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Artigos

0359/2023 - Desigualdades sociais e padrões alimentares: uma análise com adultos da Região Metropolitana do Recife
Social inequalities and dietary patterns: an analysis with adults in the Metropolitan Region of Recife

Autor:

• Nathalia Barbosa de Aquino - Aquino, N. B. - <nathaliabaquino@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0125-8084

Coautor(es):

• Nathália Paula de Souza - Souza, N.P. - <n.paula.souza@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6826-8239

• Maria José Laurentina do Nascimento Carvalho - Carvalho, M. J. L. N - <marialaurenc@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6705-165X

• Adriana Marcela Ruiz Pineda, - Pineda, A. M. R. - <marceruizpi@gmail.com; marcela.ruiz@udea.edu.com>
ORCID: https://orcid.org/0000- 0001-9964-0101

• Vanessa Sá Leal - Leal, V. S. - <vanessa.leal@ufpe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9492-2580

• Malaquias Batista Filho - Batista Filho, M. - <malaquias.imip@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1490-0590

• Pedro Israel Cabral de Lira - Lira, P. I. C. - <lirapicpe@gmail.com; lirapic@ufpe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1534-1620

• Juliana Souza Oliveira - Oliveira, J. S. - <juliana.souzao@ufpe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1449-8930



Resumo:

Objetivou-se identificar os padrões alimentares e sua associação com características socioeconômicas, demográficas, de estilo de vida e excesso de peso em adultos da Região Metropolitana do Recife, em 2015/16 e 2019. Estudo transversal com indivíduos de ambos os sexos, com idades entre 20 e 59 anos. Os padrões alimentares (PA) foram identificados por meio da análise de componentes principais (ACP). A regressão logística binária foi utilizada para estimar as razões de chances bruta e ajustada e intervalos de confiança 95% (IC 95%). Foram identificados três PA: Duplo, Ultraprocessado (UP) e Tradicional. Observou-se que o PA Duplo explicou a maior variância em 2015/16 (15,4%), enquanto em 2019 foi o PA UP (15,1%). Em 2015/16, o PA Duplo associou-se à idade ? 41 anos, maior escolaridade e segurança alimentar (SA); já em 2019, associou-se a maior escolaridade, SA e excesso de peso. O PA UP relacionou-se às faixas etárias de 20-29 anos e 30-40 anos em 2015/16, sem associações em 2019. O PA Tradicional associou-se à prática de atividade física em 2015/16 e, em 2019, a residir com ?5 pessoas no domicílio, menor escolaridade e excesso de peso. Os padrões alimentares em 2019 mostraram uma maior associação com os determinantes sociais, indicando maior influência desses fatores na alimentação.

Palavras-chave:

Padrão alimentar, fatores sociodemográficos, desigualdade social, adultos.

Abstract:

The aim of this study was to identify dietary patterns and their association with socioeconomic, demographic, lifestyle, and overweight characteristic in adultsMetropolitan Region of Recife (RMR), in 2015/16 and 2019. A cross-sectional study was conducted with individuals of both sexes, aged 20 to 59 years. Dietary patterns (DP) were identified using principal componente avalysis (PCA). Binary logistic regression was used to estimate crude and adjusted odds ratios and 95% confidence intervals (95% CI). Three DPs were identified; Dual, Ultra-processed (UP), and Traditional. The Dual DP explained the highest variance in 2015/16 (15.4%), while in 2019, it was the UP DP (15.1%). In 2015/16, the Dual DP was related to the age groups of 20-29 years and 30-40 years in 2015/16, with no associations in 2019. The Traditional DP was associated with physical activity in 2015/16 and, in 2019, with living with ≥5 people in the household, lower education, and overweight. The dietary patterns in 2019 showed a stronger association with social determinants, indicating a greater influence of these factors on eating habits.

Keywords:

Dietary pattern, sociodemographic factors, social inequality, adults.

Conteúdo:

Introdução
O padrão alimentar pode ser caracterizado como um conjunto de alimentos frequentemente consumidos por indivíduos e populações. A análise do padrão alimentar (PA) possibilita avaliar a dieta de uma perspectiva global, onde identifica a ingestão de vários grupos de alimentos inter-relacionados, capturando a complexidade e a natureza multidimensional da dieta1.
No Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)2, os brasileiros diminuíram o consumo de produtos in natura ou minimamente processados, como frutas e vegetais, ao mesmo tempo que aumentou a ingestão de alimentos processados e ultraprocessados, como pizzas, salgadinhos e adoçante, favorecendo a prevalência da obesidade no país.
Segundo estudo conduzido por Lutz3, a escolha dos alimentos impacta a saúde humana e a sustentabilidade planetária. Os PA que reduzem os fatores de risco para doenças não transmissíveis e diversas causas de mortalidade são reconhecidos como hábitos alimentares saudáveis. No entanto, a população mundial está longe de atingir tais hábitos alimentares devido à falta de acesso a esses alimentos3.
As elevadas desigualdades sociais e os fatores de vulnerabilidade social que marcam a sociedade brasileira foram evidenciadas nos anos recentes através do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Em Pernambuco, por exemplo, 2,1 milhões de pessoas convivem com a fome, sendo associada ao gênero, renda, escolaridade e situação de trabalho4.
Nesse sentido, os objetivos deste estudo foram identificar padrões alimentares e analisar sua associação com aspectos sociodemográficos na Região Metropolitana do Recife.

Metodologia
Delineamento, aspectos éticos e amostra do estudo
Trata-se de um estudo transversal analítico, baseado em dados secundários, de duas populações adultas da Região Metropolitana do Recife (RMR), nos anos de 2015/2016 e 2019, integrante da IV Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (IV PESN). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, sob o número CAAE 38868720.2.0000.5208.
Para o cálculo da amostra utilizou-se o programa Statcalc do Software EPI-INFO, versão 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), para dimensionamento da amostra de 2015/16 e 2019, estimou-se com base na prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados (18,2%) realizado pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (BRASIL, 2021), com erro ±4 pontos percentuais e nível de confiança de 95%, resultando em uma amostra de 396 indivíduos, para ambos momentos do estudo. Para avaliação dos fatores associados foi estimado à posteriori uma amostra considerando um nível de confiança de 95% (1-?), um poder de estudo de 80% (1-?) e uma razão de 1:1 (entre exposto: não exposto).

Coleta de dados
A coleta de dados foi de base domiciliar, por meio de busca ativa e ocorreu no período de junho de 2015 a setembro de 2016 e de maio a agosto de 2019, nos municípios de Recife, Paulista, Olinda, Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão dos Guararapes. Os dados foram coletados por pesquisadores devidamente treinados, a partir de um formulário estruturado contendo as seguintes variáveis: dados demográficos, socioeconômicos, perfil alimentar e nutricional, segurança alimentar e estilo de vida.

Variável dependente
O consumo alimentar foi investigado através do questionário de frequência alimentar (QFA), contendo 120 alimentos, agregados em 4 grupos conforme a classificação NOVA de alimentos (BRASIL, 2014) e 16 subgrupos em 2015/16. Em 2019, o QFA foi composto de 121 alimentos, e foi disposto em 4 grupos e 16 subgrupos (tabela 1). A lista de alimentos para os dois períodos foi construída a partir de dados do consumo de alimentos em Pernambuco, os quais foram avaliados em relação à frequência de consumo (de 0 a 7 vezes) ao dia, semana, mês ou ano nos últimos 6 meses5.
Para cada alimento foi calculado um índice através da relação entre o número de vezes que o alimento foi consumido e a frequência de consumo (diária=1, semanal=7, mensal=30, anual=365). Dessa forma, os alimentos consumidos semanalmente foram classificados por meio da divisão “a/7 (dias da semana)”; os que foram consumidos mensalmente resultaram da divisão “a/30 (dias do mês)”; e os consumidos anualmente foram obtidos por meio da divisão “a/365 (dias do ano)”.
Foram excluídos da análise os alimentos consumidos por menos de 5% da população, sendo eles: frutas em calda ou cristalizadas, maionese light e refrigerante light.

Variáveis independentes
Foram incluídas no questionário: idade (anos), sexo (feminino/masculino), escolaridade (< 12 anos de estudo/ ?12 anos de estudo), cor da pele autodeclarada e categorizada de acordo com o censo do IBGE de 20106 (branca/parda/preta/indígena), renda categorizada conforme o salário mínimo do ano do estudo, sendo R$880,00 no ano de 2015/167 e R$998,00 em 20198, e prática de atividade física (inativo < 150 minutos/semana e ativo ? 150 minutos/semana). Foi considerada a prática de atividade física moderada em diferentes domínios como: pedalar leve na bicicleta, nadar, dançar, fazer ginástica aeróbica leve, jogar vôlei recreativo, carregar pesos leves, fazer serviços domésticos na casa ou no quintal, como varrer, aspirar, cuidar do jardim ou trabalhos como soldar, operar máquinas, empilhar caixas, etc.9
Para avaliação antropométrica foi realizada a dupla tomada do peso e altura dos adultos, por meio de uma balança digital modelo Tanita-BF-683, com capacidade máxima de 150kg e precisão de até 100 gramas e estadiômetro portátil da marca Alturaexata milimetrado com precisão de até 1mm.
As medidas foram realizadas de acordo com as técnicas estabelecidas pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), protocolo adotado pelo Ministério da Saúde. Quando a diferença entre as avaliações excedia 0,5cm para altura e 100g para o peso, repetia-se a mensuração e anotavam-se as duas medições com valores mais próximos, sendo utilizada a média para registro. Durante a realização das medidas, os indivíduos estavam descalços e com roupas leves10.
A classificação da situação de segurança e insegurança alimentar foi obtida através da aplicação do questionário da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), composto por 14 perguntas, em domicílios com residentes menores de 18 anos ou 8 perguntas, para famílias compostas apenas por maiores de 18 anos11.
A soma da pontuação para categorizar a segurança e insegurança alimentar em domicílios sem menores de 18 anos é estruturada da seguinte forma: 0: segurança alimentar (SA); 1-3: insegurança alimentar leve (IL); 4-5: insegurança alimentar moderada (IM); 6-8: insegurança alimentar grave (IG). Para fins de análises, neste estudo foi categorizada em SAN e InSAN (leve, moderada e grave). E para domicílios com menores de 18 anos dessa forma: 0: segurança alimentar (SA); 1-5: insegurança alimentar leve (IL); 6-9: insegurança alimentar moderada (IM); 10-14: insegurança alimentar grave (IG)11.

Análises estatísticas
A entrada de dados foi realizada no programa Epi Info, versão 6.04 (CDC, Atlanta). Os dados foram analisados por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 13.1 (SPSS Inc. Chicago, II USA).
Para identificar os padrões alimentares (PA) foi utilizado o método a posteriori, sendo realizada análise de componentes principais (ACP) a partir de 16 subgrupos de alimentos. De acordo com esse método os grupos de alimentos são formados conforme a similaridade da composição nutricional e dos alimentos e em suas interrelações12.
Para verificação dos critérios de aplicabilidade da análise fatorial foram utilizados os testes Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de esfericidade de Bartlett (Bartlett’s test of sphericity, BTS)13. Para identificação da quantidade de padrões a serem retidos foram utilizados critério dos autovalores (acima 1,0), o gráfico dos autovalores (Screep Plot) e a interpretabilidade dos padrões. A rotação ortogonal varimax foi utilizada para facilitar a interpretação dos dados.
Foram consideradas as cargas fatoriais superiores a 0,20 para determinar a nomenclatura dos padrões conforme Hair et al13. A nomeação dos padrões alimentares foi realizada segundo os alimentos que apresentaram maior carga fatorial e de acordo com os aspectos culturais. Cada padrão encontrado foi categorizado em tercis e dicotomizado em tercil 1 e 2 (menor consumo) e tercil 3 (maior consumo). O tercil 1 e 2 representou os adultos com menor adesão a determinado padrão alimentar, enquanto o tercil 3 caracterizou os com maior adesão.
Foi realizado o teste qui-quadrado de Pearson para verificar a associação entre a variável dependente (padrões alimentares) e as variáveis independentes (sexo, idade, escolaridade, renda, cor da pele autodeclarada, prática de atividade física, excesso de peso e segurança alimentar). Na análise do modelo de regressão logística binária inicial foram mantidas apenas as variáveis com p-valor < 0,20 (material suplementar). Após ajuste, as variáveis com p-valor ? 0,05 foram consideradas associadas aos padrões alimentares.

Resultados
No período de 2015/16, a amostra foi composta por 426 adultos, sendo 65,7% do sexo feminino e 37,1% com idade ? 41 anos. Em sua maioria declararam-se pardos, pretos e indígena (79,6%), com escolaridade < 12 anos de estudo (51,4%). A renda per capita da maior parte foi de até 440,00 reais (73,1%), 64,1% residiam em domicílios com menos de 5 pessoas. Mais da metade (62,4%) encontrava-se em situação de insegurança alimentar, com excesso de peso (65,7%) e praticava atividade física (61,7%).
Com relação ao ano de 2019, a amostra final foi formada por 432 adultos, constituída principalmente pelo sexo feminino (66,2%), com idade ? 41 anos (53,9%), cor autodeclarada parda, preta ou indígena (75,2%), com menos de 12 anos de estudo (56,9%), renda per capita de até 499,00 reais (90,1%), morando com menos de 5 pessoas no domicílio (75,5%), em situação de insegurança alimentar (72%), com excesso de peso (64,8%) e considerados ativos com relação à prática de atividade física (75,2%).
Nos dois momentos da pesquisa, três padrões explicaram a variância do consumo alimentar da população adulta da RMR, sendo representados por 39,4% em 2015/16 e 38% em 2019. As medidas de Kaiser-Meyer-Olkin foram > 0,60, sendo 0,75 em 2015/16 e 0,74 em 2019, assim como o teste de Bartlett foi ? 0,05, apontando a aplicabilidade da análise fatorial por componentes principais. Na análise fatorial foram identificados três padrões alimentares, em ambos os períodos, sendo eles: “Duplo”, “Ultraprocessado” e “Tradicional” (Tabela 2).
Em 2015/16, o padrão Duplo mostrou maior percentual de variância (15,4%) sendo composto por raízes e tubérculos, verduras e legumes, frutas, suco natural e chá, oleaginosas, leite e ovo cozido, carne frango, peixe e ovo frito, suco com açúcar, vinho e cerveja. O padrão Ultraprocessado (15,4%) foi o segundo mais consumido e apresentou em sua composição os seguintes grupos alimentares: snacks e molhos, biscoitos, cereais açucarados, tortas e mistura para bolos, refrigerantes e suco artificial, doces, derivados do leite, conservas, pão e bolachas ultraprocessadas. E por último, o padrão Tradicional, que foi o menos consumido (8,6%) e caracterizou-se por leguminosas, ingredientes culinários, grãos e cereais (Tabela 2).
Em 2019, o PA Ultraprocessado foi o mais consumido (15,1%) e permaneceu com a mesma composição do PA Ultraprocessado de 2015/16. Já o PA Duplo, segundo mais consumido (13,2%), foi caracterizado por verduras e legumes, frutas, suco natural e chás, oleaginosas, leite e ovo cozido, suco com açúcar, cerveja e vinho. E diferente do primeiro momento da pesquisa, em 2019, o PA Tradicional permaneceu sendo o menos consumido (9,7%), mas além dos alimentos já identificados em 2015/16 como leguminosas, ingredientes culinários, grãos e cereais, foi acrescido de ‘raízes e tubérculos’ e ‘carne, frango, peixe e ovo frito’ (Tabela 2).
Após ajustes, em 2015/16 o PA duplo esteve associado a ter idade igual ou superior a 41 anos (OR=2,30), ter 12 anos ou mais de estudo (OR=1,58) e estar em situação de segurança alimentar (OR=1,66). O PA ultraprocessado teve associação direta com idade entre 20 e 29 anos (OR=9,74), e a idade entre 30 e 40 anos (OR=2,90). O PA tradicional esteve associado aos indivíduos praticantes de atividade física (OR=2,97) (Tabela 3).
Em 2019, o PA duplo foi associado a ter maior escolaridade (OR=1,87), estar em situação de segurança alimentar (OR=1,93) e estar com excesso de peso (OR=2,22). O PA ultraprocessado não apresentou associação significativa. E o PA tradicional teve associação com os adultos que moravam com 5 ou mais pessoas no domicílio (OR=1,76), possuíam menor escolaridade (OR=1,66) e que não estavam com excesso de peso (OR=1,54). Nesse estudo a variável renda não apresentou associação com os padrões alimentares nos dois períodos estudos, possivelmente relacionado ao fato de 2/3 da amostra possuir uma renda de até R$ até 440,00 reais e R$ 499,00 reais, nos respectivos períodos estudados (Tabela 4).

Discussão
Os três padrões identificados foram nomeados conforme suas composições. O primeiro padrão foi denominado PA Duplo por ser composto de alimentos in natura, carnes e bebidas processadas14, 15. O PA Ultraprocessado foi considerado o mais prejudicial à saúde por ser constituído exclusivamente por alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, gorduras e sódio16, 17. E por fim, o PA Tradicional recebeu essa nomenclatura por ter em sua composição alimentos típicos da região: leguminosas, raízes e tubérculos, grãos e cereais e ingredientes culinários18.
Em 2015/16, os padrões alimentares mais prevalentes foram o PA Duplo (15,4%), composto de alimentos in natura, carnes e bebidas processadas, e o PA Ultraprocessado (15,4%). Em 2019 continuaram sendo os PA mais predominantes, porém o mais consumido passa a ser o PA Ultraprocessado (15,1%).
Esses resultados corroboram com os relatados em pesquisas nacionais2, 19, 20 e internacionais21-23, que destacam que com o processo de urbanização, globalização e intensificação do capitalismo, houve o aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados, e decorrente aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Revelando que o intuito do sistema alimentar moderno não está na saúde e bem-estar da humanidade, mas sim, na transformação da comida em mercadoria para acúmulo de capital, com produção em larga escala desses tipos de alimentos e consequente, homogeneização da alimentação, apagamento da cultura alimentar e mudança do sistema alimentar24, 25.
O PA Tradicional foi o menos consumido nos dois momentos da pesquisa, além disso, houve mudanças em sua composição em 2019, sendo possível identificar – mesmo que não retido, ou seja, em menor variância – o grupo de refrigerantes e sucos artificiais. Vale destacar que, quando um novo grupo alimentar aparece em um padrão, é possível que o consumo de outros grupos estejam sendo comprometido. No presente estudo sugere-se que o aparecimento do grupo alimentar ‘refrigerantes e sucos artificiais’ tenha contribuído para uma diminuição no consumo de ‘grãos e cereais’. Entendendo-se que, até mesmo o PA Tradicional pode estar se alterando no decorrer do tempo, devido à grande disponibilidade dos alimentos ultraprocessados nos ambientes alimentares e facilitação do acesso por meio de políticas de incentivos fiscais às grandes corporações de alimentos26.
Uma outra alteração que se analisa na composição dos padrões alimentares é a diminuição da variância dos grupos ‘raízes e tubérculos’, ‘verduras e legumes’, ‘frutas, suco natural e chá’ e ‘grãos e cereais’ de 2015/16 para o ano de 2019, tornando-se, portanto, padrões alimentares com uma menor variedade alimentar. Esses achados corroboram com os dados do VIGITEL, onde verifica-se que se mantém baixo e estável o consumo de frutas e hortaliças e uma queda no consumo de arroz, ao longo dos anos nas capitais brasileiras19, 27, 28. Adicionalmente, de acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), verifica-se baixa aquisição de frutas e hortaliças no Brasil, em todas as regiões e classes2, 29. Vale salientar a importância dos alimentos in natura ou minimamente processados na dieta para melhor qualidade de vida e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis.
Os padrões de consumo alimentar encontrados no presente estudo foram similares aos estudos no Rio de Janeiro30, Rio Grande do Sul31, Coreia do Sul32 e Irã33. Embora algumas nomenclaturas dos PA sejam diferentes em outros estudos, é possível observar semelhanças a partir dos grupos alimentares que os compõem.
Em 2015/16 a idade igual ou superior a 41 anos, maior escolaridade e estar em SA tiveram associação com o PA Duplo, resultado similar foi observado em estudo conduzido por Canuto et al15. Em 2019 observou-se a mesma tendência entre o PA Duplo e escolaridade e segurança alimentar, porém também foi constatada uma associação com o excesso de peso. Pode-se entender que adultos com maior escolaridade tem um poder aquisitivo maior e, consequentemente, maior acessibilidade aos alimentos saudáveis e se encontram em segurança alimentar34, 35.
A idade entre 20 e 29 anos e entre 30 e 40 em 2015/16, apresentando oito vezes e quase três vezes mais chances, respectivamente, de aderir ao PA Ultraprocessado quando comparado com adultos mais velhos (? 41 anos). Esses resultados diferem do encontrado por Romeiro36 que mostrou associação positiva entre ter 60 anos ou mais ao padrão “produtos processados e ultraprocessados”.
Pode-se inferir que essas duas faixas etárias (20 a 29 anos e 30 a 40 anos) são o principal público-alvo da publicidade de alimentos, com a indústria alimentícia oferecendo cada vez mais alimentos práticos, palatáveis e duráveis, além da ampla oferta dos alimentos ultraprocessados37. Ademais, esses indivíduos ainda não apresentam comorbidades relacionadas a alimentação, não apresentando preocupação sobre a qualidade da dieta, e, ao fato de estarem em longas jornadas de trabalho que impedem o preparo de refeições, optando assim pela praticidade do consumo de alimentos ultraprocessados20, 38, 39.
No entanto, em 2019, não foi encontrada relação entre o PA Ultraprocessado com as variáveis do estudo, podendo estar relacionado a uma predominância desse padrão na população estudada, não sendo mais possível encontrar diferença estatística. Ao mesmo tempo, por se tratar da primeira pesquisa com padrões alimentares na RMR, destaca-se a necessidade da realização de mais estudos com outros possíveis condicionantes do consumo alimentar, como os aspectos ambientais.
Adultos praticantes de atividade física apresentaram associação com o PA Tradicional em 2015/16, assemelha-se com estudo realizado no Reino Unido que identificou uma relação entre padrões alimentares menos saudáveis com baixa prática de atividade física, evidenciando que indivíduos que praticam atividade física tem um cuidado maior com a qualidade da alimentação1.
Já em 2019, o PA Tradicional indicou correlação com menor escolaridade e associação com adultos que residiam com 5 ou mais pessoas no domicílio, esse achado corrobora com resultados encontrados em outros estudos31, 40. Compreendendo assim, que ter menor grau de escolaridade, não se traduz em baixo conhecimento sobre refeições de qualidade, por outro lado, pode ser uma barreira no que diz respeito ao acesso a esses alimentos. Pode ainda ter uma relação regional, cultural e social, já que segundo a POF, o consumo alimentar na região do Nordeste, especialmente entre a população desfavorecida economicamente é tradicionalmente baseada no arroz e feijão2.
Ainda se observou em 2019, que o PA Tradicional mostrou associação com o excesso de peso, diferente de outros estudos35, 40, sugerindo dessa forma, que adultos que estão com comorbidades passam a ter uma preocupação maior com a alimentação39.

Considerações Finais
Indivíduos que tem melhor posição socioeconômica, neste caso, maior escolaridade e situação de segurança alimentar, apresentaram maior consumo do padrão Duplo, que apresenta alimentos in natura ou minimamente processado e bebidas processadas, enquanto pessoas com menor escolaridade, mostrou associação com o PA Tradicional. Além disso, os padrões alimentares em 2019 apresentaram maior associação com os determinantes sociais, mostrando que houve uma maior participação dos mesmos na determinação do padrão alimentar.
Destaca-se ainda que, o PA Duplo foi mais predominante em 2015/16, e em 2019 passou a ser o PA Ultraprocessado, mostrando que o consumo de alimentos processados e ultraprocessados vem aumentando na população analisada, acompanhando a tendência nacional, além de estarem presentes em todos os padrões alimentares identificados.
Assim, dentre outras políticas públicas, torna-se necessário, políticas intersetoriais de segurança alimentar e nutricional, planejamento urbano sustentável e de saúde, para regulamentação da publicidade de alimentos ultraprocessados, taxação das bebidas processadas e ultraprocessadas.
E principalmente, fomento aos produtores rurais para maior acessibilidade e circulação dos alimentos in natura a preços justos, e consequentemente, a valorização do comércio local e regional.

Limitações e Potencialidades
As metodologias de consumo alimentar por QFA, como viés de memória, grau de escolaridade e idade, que foram superadas com rigor metodológico nas coletas e análises. Além disso, o uso do método por padrão alimentar possibilitou a classificação conforme os grupos de alimentos e, dessa forma, foi considerado adequado. Segundo, na análise de componentes principais exige decisões subjetivas, entretanto foi controlada a partir de uma ampla revisão da literatura.
Ademais, este estudo apresenta os padrões alimentares da Região Metropolitana do Recife, em momentos diferentes, provavelmente pioneiro nas análises de padrões dessa população. Possibilitando responder ao interesse de conhecer seus padrões alimentares e seus determinantes.

Financiamento
Financiado pela Chamada Universal-MCTI/CNPq 14/2013 (Processo-476862/2013-2) e Edital FACEPE 20/2014 (APQ-0338-4.05/15). E concessão de bolsa (CAPES) para AQUINO, N. B.



Repositório Scielo Data: https://doi.org/10.48331/scielodata.SYB65D

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Aquino, N. B., Souza, N.P., Carvalho, M. J. L. N, Pineda, A. M. R., Leal, V. S., Batista Filho, M., Lira, P. I. C., Oliveira, J. S.. Desigualdades sociais e padrões alimentares: uma análise com adultos da Região Metropolitana do Recife. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/Nov). [Citado em 07/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/desigualdades-sociais-e-padroes-alimentares-uma-analise-com-adultos-da-regiao-metropolitana-do-recife/18985?id=18985

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