indivíduos com posse de plano de saúde, pelo conjunto dos municípios-caso, São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo segundo Quintil de Renda Familiar (1), 1998
Quintil de Renda Municípios-Caso São Paulo RMSP
1º Quintil 16,0 17,3 13,7
2º Quintil 31,3 29,7 28,2
3º Quintil 40,8 39,4 38,7
4º Quintil 59,7 57,4 54,8
5º Quintil 82,5 83,4 78,6
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE-PCV 1998
(1) Em reais de agosto de 2003, atualizado pelo ICV-Dieese
1º Quintil: Até R$ 605
2º Quintil: Mais de R$ 605 Até R$ 1.087
3º Quintil: Mais de R$ 1.087 Até R$ 1.827
4º Quintil: Mais de R$ 1.827 Até R$ 3.540
5º Quintil: Mais de R$ 3.540
Na tabela 2 o teste de comparação entre duas proporções mostra que para um mesmo quintil de renda não houve diferenças entre os municípios-caso, município de São Paulo e RMSP (p>0,05). No entanto, observa-se diferença importante quanto à posse de planos por faixa de renda: no quintil superior o percentual de indivíduos com posse de planos de saúde é de 82,5% para o conjunto de municípios-caso (que inclui o município de SP); 83,4% para São Paulo isoladamente e 78,6% para a RMSP. Em oposição, no quintil inferior, estes percentuais variavam de 16,0% para o conjunto de municípios-caso; 17,3% para o município de São Paulo e 13,7% para a RMSP. Pode-se afirmar que o percentual médio de 40% de consumidores de planos na população mascara a desigualdade existente quanto à posse de convênios e planos entre as faixas de renda.
Tabela 3 – Percentual dos titulares de plano de saúde, por quintil de renda familiar (1), segundo tipo de convênio e cobertura, nos municípios-caso, 1998
Quintis de Renda Tipo de Plano Tipo de Cobertura
Simultânea para consulta exames internação Reembolso despesas urgência/emer
gência Livre escolha de Médicos, Laboratórios e Hospitais Tratamento Odontológico
1º Plano de Saúde Particular (100) ... ... ...
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa ... ... ... ...
2º Plano de Saúde Particular (95,2) (49,5) (48,8) ...
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa 99,2 (48,0) (55,1) (39,9)
3º Plano de Saúde Particular 96,7 (39,7) 52,9 ...
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa 98,7 (36,3) 54,9 (34,4)
4º Plano de Saúde Particular 97,0 54,4 59,4 (19,1)
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa 98,6 42,2 54,7 (33,1)
5º Plano de Saúde Particular 97,7 60,8 61,1 (14,4)
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa 99,0 61,8 59,8 38,4
Total Plano de Saúde Particular 97,3 53,0 56,7 18,0
Convênio ou Plano de Saúde de Empresa Empregadora 98,8 49,1 57,0 36,5
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE – PCV 1998
(1) idem a tabela 2.
Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a um erro amostral relativo superior a 30%.
(...) a amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Na análise da tabela 3 pode-se observar uma distribuição semelhante entre os beneficiários de planos de empresa empregadora quando comparados aos possuidores de planos particulares quanto à cobertura de consultas, exames e internações. Esta semelhança na oferta pelo mercado das seguradoras/operadoras aponta para a conformação de uma “cesta básica” de consumo de serviços de saúde. Porém nos quintis superiores de renda familiar as respostas foram mais afirmativas quando interrogados sobre posse de planos de saúde cujas modalidades incluem, para além da cobertura simultânea de consultas, exames e internações, a possibilidade de reembolso de despesas em caso de urgência e emergência, a livre escolha dos médicos e tratamento odontológico. Este é um reflexo das desigualdades deste mercado, isto é, quem tem mais renda compra um produto com mais opções de assistência do que quem tem menos renda, que se limita à “cesta básica”. Para a cobertura odontológica há pouca variação entre as faixas de renda para os titulares de Convênio ou Plano de Empresa Empregadora, no entanto ela cai à metade quando se foca os detentores de Convênio ou Plano de Saúde Particular.
Desigualdades na Utilização dos Serviços de Saúde da Rede SUS e da Rede Privada nos Municípios-caso
Desigualdades na Demanda
Neste aspecto, a análise comparada dos dados entre a RMSP e o conjunto dos municípios-caso mostrou resultados muito semelhantes, pelo que optamos pela apresentação apenas dos dados desses últimos. Para cada município isoladamente, a amostra não permitiu desagregação.
Para o estudo da demanda da Rede SUS e da Rede Privada, selecionamos o indicador “Procura por atendimento nos serviços de saúde nos últimos 30 dias” e o “Tipo de serviço procurado”. A análise destes indicadores e sua desagregação segundo quintis de renda nos permitiu identificar desigualdades entre as populações usuárias do SUS e a população beneficiária/consumidora de planos de saúde.
Os dados referentes à procura por atendimento nos últimos 30 dias seguem abaixo.
Tabela 4 – Distribuição percentual da população, por posse ou não de planos de saúde, que procuraram atendimento de saúde nos últimos 30 dias, segundo quintil de renda familiar (1) nos municípios-caso, 1998
Quintil de Renda Procurou atendimento de saúde nos últimos 30 dias
População com Plano População Sem Plano p-value
1º Quintil 41,4 25,4 0,03
2º Quintil 35,7 23,8 0,09
3º Quintil 34,4 23,7 0,13
4º Quintil 33,2 19,6 0,04
5º Quintil 31,2 17,5 0,04
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE – PCV 1998
(1) idem a tabela 2
Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a um erro amostral relativo superior a 30%.
Na tabela 4 pode-se observar que houve uma diferença estatisticamente significativa entre a população com e sem plano no 1°, 4° e 5° quintis (p<0,05) em relação a procura por atendimento de saúde nos últimos 30 dias, prevalecendo a população com plano.
Os possuidores de planos demandam mais os serviços em todos os quintis quando comparados com os que não têm planos de saúde. Este resultado se repete tanto no conjunto de municípios-caso, como na cidade de São Paulo e na RMSP. Já os que não possuem Planos, e que, portanto, constituem a população usuária do SUS, buscaram atendimento de saúde em menor proporção.
Observe-se que tanto no caso dos possuidores como dos não possuidores de planos de saúde, os quintis de renda inferior referem uma procura por atenção maior do que aquela apresentada pelos quintis superiores, e em ambos apresenta-se uma escala descendente da demanda do quintil inferior para o superior. No caso dos possuidores de planos ou convênio, esta diferença oscila entre cerca de 40% e 33%; e nos não possuidores essa mesma diferença varia entre 25% e 17%.
Tempo Médio de espera e tipo de serviço procurado
Para qualificarmos o acesso aos serviços de saúde entre os beneficiários e não de Planos de Saúde, que na procura por atendimento foram atendidos no mesmo dia, apresentamos na tabela abaixo os resultados do tempo médio de espera (em minutos) para o atendimento.
Tabela 5 - Tempo médio de espera, em minutos, para ser atendido dos indivíduos que utilizaram serviços de saúde nos últimos 30 dias, por quintil de renda familiar (1), segundo condição de posse de Plano de Saúde e tipo de estabelecimento de saúde procurado, nos municípios-caso, 1998
Quintis de Renda Condição de Posse de Plano Tipo de Estabelecimento
Pronto-socorro/ Hospital Clínica/ Consultório Posto/ Centro de Saúde Laboratórios/ Centro de Diagnóstico Outro Total
1º Possui Plano de Saúde ... ... ... ... ... 46
Não Possui Plano de Saúde 80 ... 81 ... ... 78
2º Possui Plano de Saúde ... 32 ... ... ... 38
Não Possui Plano de Saúde 98 ... 92 ... ... 93
3º Possui Plano de Saúde 42 29 ... ... ... 36
Não Possui Plano de Saúde 84 ... 76 ... ... 80
4º Possui Plano de Saúde 41 23 ... ... ... 31
Não Possui Plano de Saúde ... ... ... ... ... 70
5º Possui Plano de Saúde 28 26 ... ... ... 26
Não Possui Plano de Saúde ... ... ... ... ... ...
Total Possui Plano de Saúde 41 26 ... ... ... 32
Não Possui Plano de Saúde 87 ... 80 ... ... 81
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE – PCV 1998.
(1) Idem a tabela 2.
Nota: (...) a amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Em relação ao tempo médio de espera até ser atendido, nos municípios-caso, incluindo São Paulo, observa-se uma distinção evidente entre os dois grupos: os não possuidores de planos suportavam maior espera - cerca de 81 minutos, enquanto que os possuidores esperavam 32 minutos, em média, até o atendimento.
Ressalte-se ainda que, enquanto o tempo médio de espera entre os não possuidores de planos é distribuído de maneira mais ou menos homogênea entre os cinco quintis de renda, entre os possuidores de planos observa-se uma escala descendente, ou seja, enquanto o quintil inferior de renda refere um tempo médio de espera de 46 minutos, o quinto e último quintil espera 26 minutos por atendimento de saúde.
Estes números apontam para uma desigualdade importante na maneira pela qual os serviços de planos de saúde atendem os diferentes grupos sociais: os ricos são atendidos mais rapidamente que os pobres. Na Rede SUS o tratamento dos usuários é praticamente igual.
O tipo de estabelecimento procurado por ambos agrupamentos de indivíduos pode ser visualizado na tabela abaixo.
Tabela 6 - Percentual dos indivíduos que procuraram atendimento de saúde nos últimos 30 dias, por quintil da renda familiar (1) e condição de posse de Plano de Saúde, segundo tipo de estabelecimento de saúde procurado, nos municípios-caso, 1998
Quintis de Renda Condição de Posse de Plano Tipo de Estabelecimento
Pronto-socorro/ Hospital Clínica/ Consultório Posto/ Centro de Saúde Laboratórios/ Centro de Diagnóstico Total
1º Possui Plano de Saúde (43,5) (48,7) ... ... 100
Não Possui Plano de Saúde 60,6 ... 33,9 ... 100
2º Possui Plano de Saúde (35,1) 53,2 ... ... 100
Não Possui Plano de Saúde 53,9 ... 41,6 ... 100
3º Possui Plano de Saúde 41,9 50,2 ... ... 100
Não Possui Plano de Saúde 55,5 ... 38,2 ... 100
4º Possui Plano de Saúde 33,4 59,3 ... ... 100
Não Possui Plano de Saúde (53,9) ... (37,7) ... 100
5º Possui Plano de Saúde 26,5 67,2 ... ... 100
Não Possui Plano de Saúde ... ... ... ... (100)
Total Possui Plano de Saúde 33,6 58,7 (3,9) (3,1) 100
Não Possui Plano de Saúde 56,2 (5,9) 37,0 ... 100
Fonte: NISIS a partir do Banco de Dados da Fundação SEADE – PCV 1998
(1) idem a tabela 2
Nota: Os valores entre parênteses estão sujeitos a um erro amostral relativo superior a 30%.
(...) a amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
Os consumidores de planos de saúde procuraram mais as clínicas e consultórios do que os prontos-socorros ou hospitais e utilizaram postos ou centros de saúde em apenas 3,9% dos casos. Os não possuidores de convênios e planos procuraram mais os prontos-socorros do que os centros de saúde, sendo muito baixa a referência de uso de clínicas e consultórios. Isso mostra uma diferença entre a porta de entrada no sistema de saúde pela população usuária do SUS e a de consumidores de planos e/ou seguros de saúde. Os primeiros buscam mais os serviços de urgência/ emergência, possivelmente como reflexo de uma menor oferta e/ou acessibilidade à rede de unidades básicas. Já a porta de entrada aos serviços de saúde para o segundo grupo se dá através das clínicas e consultórios médicos, principalmente nos dois quintis superiores de renda, mostrando que também existe um padrão diferenciado de consumo dos diversos tipos de serviços no interior deste grupo.
Estes dados são coerentes com os obtidos pela Pesquisa de Assistência Médico Sanitária – PAMS - 2002 sobre oferta de serviços, em que se observa na Rede Particular uma oferta maior de ambulatórios e consultórios do que na Rede SUS. Esta oferta diferenciada poderia explicar, em parte, o padrão diverso de demanda a estes serviços segundo a variável ser ou não beneficiário de planos de saúde, mesmo se considerando o lapso de tempo entre as duas pesquisas.
A PAMS mostra também que existem maior número de serviços de urgência/emergência n a rede privada que na rede SUS, repetindo o que ocorre com os serviços ambulatoriais. No entanto, os dados de produção dos serviços exibiram uma situação inversa, em 2001. Em um universo de 4,5 milhões de atendimentos de urgência/emergência, 73% foram realizados pelo SUS, 25% pelos planos e seguros de saúde e somente 2% pagos diretamente pelo usuário.
A baixa produção dos serviços de urgência/emergência na rede particular pode ter várias hipóteses explicativas: a) a maior oferta e “facilidade” de acesso aos demais serviços diminuiria a procura por serviços de urgência/emergência; b) conforme o tipo de plano/seguro de saúde há desigualdades no acesso e na oferta de serviços ambulatoriais da Rede Privada levando, por exemplo, os beneficiários dos quintis inferiores de renda a buscar atendimento em pronto-socorro ou hospital, incluindo os do SUS; c) conforme o tipo de seguro/plano de saúde existem barreiras no acesso aos serviços de urgência/emergência da Rede Privada embora numerosos; d) haveria uma percepção diferenciada da gravidade do quadro mórbido na população entre os beneficiários de planos de acordo com seu perfil de renda; e) finalmente, haveria esta diferença de percepção quando se considera a população que depende exclusivamente do SUS e o conjunto dos beneficiários de planos.
A utilização residual de postos de saúde pela clientela segurada (3,9%) pode ser explicada pelo consumo de serviços prestados exclusivamente pelo setor público como, por exemplo, vacinas e a procura de medicamentos, que não são fornecidos pelos planos.
Um último ponto a ser descrito refere-se ao comportamento, por faixas etárias, da variável posse ou não de plano/seguro. Os consumidores de planos de saúde se concentram na faixa etária de 31 a 50 anos de idade (32,0%,), vindo logo a seguir a faixa até 17 anos (29,9%), composta pelas crianças e os jovens na condição de beneficiários dos planos de saúde, como dependentes do titular. A faixa etária de 18 a 30 anos participa com 20,8% e a de 51 e mais com 17,3%.
A distribuição por faixa etária da população usuária do SUS espelha a pirâmide populacional do conjunto dos municípios-casos: 34,2% na faixa até 17 anos, 25,6% na faixa 18 a 30 anos, 24,9% na faixa 31 a 50 anos e 14,1% na faixa de 51 anos e mais.
Comparando-se o perfil etário entre as duas populações acima referidas, observamos que é na faixa de 31 a 50 anos que se diferenciam os consumidores e não consumidores de planos de saúde. Esta diferença reflete a importância da população trabalhadora do mercado formal no consumo deste tipo de serviço de saúde. Vale destacar também a diferença na faixa etária de 51 anos e mais, pouco superior em favor dos consumidores de planos, que pode ser explicada pela preocupação dos idosos em garantir acesso aos serviços de saúde.
Tomemos apenas a população consumidora de planos/seguros de saúde que foi analisada em dois subgrupos independentes, um, de consumidores que pagam do próprio bolso, chamados de particulares, e outro cujos planos são pagos pela empresa empregadora. Quando analisamos a fonte pagadora (empresa ou particular) verificamos que entre os particulares 35,6% são da faixa de 51 e mais contra 7,1% de participação no subgrupo empresa empregadora; na faixa de 31 a 50 anos temos 54,5 % de empresa contra 35,4% no subgrupo particular. O grupo etário de 18 a 30 anos responde por 37,6% do subgrupo empresa e 17,4% do subgrupo particular.
Outra característica da população consumidora de planos de saúde resido no fato de que os beneficiários de planos de empresas empregadoras, como dito anteriormente, são trabalhadores formais na faixa etária mais produtiva (entre 18 a 50 anos).
Entre os consumidores que compram seus planos de saúde diretamente no mercado, o percentual de titulares na faixa etária de 51 anos e mais é o maior (35,6%). Esta característica, hoje, tem sido objeto de conflito entre consumidores e empresas/seguradoras de planos de saúde. Os primeiros, defendendo seus direitos de consumo de serviços de saúde sem qualquer restrição pela idade. Os segundos, pressionam contra qualquer tipo de regulação, pelo Estado, na cobrança e oferta diferenciada de serviços por faixa etária.