0317/2023 - DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE ASSOCIADOS À REALIZAÇÃO DE MAMOGRAFIA SEGUNDO A PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE DE 2013 E 2019
SOCIAL HEALTH DETERMINANTS ASSOCIATED WITH MAMMOGRAPHY PERFORMANCE ACCORDING TO THE 2013 AND 2019 NATIONAL HEALTH SURVEY
Autor:
• Denise Montenegro da Silva - Silva, D.M - <denisemontenegrodasilva@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6969-4133
Coautor(es):
• Yanka Alcântara Cavalcante - Cavalcante, Y.A - <yankacavalcante77@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0152-9216
• Bruno Luciano Carneiro Alves de Oliveira - Oliveira, B.L.C.A - <oliveira.bruno@ufma.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8053-7972
• Marcos Venícios de Oliveira Lopes - Lopes, M.V.O - <marcos@ufc.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5867-8023
• Ana Fátima Carvalho Fernandes - Fernandes, A.F.C - <afcana@ufc.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5110-6364
• Ana Karina Bezerra Pinheiro - Pinheiro, A.K.B - <anakarinaufc@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3837-4131
• Priscila de Souza Aquino - Aquino, P.S - <priscilapetenf@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4976-9817
Resumo:
A mamografia é um dos principais métodos disponíveis para o rastreamento do câncer de mama no Brasil. Entretanto, diferenças no acesso oportuno e realização do exame podem ser evidenciadas com base nos determinantes sociais de saúde, considerados relevantes por sua influência na situação de saúde de uma população. Desta forma, o estudo objetivou identificar os determinantes sociais de saúde associados ao acesso e à realização da mamografia em mulheres brasileiras. Estudo transversal e analítico, baseado em dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde dos anos de 2013 e 2019 do Brasil. Os principais determinantes das mulheres que não realizaram o exame no período avaliado foram: idade de 65 a 69 anos, cor parda e preta, que moravam com mais de três pessoas, com nível educacional de fundamental incompleto, no 1° quintil de renda socioeconômica, sem plano de saúde, com cadastro na Estratégia Saúde da Família e moradoras das regiões Norte e Nordeste. Houve melhora significativa no acesso ao exame de mamografia em todos os estados, entretanto, fatores estruturais como renda econômica, cor, nível de educação e faixa etária foram evidentes para a não realização da mamografia.Palavras-chave:
Determinantes Sociais da Saúde; Mamografia; Neoplasias da Mama; Promoção da Saúde. Brasil.Abstract:
Mammography is one of the main methods available for breast cancer screening in Brazil. However, differences in timely access and performance of the exam can be highlighted based on social determinants of health, considered relevant due to their influence on the health situation of a population. Thus, the study aimed to identify the social determinants of health associated with access to and performance of mammography in Brazilian women. Cross-sectional and analytical study, based on secondary datathe National Health Survey2013 and 2019 in Brazil. The main determinants of women who did not take the exam during the period evaluated were: aged 65 to 69 years, mixed race and black, living with more than three people, with incomplete primary education, in the 1st quintile of socioeconomic income, without insurance health, registered with the Family Health Strategy and residents of the North and Northeast regions. There was a significant improvement in access to mammography exams in all states, however, structural factors such as economic income, color, level of education and age group were evident in why mammograms were not performed.Keywords:
Social Determinants of Health; Mammography; Breast Neoplasms; Health Promotion. Brazil.Conteúdo:
Em reflexo ao rápido crescimento e envelhecimento populacional, a incidência e a mortalidade do câncer têm aumentado de modo considerável, o que o torna uma importante patologia de interesse da saúde pública. Em nível mundial, uma em cada seis mortes estão relacionadas ao câncer, e aproximadamente 70% das mortes ocorrem em países de baixa e média renda1.
Para o câncer de mama, em 2020, foram diagnosticadas 2,3 milhões de mulheres e 685 mil mortes em todo o mundo. Até o final de 2020, havia 7,8 milhões de mulheres vivas que foram diagnosticadas com câncer de mama nos últimos 5 anos, tornando-se a condição mais prevalente do mundo2. As estimativas de incidência no Brasil para o período do triênio de 2020-2022 são de 66.280 novos casos de câncer de mama. Estes dados revelam um risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres, o que reforça a magnitude do problema no país3.
Os métodos de triagem e diagnóstico permitem aos profissionais de saúde oferecer tratamentos personalizados que melhorem o desfecho e a sobrevivência. A mamografia é uma modalidade de raios X de baixa dose para imagens detalhadas da mama. É o melhor método de triagem baseado na população4. Possui significativo impacto na redução da mortalidade por câncer de mama, visto que as mulheres que participam da triagem mamográfica são capazes de detectar mais precocemente determinadas alterações e se beneficiarem com terapias menos agressivas5. Ademais, os principais benefícios do rastreamento são a redução da mortalidade por câncer de mama, anos de vida perdidos devido ao câncer de mama e morbidade do tratamento do câncer de mama6.
Quando o câncer de mama é detectado e tratado precocemente, as chances de sobrevivência são altas. No entanto, as mulheres em muitos ambientes enfrentam barreiras complexas para a detecção precoce. Fatores como ausência de situação conjugal, altos níveis educacionais, não ser tabagista e ter tido um número superior a duas gestações influencia na realização do autoexame das mamas, bem como na realização do exame de mamografia. Tal pesquisa também abordou o impacto da desigualdade econômica à mamografia7.
Essas barreiras correspondem aos Determinantes Sociais de Saúde (DSS), definidos como “as circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem e envelhecem, e o amplo conjunto de forças e sistemas que moldam as condições da vida cotidiana”8.
O que estes DSS tendem a causar, pode vir a influenciar na acessibilidade aos serviços de saúde, a qual se inclui o acesso/realização da mamografia. Estudo de revisão realizado sobre as barreiras que afetam a adesão ao rastreamento de câncer de mama em populações vulneráveis identificou barreiras comuns como raça/etnia (47%), baixo nível socioeconômico (35,3%) e escolaridade (29,4%), ausência de histórico familiar de câncer e ser solteira (29,4%), desconfiança médica e falta de informações sobre saúde (23,5%), falta de plano de saúde privado (17,6%) e não ter checagem anual de saúde (17,6%). As populações-alvo com menor adesão foram mulheres negras, asiáticas, hispânicas e estrangeiras9.
Os DSS podem evidenciar diferenças no acesso a serviços de saúde oportunos e podem ser considerados relevantes na análise das mulheres que fazem ou não a mamografia. Estudo identificou a expansão da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) em quase todos os estados do país, contudo, com desigualdades perante os mamógrafos disponibilizados nas regiões. A saúde suplementar teve impacto superior à ESF, uma vez que os mamógrafos estão, na maioria, no sistema privado. Assim, a desigualdade na distribuição dos mamógrafos é um grande entrave à equidade no acesso ao exame10.
O acesso precário ao diagnóstico e tratamento adequados e de modo oportuno, levam a chegada das pacientes em estágios mais avançados do câncer de mama, o que piora o prognóstico. Desta forma, Ivanova e Kvalem11 abordaram a necessidade para futuras campanhas de promoção da saúde voltadas para dois comportamentos em saúde, sendo estes: os fatores psicológicos que influenciam na decisão à realização do exame e os fatores que contribuem na decisão de certas mulheres de evitar o exame em si.
Ressalta-se a importância da investigação dos DSS associados à realização da mamografia, sendo este, o ponto mais alto de discussão deste artigo. Nesse sentido, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito nacional nos anos de 2013 e 2019, disponibiliza dados que permitem estabelecer medidas consistentes, constituindo-se em um importante subsídio para a formulação de políticas públicas nas áreas de promoção, vigilância e atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, objetivou-se no presente estudo identificar os determinantes sociais de saúde associados ao acesso e à realização da mamografia em mulheres brasileiras segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e 2019.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal baseado nos dados secundários coletados pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 e 2019. Os dados da PNS são dados públicos disponibilizados no formato de microdados. Logo, teve-se acesso a base de dados completa, dicionários de variáveis e questionários aplicados. Os dados têm como unidade de análise o indivíduo e não o domicílio. Ainda que sejam coletados com base no sorteio do domicílio, foram adotados dados em que a última unidade de seleção foi a mulher (morador selecionado). Os microdados da PNS não necessitam de nenhuma técnica sofisticada para seu uso. A PNS foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e a Fundação Oswaldo Cruz12,13.
A PNS é um inquérito domiciliar de base populacional, de abrangência nacional que coletou um amplo conjunto de indicadores de vida e saúde. A população-alvo da PNS 2013 foi composta pelos indivíduos ?18 anos de idade e a de 2019 ?15 anos de idade, residentes em domicílios particulares permanentes no Brasil. Foram aplicadas questões sobre os domicílios e todos os seus moradores. Uma terceira parte foi aplicada a um morador ?18 anos (em 2013) e ?15 anos de idade (em 2019) selecionado aleatoriamente entre todos os moradores do domicílio previamente selecionado12-14.
A PNS utiliza amostra probabilística complexa de um conjunto de unidades de áreas selecionadas de todas as Unidades Federadas (UF) do Brasil. A amostragem utilizada foi probabilística por conglomerados em três estágios de seleção, com estratificação das UPA (setores censitários ou um conjunto de setores). Os domicílios representam as unidades secundárias e a terciária o morador (?18 anos em 2013 e ?15 anos em 2019), que responde à parte individual do questionário aplicado em cada PNS. Maiores detalhes metodológicos podem ser obtidos em publicações da PNS12-14.
O modelo adotado para categorização e discussão das variáveis foi o Modelo de Determinação Social de Solar e Irwin15, também referenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como marco conceitual para os DSS. Tal modelo é estruturado de acordo com dois tópicos organizados, sendo estes: a) Determinantes estruturais das iniquidades em saúde, as quais foram consideradas as variáveis da PNS: idade (faixa etária), nível educacional, raça, renda (quintil de renda), cidade de moradia (capital ou interior); b) Determinantes intermediários da saúde, categorizados em: plano de saúde (sim ou não), cadastro na unidade de saúde da família (sim ou não).
Em 2013, a mediana de renda no menor nível foi de 236,00 reais e no maior 3.644,00. Já em 2019, a mediana de renda no menor nível foi de 358,00 reais e no maior 5.100,00. Foram utilizadas também a macrorregião de residência no país (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul); e as capitais das UF (Unidade Federada - estados). O Brasil é composto por 26 estados e um Distrito Federal e cada um destes tem uma capital que o representa.
Na PNS foram coletados os dados das capitais brasileiras e das localidades do interior dos anos de 2013 e 2019 para acompanhamento da evolução das variáveis. A variável solicitação médica de exame de mamografia foi considerada como variável desfecho, a qual foi associada com as demais variáveis. Para o presente estudo, foram incluídas mulheres com idade entre 50 e 69 anos, elegíveis para realização da mamografia, conforme o Instituto Nacional do Câncer (INCA), órgão auxiliar do MS16.
Para ambos os anos da PNS foram estimadas as prevalências de razão entre expostos a uma condição de interesse em relação à população total, geral ou do grupo em análise e seus intervalos de 95% de confiança (IC95%) da não realização da mamografia segundo as variáveis socioeconômicas e demográficas e as capitais das unidades federadas (estados) brasileiras. Para tais estimativas, foram adotadas as seguintes variáveis: Peso do morador selecionado (probabilidade desiguais de seleção), Unidade primária de seleção (conglomerado) e Estratos (setores censitários).
Em todas as análises, as diferenças foram consideradas estatisticamente significantes ao nível de 5% na ausência de sobreposição dos IC95%. Análises de regressão de Poisson bruta e ajustada foram realizadas para se estimar Razões de Prevalência (RP) e respectivos IC95% da associação das variáveis socioeconômicas e demográficas com a não realização da mamografia em 2013 e 2019. O teste de Qui-Quadrado de Pearson foi utilizado com o comando svy, que por longo tempo, tem aproximação de Rao-Scott por dados complexos. Todas as análises foram feitas no software RStudio versão 2022.7.2.576 (R Foundation for Statistical Computing, Boston, United States of America) e incorporam todas as características do plano amostral complexo da PNS 2013 e 2019.
Os projetos da PNS 2013 (parecer nº 328.159) e 2019 (parecer nº 3.529.376) foram aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)/Conselho Nacional de Saúde (CNS), e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido13,14.
Resultados
Na 1° edição da PNS de 2013, participaram do estudo 8.539 mulheres que responderam às perguntas referentes à realização da mamografia, assim como 14.795 mulheres em 2019, revelando um aumento na proporção de mulheres entrevistadas entre um ano e outro. A figura 1 apresenta a prevalência de não realização do exame conforme as Unidades Federadas da União de acordo com a faixa etária de 50 a 69 anos estabelecida no presente estudo.
Fig.1
No ano de 2013, as UF com maiores prevalências de não realização da mamografia foram: Acre (63%), Maranhão (60%), Pará (58%), Tocantins (56%), Piauí (55%) e Rondônia (55%), notadamente estados das regiões Norte e Nordeste. Ressalta-se que outros estados de tais regiões também atingiram maiores taxas de não realização da mamografia em comparação às outras regiões, como: Amapá e Rondônia do Norte; e Ceará, Paraíba e Piauí do Nordeste. Durante o ano de 2019, as UF com altas prevalências de não realização da mamografia foram: Amapá (53%), Acre (47%), Pará (46%), Roraima (45%) e Maranhão (44%), igualmente pertencentes às regiões Norte e Nordeste. Outros estados como Ceará, Pernambuco e Alagoas do Nordeste; e Tocantins do Norte foram avaliados como de maiores taxas para não realização após os estados mencionados anteriormente.
Ao comparar-se as taxas de não realização da mamografia entre os anos de 2013 e 2019, observou-se diferença significativa nos estados de Rondônia, Tocantins, Bahia, Paraíba, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e nos dados do Brasil. Dessa forma, há melhoria no acesso à realização da mamografia nacionalmente e nos estados.
Os cinco estados que apresentaram as menores taxas de não realização da mamografia são das regiões Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro); Sul (Rio Grande do Sul); e Centro-Oeste (Minas Gerais e Distrito Federal), o que sugere que as melhores condições de vida de tais regiões propiciam uma menor prevalência de não realização da mamografia.
A Tabela 1 aborda a comparação da prevalência de não realização da mamografia segundo os DSS de mulheres nos anos de 2013 e 2019.
Tab.1
Quando comparadas as prevalências de não realização da mamografia nos anos de 2013 e 2019, verificou-se que os determinantes estruturais das iniquidades em saúde obtiveram diferenças nas prevalências ao longo dos anos, com nítido aumento do acesso a esse exame, com exceção da idade, que não apresentou diferença estatística. Embora as frequências apresentem diminuição da não realização da mamografia nos dois anos, observou-se que as iniquidades no acesso ao exame permaneceram semelhantes em ambos os anos, retratando maiores restrições de realização entre aquelas que tinham 65 a 69 anos; de cor negra; que moravam no mesmo domicílio com mais de três pessoas; com nível educacional até fundamental incompleto ou equivalente a este; com a menor renda socioeconômica; da região Norte e que eram do Interior.
No concernente aos determinantes intermediários da saúde, houve melhora no acesso à mamografia, porém, permanece o maior acesso entre as mulheres que apresentam plano de saúde. Ademais, maiores restrições à realização do exame continuam em mulheres com cadastro na Estratégia Saúde da Família (ESF).
Segundo as variáveis do banco de dados da PNS, as taxas de prevalência da não realização da mamografia diminuíram de 2013 a 2019, todavia o perfil das mulheres sem acesso ao exame continuou o mesmo durante os dois anos da PNS, o que determina alguns DSS associados ao acesso, como os determinantes estruturais de iniquidades em saúde de raça negra, maior número de moradores no domicílio, menor nível educacional, menor renda, região Norte e Nordeste e cidade do interior; e quanto aos determinantes intermediários da saúde de ausência de plano de saúde e cadastro na ESF.
A Tabela 2 apresenta as razões de prevalência de acordo com as variáveis sociodemográficas pela PNS de 2013 e 2019.
Tab.2
Conforme identifica-se na tabela 2, a análise ajustada dos dados da pesquisa de 2019/2013 pelos DSS evidenciou tendência de permanência de vulnerabilidades no acesso ao exame mamográfico nos grupos de mulheres com menores rendas socioeconômicas e baixo nível educacional. Sendo assim, observa-se que o acesso da mamografia é mais restrito as camadas menos privilegiadas da população.
A Figura 2 evidencia a prevalência de não realização da mamografia entre mulheres brasileiras segundo os Determinantes Sociais de Saúde e faixas de idade.
Fig.2
Conforme observa-se na Figura 2, alguns DSS estiveram associados à não realização do exame de mamografia entre as mulheres brasileiras. No concernente à raça, a prevalência de não realização do exame diminui em função do tempo, mas não reduz a diferença entre as raças branca e negra, na qual a negra ainda apresenta maiores prevalências de não realização do exame, em todas as faixas de idade. Quanto à renda, observa-se grande discrepância entre o 1º e o 5º quintil de renda. Houve melhoria na realização da mamografia entre as mulheres do 1º quintil de renda, mas esse DSS ainda constitui fator importante de acesso, em todas as faixas de idade das mulheres.
Quanto ao tipo de cidade, percebe-se maior prevalência de não realização da mamografia entre as mulheres do interior nos dois anos avaliados e em todas as faixas de idade, porém, com melhora do acesso. No concernente ao nível educacional, percebeu-se diferença significativa para não realização da mamografia entre os estratos mais altos (superior completo) e mais baixos (até fundamental incompleto), apresentando-se pior acesso à mamografia nas mulheres com nível educacional mais baixo, em todas as faixas etárias.
No concernente aos determinantes estruturais da saúde, observa-se melhora nos índices de acesso das mulheres sem plano de saúde ao exame mamográfico em todas as faixas de idade, porém, ainda se mantém a discrepância entre as mulheres com e sem plano de saúde. A figura 2 também evidencia a diferença de acesso ao exame mamográfico em todas as faixas de idade quando comparadas as mulheres sem e com cadastro na ESF, com menor acesso entre as últimas.
Discussão
Dados apresentados na pesquisa mostram diferenças substanciais no comparativo entre os anos de 2013 e 2019 relativos à não realização da mamografia, com melhora do cenário nacional e maior acesso. Em todos os estados foi observada maior prevalência de realização da mamografia, com peculiaridades relacionadas aos determinantes de saúde.
No concernente aos Determinantes Estruturais das Iniquidades em Saúde, observou-se influência da idade, número de moradores no domicílio, nível educacional, renda, região do país e cidade de moradia.
No período avaliado, em ambos os anos na faixa etária de mulheres acima de 60 anos foi prevalente a não realização do exame de mamografia, o que corrobora com estudos internacionais17. Este resultado é alarmante em virtude da importância da idade como fator de risco para o desenvolvimento do câncer de mama. Embora muitas organizações concordem em iniciar o rastreamento da mamografia aos 50 anos (fonte), não há um consenso claro sobre a idade para interromper o rastreamento18.
A incidência de câncer de mama aumenta com a idade até os 80 anos. A mamografia de rastreamento demonstrou eficácia na redução da mortalidade por câncer de mama entre mulheres entre 50 e 74 anos de idade19. Ademais, é útil na diminuição da mortalidade do câncer de mama por proporcionar a detecção de cânceres de pequeno porte em estágios iniciais. Maiores taxas de detecção de câncer invasivo em mulheres mais velhas é secundária à diminuição da densidade mamária com a idade, resultado da maior sensibilidade e especificidade do exame20.
Mulheres que residiam em casas com maior número de moradores, dois, estavam mais propensas a realizar o exame de mamografia. Tal fato pode ser explicado devido ao suporte social estabelecido. O apoio social realizado por amigos e familiares desempenha um papel importante no rastreio por mamografia. Por intermédio dele, é possível induzir a autoeficácia nas pessoas e superar as barreiras financeiras e psicológicas, visto que a procura pela saúde também possui uma natureza social, o que significa que uma pessoa é mais propensa a realizar a mamografia ao sentir que é importante para sua família e é apoiada por ela21.
Quanto ao nível educacional, menor nível esteve associada à maiores prevalências de não realização da mamografia. Estudos mostram que mulheres com maiores níveis educacionais possuem menos barreiras percebidas para realizar o exame e evidenciam que as mulheres ficam mais propensas a adotarem melhores decisões quanto a questões relativas à sua saúde e apresentam maior compreensão do processo de doença22,23. O nível educacional está associado à alfabetização em saúde e essa, quando baixa, é uma barreira conhecida às decisões de saúde24. Ademais, mulheres com menor escolaridade apresentam maior probabilidade de serem diagnosticadas em estágio avançado25.
Neste sentido existe a necessidade do desenvolvimento de estratégias de intervenções com foco de programas de educação que trabalhem o conhecimento e as crenças de saúde limitantes, que possibilitem a redução do medo e a melhoria do conhecimento para uma melhor compreensão do rastreamento e prevenção precoce do câncer de mama26.
No concernente à renda, maiores rendas aumentaram o acesso ao exame mamográfico. Um estudo realizado com dados institucionais de dois centros de mama do American College of Surgeons comparou um hospital do centro da cidade que servia comunidades em condições socioeconômicas marginalizadas e um segundo centro regional em um condado suburbano, o qual servia comunidades com menos desvantagem socioeconômica. Tal estudo concluiu que mulheres em quartis de baixa renda experimentam tempos de conclusão mais longos para cada estágio de rastreamento do câncer de mama. A ausência de transporte configurou-se como barreira mais significativa para o rastreamento oportuno27.
Existem barreiras sociais e financeiras relacionadas à renda entre mulheres submetidas à mamografia de rastreamento. Pesquisa realizada com os registros de mamografia dos Estados Unidos entre 2012 e 2017 de 393.430 mulheres com idade maior ou igual a 40 anos evidenciou que as barreiras eram menos prováveis em mulheres com renda familiar mediana mais alta28.
A análise da macrorregião do país evidencia disparidades, com a região Norte apresentando os piores indicadores. Ademais, houve maior acesso à mamografia com o passar dos anos, com a região Sudeste apresentando maior prevalência de acesso, junto à região Sul. No período de 2013 e 2019 os estados do Acre e Pará apresentaram taxas elevadas de não realização da mamografia. Pertencentes a região Norte, os estados se destacam pois embora tenha alcançado uma redução na não realização do exame pelo período avaliado ainda possuem dados insatisfatórios no rastreamento do câncer de mama.
Estudo ecológico realizado com dados do INCA do Brasil no período de 2010 a 2018 apresentam resultados que apontam o estado do Pará como responsável por 45% dos casos de câncer de mama, sendo metade destes casos associados à capital Belém. Tal fato pode estar relacionado à falta de profissionais especialistas, bem como à escassez de mamógrafos na região e à ineficiência das ações efetuadas pela atenção básica ocasionadas pelo baixo quantitativo de profissionais que consigam suprir as demandas em saúde da população29.
Para desenvolver um rastreamento efetivo, além da oferta do exame de mamografia são necessários profissionais qualificados, tanto para a realização do exame quanto para a interpretação e direcionamento das mulheres após o resultado. Observa-se alta desigualdade social e baixa razão de mamografias na maioria da região Norte e alguns municípios da região Nordeste, o que ocorre ao contrário na região Sudeste e Sul. A razão de mamografias é influenciada pelo Índice de Gini e IDH, variáveis que também estão relacionadas com fatores socioeconômicos, pois a partir do cruzamento destas, quanto maior a desigualdade, menor o acesso ao rastreamento do câncer de mama, assim como quanto maior o IDH, maior o número de mamografias30.
Nesta pesquisa, moradoras de cidades do interior apresentaram maior prevalência de não realização da mamografia em comparação às mulheres da capital ou RM. Diversos estudos confirmam os achados apontados, visto que a presença de uma instalação de mamografia próxima à residência de uma mulher aumenta as chances de triagem27,31.
Dentre os fatores elencados, as situações que impedem a condução da mulher até as instalações para realizar o exame podem estar relacionados com fases mais tardias de câncer de mama no momento do diagnóstico, o que estaria associado a uma pior sobrevivência, e a tendência à redução da utilização da mamografia ao longo do tempo31.
Pesquisa Nacional de Saúde feita nos EUA evidenciou que embora a maioria das mulheres não tenha relatado nenhum pagamento por sua mamografia de rastreamento mais recente em 2015, algum pagamento foi relatado por > 20% das mulheres com idades entre 50 e 64 anos ou com idades entre 65 e 74 anos apenas com Medicare e por quase 40% das mulheres sem plano de saúde de 50 a 64 anos. A necessidade de pagamento pode constituir barreira para o acesso ao rastreio adequado32.
A atenção primária possui papel primordial na efetivação da integralidade do cuidado por intermédio da estratégia saúde na família, promovendo as ações rastreamento do câncer de mama em populações vulneráveis e sem condições de acesso a planos de saúde. É evidente a importância que as equipes estejam alinhadas em realizar a busca ativa da população alvo, contribuindo para a eficácia das ações do programa de controle de câncer de mama23, aumentando assim a busca pela realização do exame.
Considerações finais
O presente estudo analisou os Determinantes Estruturais das Iniquidades em Saúde e os Determinantes Intermediários da Saúde que poderiam contribuir para a identificação de fatores para a não realização do exame de mamografia em mulheres brasileiras. Pôde-se observar que os fatores estruturais como renda econômica, cor, nível de educação e faixa etária são prejudiciais e interferem na realização da mamografia anual. Os achados sinalizam a necessidade de abordagens diferenciadas para promoção e educação em saúde às mulheres perante os benefícios da realização rotineira da mamografia, para fins de rastreamento do câncer de mama.
Agradecimentos
Oliveira BLCA e Silva DM são bolsistas CAPES/BRASIL e agradecem o apoio para essa pesquisa. Agradece também a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e do Ceará (UFC), e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFMA.
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Mat. ilustrativo