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0181/2024 - Entre tecnologias de gênero e da saúde: uma análise das campanhas preventivas de HPV e câncer no colo do útero de 2014 a 2020
Between gender and health technologies: an analysis of HPV and cervical cancer prevention campaigns2014 to 2020

Autor:

• Juliana Rodrigues Vieira - Vieira, J. R. - <julianavieira.contato@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7380-403X

Coautor(es):

• Rogerio Azize - Azize, R. L. - <rogerioazize@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1876-8507

• Marina Fisher Nucci - Nucci, M. F. - <marinanucci@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3465-9201



Resumo:

Neste artigo analisamos as campanhas preventivas do câncer no colo do útero (CCU) e de vacinação de papilomavírus humano (HPV) desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) do Ministério da Saúde, além de algumas campanhas produzidas por organizações não governamentais e instituições privadas, no intervalo de 2014 a 2020. À luz de um olhar socioantropológico, nosso objetivo é compreender como estas tecnologias de saúde acionam e produzem representações de gênero. Desenvolvemos sete categoriais de análise (“Geracionalidade do cuidado”, “Escolarização”, “Infância e Juventude”, “Gamificação”, “Risco à saúde”, “Saúde do Homem” e “Neutralidade”) que nos permitiram discutir as temáticas que surgiram nas peças gráficas. Por meio da medicalização e monitoramento da saúde sexual e reprodutiva das mulheres, as campanhas evidenciam o que chamamos aqui de uma politização do útero, que mantém excessivo escrutínio do corpo feminino.

Palavras-chave:

Campanhas de saúde; Comunicação em saúde; HPV; Câncer no colo do útero; Medicalização.

Abstract:

In this article we analyze the preventive campaigns against cervical cancer (CCU) and human papillomavirus (HPV) vaccination developed by the National Cancer Institute (INCA) of the Ministry of Health, in addition to some campaigns produced by non-governmental organizations and institutions private,2014 to 2020. From a socio-anthropological point of view, our objective is to understand how these health technologies trigger and produce gender representations. We developed seven categories of analysis (\"Generationality of care\", \"Schooling\", \"Childhood and Youth\", \"Gamification\", \"Health risk\", \"Men\'s health\" and \"Neutrality\") that allowed us to discuss the themes that emerged in graphic pieces. Through the medicalization and monitoring of women\'s sexual and reproductive health, the campaigns highlight what we call here a politicization of the uterus that maintains excessive scrutiny of the female body.

Keywords:

Health campaigns; Health communication; HPV; Cancer in the cervix; Medicalization.

Conteúdo:

Introdução

Este artigo se propõe a analisar campanhas preventivas de câncer do colo do útero (CCU) e vacinação para papilomavírus humano (HPV) veiculadas pelo Ministério da Saúde (MS) / Instituto Nacional do Câncer (INCA) e por algumas organizações não governamentais (ONGs) e instituições privadas, no período de 2014 até 2020. O HPV é uma infecção sexualmente transmissível (IST), que infecta pele ou mucosas (oral, genital ou anal) e pode provocar verrugas, lesões, além de câncer no útero, ânus, orofaringe e boca. Embora homens e mulheres estejam sujeitos à infecção, a vacina é comumente mais indicada às mulheres – já que os tipos de HPV (16 e 18) causam cerca de 70% dos cânceres do colo do útero e lesões pré-cancerosas. Nossa análise indica que estas campanhas podem ser pensadas em uma dupla direção: em caráter mais evidente são tecnologias de saúde, mas também se configuram como tecnologias de gênero1 – quando as tomamos a partir de discussões vinculadas ao campo emergente de uma “antropologia dos úteros”2, uma perspectiva que busca analisar o útero como um órgão político3. Pensamos a sexualidade como uma tecnologia sexual e de gênero1, uma representação construída e difundida em práticas discursivas propagadas pela mídia, pela escola e pela família, o que nos aproxima da noção de dispositivo desenvolvido por Michel Foucault em História da Sexualidade 1. Partimos da perspectiva de que aparelhos que reproduzem e representam o gênero também o constroem, ou seja, não refletem uma propriedade dos corpos a priori, mas um conjunto de efeitos produzidos nas relações sociais.
Apesar do foco inicial ser o estudo das campanhas públicas, incorporamos a análise de peças produzidas por organizações não governamentais e clínicas privadas por surgirem expressivamente no cenário. Com isso, nosso objetivo não é produzir comparações des/qualificantes entre as instituições, mas evidenciar sentidos explícitos e implícitos, além de compreender como os discursos públicos e privados são construídos em termos de forma e conteúdo.
As campanhas, peças gráficas e cartazes analisados subscrevem políticas do corpo e fazem parte de um grupo de tecnologias de gênero1 importantes na comunicação em saúde. Nelas podemos verificar quais são as representações sociais4 e as noções sobre gênero materializadas. Visando ultrapassar perspectivas essencialistas, nossas indagações partem de uma perspectiva antropológica, alinhada à equidade de gênero e politicamente situada no feminismo5. Além disso, acreditamos que a articulação entre os estudos antropológicos e da comunicação constituem um campo fértil de debates e que permitem pensar a ciência como uma produção cultural. Os históricos investimentos de produção de campanhas em saúde no Brasil apontam tanto para modo de gestar políticas públicas em saúde quanto de gerir seus impactos na população6.
Corpo, gênero e reprodução biológica surgem na história tradicional da ciência como dimensões sobrepostas e articuladas entre si. A história de combate ao câncer uterino no Brasil7 e a construção de uma “ciência da mulher”8 produziram discursos moralizantes e normativos acerca do gênero feminino. Segundo Martins9, nasce uma produção do saber especializado sobre os corpos femininos na virada do século XIX para o XX: a obstetrícia, com um conjunto de saberes, práticas e técnicas especializados para gerir o evento do parto. A influência hegemônica dos discursos médico-científicos na construção social dos corpos ratifica também relações de poder.
A política de saúde da mulher no Brasil ainda se mostra frágil no que diz respeito às propostas de uma maior autonomia e real implementação de direitos reprodutivos. A história de inúmeras tecnologias contraceptivas lembra que o país é marcado por uma “cultura de esterilização” nas populações mais vulneráveis, através de políticas que visavam realizar laqueaduras em massa10, implantar dispositivos intrauterinos como Essure11, DIU12 e subdérmicos como no Norplant13. Sem mencionar que a abstinência sexual foi uma política de governo bastante recomendada para evitar a “gravidez indesejada” pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em diversos pronunciamentos públicos – como no Seminário sobre abstinência sexual na adolescência que ocorreu em dezembro de 2019. O útero, portanto, é objeto de disputas científicas, simbólicas e representativas por essas políticas do corpo e da saúde. As campanhas apontam para uma materialidade que não apenas faz, mas também deixa de fazer – promovendo silenciamentos de discussões e ausências de alguns corpos, modos de vida e práticas sexuais.

Métodos

A escolha pela pesquisa documental e análise das campanhas teve como objetivo investigar como as políticas do útero estão circunscritas nestes documentos públicos, privados e não governamentais. A qualidade de serem, simultaneamente, tecnologias de gênero1 e da saúde, nos permitiram cruzar discussões entre os campos da saúde, da comunicação e os estudos de gênero.
Coletamos 25 peças de campanhas de HPV e câncer no colo do útero produzidas de 2014 a 2020 – sendo 10 peças de campanhas públicas (INCA/MS), 9 peças de campanhas não governamentais (Movimento Brasil sem câncer do colo do útero e Fundação do Câncer) e 6 peças de campanhas privadas (Merck Sharp & Dohme e Hermes Pardini). O recorte temporal justifica-se pelo fato da primeira campanha de HPV do Ministério da Saúde ter sido divulgada em 2014 (ano que marca também o início da vacinação de HPV no Brasil) e por este levantamento ter sido realizado em 2020. As peças governamentais foram encontradas no repositório denominado “Campanhas da Saúde” no site do Ministério da Saúde, e os cartazes não-governamentais e privados foram encontrados em sites de notícia ou médicos, e em propagandas que ofereciam o serviço de imunização para HPV. Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, notamos que as campanhas públicas foram apagadas dos depositórios do governo; não podemos inferir se foram retiradas intencionalmente e/ou se ainda serão disponibilizadas, mas o fato é que ainda não foram, até o presente momento, reincluídas no novo endereço do Ministério da Saúde em “Campanhas da Saúde”. De toda forma, isso reforça a importância da nossa análise e o caráter eminentemente político que circula neste tipo de mensagem.
Na etapa analítica, realizamos uma análise do material em articulação com nossos referenciais teóricos. As campanhas foram agrupadas por afinidades temáticas e semelhanças discursivas, sendo elas “Geracionalidade do cuidado”, “Escolarização”, “Infância e juventude”, “Gamificação”, “Risco à saúde” e “Saúde do homem”, levando em consideração tanto os aspectos gráficos quanto o contexto no qual as peças estavam inseridas. A partir disso, analisamos quais recursos comunicativos estavam em consonância com o contexto sociopolítico e quais estavam em dissonância, quais produziam articulações equânimes entre os gêneros e quais contribuíam para a desigualdade entre eles.

Resultados e Discussão

De modo consciente ou inconsciente, forjamos nossas identidades pessoais e coletivas através de representações socioculturais. Nesse mercado de desejos, anseios e expectativas, a materialidade das imagens nos afeta profundamente. Discutir sobre imagens nos leva a pensar na mídia como um espaço de cristalização de representações sociais, isto é, um sistema cognitivo dotado de uma lógica e linguagens particulares que não são apenas de opiniões ou atitudes, mas produzem também saberes, hierarquias e classificações 4. Não se trata de uma sintetização da realidade, mas um esquema de ação, no qual códigos compartilhados entre os membros de determinado grupo são evidenciados.4 Sendo prescritas por um conjunto de valores, é também por meio dos significados produzidos por elas que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. Assim, as representações sociais que surgem nas campanhas de CCU e HPV são tanto produzidas quanto produtoras de realidade. 14,15,16
Os cartazes que serão apresentados foram produzidos ao longo de conjunturas sociopolíticas bem distintas entre si. Paralelo às mudanças políticas, surgiram no cenário diversas campanhas privadas e não governamentais – o que nos parece bastante sintomático. Um contexto politicamente turbulento, como vivido nos últimos anos, produz posturas diferenciadas para lidar com questões de gênero, sexualidade e saúde reprodutiva. O modo como o Estado gesta políticas públicas em saúde e gere estratégias para efetivar o seu planejamento tanto é produzido por saberes e controle social quanto os produz.6
Optamos em analisar as campanhas seguindo uma ordem temática e não cronológica, pois foram as semelhanças temáticas que configuraram uma afinidade discursiva importante para a nossa investigação. O próprio movimento de criação das categorias nos permite traçar um fio condutor entre as campanhas.

Geracionalidade do cuidado [subtítulo]
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O movimento de transmissão do cuidado de uma geração para outra é uma representação bastante utilizada nas campanhas de caráter público e não governamental. De avó para mãe, de mãe para filha, sempre algo que se dá entre mulheres. Podemos notar abraços “verticalizados” que parecem criar uma hierarquização entre as gerações, enquanto nos abraços “horizontalizados” o cuidado entre gerações compartilha e promove uma atmosfera de sororidade entre mulheres que podem ser lidas como amigas ou mães e filhas. O conceito de sororidade tem sido difundido exponencialmente nos discursos feministas contemporâneos e tem como centralidade uma ideia de solidariedade específica entre as mulheres. Ao mesmo tempo, produz uma relação moral acerca do vínculo entre mulheres – apontando para uma maneira “correta” de agir umas com as outras.17
O cuidado e sua frequente associação ao domínio feminino e familiar reforça a ideia de que as crianças precisam ser cuidadas pelos adultos, bem como os mais velhos pelos mais novos. Nos cartazes do Ministério da Saúde esse tipo de discurso é muito utilizado em frases como “minha mãe me ensinou a valorizar a vida”, “minha filha nunca me deixou esquecer disso” e “proteja o futuro de quem você mais ama”, que ilustram uma enorme responsabilização da garantia de cuidado entre mães e filhas. Assim, acaba fortalecendo uma “reciprocidade de obrigações” e produz um forte apelo ao dever do cuidado – que confirmaria uma ideia de parentesco já estabelecido. Há uma inegável positividade moral depositada na ideia de cuidado18, especialmente no cuidado intergeracional entre mulheres. Notamos uma responsabilização individual que traduz o ato de cuidar como uma exclusividade das mulheres e, principalmente, das mães. O cuidado traduzido na forma de solicitude ao outro surge como uma consequência da experiência crucial da maternidade, a moralidade que surge nas campanhas é individualista e reafirma o mito do amor materno – incondicional, associado à abnegação pelo outro e “aureolado com o véu da moralidade”19.

Escolarização [subtítulo]
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O slogan “proteção para a menina, saúde para a mulher” somado ao excesso da cor rosa enfatizam uma lógica preventiva exclusiva para o gênero feminino. No primeiro cartaz surge uma figura que pode ser entendida como uma professora e os elementos ilustrados mostram que há uma valorização da pedagogia. Percebemos o ambiente escolar não apenas enquanto contexto, mas enquanto valor. O lugar-escola implica em uma prática educativa como algo que possibilita construir maneiras de ver a si e ao mundo, ao passo que esbarra em um espaço que é também vigilante e normatizador.20
No segundo e no terceiro cartaz, apesar da predominância do rosa ser substituída pelo cinza, ainda notamos repartições visíveis entre os gêneros. Se as meninas estão inseridas na feminilidade e no universo do cuidado “privado” (como presentear a professora com uma maçã), os meninos estão inseridos na masculinidade e no universo “público” (voltados para o esporte).
“Pais façam o seu dever de casa” é um imperativo para que os familiares sejam responsáveis pela administração do cuidado na vida dos filhos. Há uma ênfase sobre a ideia de que os pais devem cuidar no presente para garantir um futuro “saudável” e com os “riscos controlados” para os filhos. A frase sugere tanto que esta é uma tarefa que deve ser realizada no âmbito doméstico, quanto uma obrigação que é familiar. Ao passo que, quando discutido no ambiente familiar ou educacional, é comum que haja uma atmosfera de constrangimento compartilhada pelas crianças, pelos cuidadores e até mesmo pelos educadores. Afinal, todos os assuntos que atravessam a dimensão da sexualidade acabam sendo tratados enquanto tópicos “delicados”, “perigosos”, “imorais” e “poluentes”. 21

Infância e juventude [subtítulo]
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Tanto nas campanhas movidas pela instituição pública quanto pelas não-governamentais notamos o apelo à identidade infanto-juvenil para mobilizar o público. A frase “Cada menina é de um jeito, mas todas precisam de proteção” faz alusão a uma dimensão simultaneamente singular e generalista; enfatiza a construção plural das identidades de menina(s) mas, apesar das diferenças, todas devem se “proteger” (uma substituição para “prevenção”). Há uma construção representativa que parece intencionalmente borrar as categorias de infância e adolescência, apesar de já haver uma zona cinzenta entre elas. As meninas que surgem no cartaz representam personalidades estereotipadas (“rockeira”, “patricinha” e “estudiosa”), estão posicionadas de formas afins (deitadas, com as pernas cruzadas e sorrindo) – aspecto que nos remete ao “ritual da subordinação” onde mulheres tendem a ser posicionadas nas propagandas de modo mais submisso que os homens.22 Nos três perfis podemos encontrar itens em comum: pelúcias, cadernos, mochila e estojo com lápis –alusão ao universo infantil e ao contexto escolar.
No segundo cartaz, de caráter não-governamental, uma menina “boxeadora” golpeia o vírus “em defesa” da saúde. Não obstante, o recurso representativo utilizado (as luvas de boxe) remete mais ao universo esportivo adulto do que infanto-juvenil em si. O fato da campanha ser destinada ao universo adulto apenas reforça a concepção de que as crianças e adolescentes são sujeitos que necessariamente precisam ser tutelados e protegidos pelos cuidadores.
Nesse conjunto de campanhas existe um apelo tanto à questão da temporalidade (presente e futuro) quanto da construção identitária. O paradoxo que se coloca é que, se por um lado há uma certa “adultização” das crianças por meio da identidade profissional, por outro, debater sobre gênero e sexualidade na infância ainda é um tabu. Ainda há muita resistência em nossa cultura para incorporar os direitos sexuais a outros sujeitos de direitos que não os próprios adultos. 23

Gamificação [subtítulo]
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As campanhas produzidas a partir de 2017 passaram a incluir os meninos como público-alvo da vacina de HPV. Desde sua inicial distribuição no Brasil, em 2014, já existiam diversos questionamentos sobre a exclusão dos meninos. Porém, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) afirmava que não seria necessário incluí-los em um momento inicial – com argumentos de “custo-efetividade” e “impacto orçamentário”. A dimensão da idade é um aspecto importante que se modifica de 2017 para 2018, quando a faixa-etária para vacinação das meninas permanece a mesma (9-14 anos), mas a dos meninos é ampliada (de 12-13 anos para 11-14 anos). No documento “Vacina contra HPV na Prevenção do Câncer de Colo do Útero: Relatório de Recomendação da CONITEC”, a justificativa utilizada para explicar a faixa-etária das meninas considera “dados epidemiológicos e regionais sobre o comportamento sexual”.
O documento traça uma relação direta entre HPV e sexualidade das mulheres jovens, de forma a enfatizar que o programa de vacinação contra o HPV leva em consideração uma produção de dados sobre a “desinibição sexual” das meninas.24 No entanto, o próprio documento é contraditório, pois, apesar de sugerir que a idade da vacinação fosse de 10 e 11 anos, a vacinação efetivamente foi implantada de 9 a 13 anos nos primeiros anos de disponibilização no país. Em 2017, quando a vacinação foi ampliada para os meninos, diferentemente dos procedimentos seguidos para as meninas, não foram necessárias pesquisas sobre a “desinibição sexual” deles.
Com a inclusão dos meninos, o “universo cor-de-rosa” deu lugar para o “mundo azul” e as campanhas passaram a traçar uma comunicação direta com os usuários da vacina: o público infanto-juvenil. Nesse momento, passamos a perceber o uso da estética de “gamificação” que é quando elementos, estratégias e pensamentos dos jogos são implementados em outros contextos, mas mantendo a finalidade de resolução de problemas – por exemplo, o enfrentamento do vírus. A “gamificação” ajudou a construir uma abstração da realidade e uma linguagem em comum: o inimigo vírus passa a ser combatido pelo jogador através da vacina, representada por um coração com um desenho de um medicamento dentro. Frases como “não pule essa fase por nada” e do título de “vacinação” acompanhado por “é nessa fase que você fica mais forte” enfatizam a importância de enfrentar esse inimigo através de algo que deixará o jogador potencialmente mais forte através da vacina.25
A ação representada pelos personagens é bem evidente, tanto o menino quanto a menina surgem pulando, com braços e pernas abertas – embora, na terceira peça, a menina esteja atrás do menino e com os braços posicionados de uma forma que nos remete ao universo do balé ou da ginástica rítmica (ambos contextos considerados “femininos”). As roupas possuem mais semelhanças e o cenário é construído com tons azulados, ajudando a produzir uma imersão em um universo digital. Nesta campanha, de caráter público, risco e cuidado ganham a linguagem da aventura, de games e séries, para se comunicarem diretamente com crianças e adolescentes.

Risco à saúde [subtítulo]
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A campanha “HPV pode acontecer”, desenvolvida em 2020 pela empresa farmacêutica MSD (Merck Sharp & Dohme Corp.), busca expandir o perfil de interlocutores, pois a partir desse momento a faixa-etária e o público-alvo da vacina foram ampliados. Além das Unidades Básicas de Saúde (UBS), a vacina de HPV é disponibilizada por clínicas e laboratórios privados. A definição de público-alvo para esse tipo de vacina é bastante elástica, pois depende do equipamento de saúde (público ou privado) que está ofertando. O SUS oferece a vacina para meninas entre 9 e 14 anos, meninos entre 11 e 14, e mulheres com imunossupressão (portadoras de HIV/Aids, transplantadas e portadores de câncer) até os 45 anos de idade. As clínicas privadas, por sua vez, somam a esse grupo etário mulheres de até 45 anos e homens de até 26 anos. Mesmo fora da faixa etária preconizada, ambos os sexos podem fazer uso da vacina se apresentarem uma prescrição médica em qualquer equipamento.
A campanha situa a vacinação como aspecto constituinte de um determinado estilo de vida; reforça também o estereótipo de que o “jovem moderno” é um sujeito preocupado com a sua saúde e que possui capacidade para gerir possíveis riscos. Os protagonistas dessas campanhas são jovens adultos semelhantes em seu perfil “descolado”, mas heterogêneos em termos de raça/cor. Há uma estratégia de familiarizar o usuário com as imagens representadas que propicia uma identificação por parte do receptor. Cabe destacar que o grupo social constituído pelos usuários das vacinas privadas é um marcador fundamental.
O tom violeta das imagens substitui o rosa e o azul das peças públicas. Lembremos que o roxo/lilás é uma cor representativa do movimento feminista, desde o sufrágio feminino no início do século XX. Podemos supor, então, que o roxo remete ao feminismo e que faz parte desse mosaico de uma construção não apenas identitária, mas também sociopolítica desse jovem.
A repetição do “pode acontecer” é evidentemente proposital. O investimento no argumento da imprevisibilidade do futuro é uma condição importante para aderir à vacina. Há uma articulação direta entre responsabilidade individual, escolhas conscientes e controle dos riscos26. Se as campanhas públicas costumam acionar a noção de proteção, as privadas mobilizam a noção de risco. Ao se voltar para um público de jovens adultos, a campanha da MSD enfatiza um cálculo de risco de forma mais explícita, falando de doenças às quais qualquer um pode estar submetido.

Saúde do homem [subtítulo]
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Do ponto de vista histórico, a criação de políticas de saúde voltadas para “populações específicas” é recente na saúde pública nacional. O objetivo da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), criada em 2009 pelo Ministério da Saúde, era “politizar e sensibilizar homens para o reconhecimento e a enunciação de suas condições sociais e de saúde, para que advenham sujeitos protagonistas de suas demandas, consolidando seu exercício e gozo dos direitos de cidadania”.27 A saúde do homem surge, então, enquanto uma resposta para tentar resolver os comportamentos de risco adotados pelos próprios sujeitos masculinos naturalizadas pelos discursos de uma masculinidade hegemônica. Entendemos aqui a masculinidade hegemônica enquanto “um modelo construído a partir de narrativas presentes na cultura que informam como os homens devem ser, como se comportar, do que devem gostar, do que se aproximar ou se afastar, tendo como referência as mulheres”.29
A chave da estética e do risco são protagonistas das campanhas de 2018 e 2020, do laboratório Hermes Pardini e da farmacêutica MSD. Cabe destacar que a ideia de medicalização mais contemporânea incorpora o discurso da estética e do risco à saúde também para o público masculino – os homens tornam-se novos consumidores de bens e serviços (principalmente privados). Os serviços de saúde e estética, anteriormente voltados quase que exclusivamente às mulheres, não são mais percebidos como cuidados intrinsecamente femininos.28 Há um investimento muito maior em um cuidado específico aos homens e específico às mulheres, e a própria categoria de cuidado parece sofrer uma generificação nesse sentido.
Nas campanhas da 2018 da Hermes Pardini há uma construção muito explícita de um determinado estilo de vida que engloba dimensões como juventude, atividade física, corpo magro, branco, padrões de beleza e classe social. Os elementos ilustrados ajudam a construir o imaginário do que seria esse homem implicado com a sua saúde. Da mesma forma, o discurso do risco, expressado pela MSD na campanha de 2020, também captura apenas uma parte dos homens brasileiros (jovens, urbanizados, escolarizados, etc.). Não por acaso, essas são características que marcam a aparência dos atores escolhidos para a campanha.
A valorização da juventude masculina é utilizada muitas vezes como justificativa no processo de biomedicalização30, focando na saúde e no aprimoramento – que passam a ser responsabilidades dos próprios sujeitos. O imperativo moral faz com que sejam levados a uma gestão contínua do próprio corpo.
Há uma distância entre a construção de masculinidade dos homens que não acessam (por numerosas razões) o serviço de saúde público em relação aos homens que buscam, ativamente, o serviço de saúde privado. Os sujeitos que surgem nas campanhas privadas não são os mesmos sujeitos que a PNAISH estava inicialmente preocupada, em termos de vulnerabilidade. De todo modo, os homens representados nessas campanhas privadas são exatamente os homens que os laboratórios e clínicas consideram como potenciais usuários dos seus serviços.

Conclusões

As campanhas de HPV parecem ter sido desinvestidas ao longo dos anos pelas políticas públicas em saúde no Brasil. Em paralelo, identificamos um crescimento de campanhas desenvolvidas por organizações privadas e não governamentais. A lógica de uma economia neoliberal tem produzido impactos significativos no campo da saúde, não apenas tornando a saúde um bem a ser adquirido como também influenciando os modos de comunicação e práticas em saúde. O alargamento das faixas etárias indicadas e o aumento de potenciais consumidores podem ter contribuído para a criação de um novo nicho de mercado. Se no início de 2014 a vacina de HPV era destinada para uma categoria populacional bem específica, com o passar do tempo essa categoria foi se ampliando e fagocitando novos usuários, isto é, novos consumidores.
O discurso medicalizante que surge sobre os corpos femininos e masculinos não é homogêneo; na realidade, são apresentadas finalidades e justificativas bem distintas. Do excessivo e contínuo escrutínio do corpo feminino até um fenômeno de emergência da medicalização do corpo masculino, notamos que há uma relação co-construtiva31 e coprodutiva32 entre tecnologias médico-científicas, Estado e usuários – envolvendo marcadores sociais da diferença, como gênero, geração, classe, raça/cor, classe, etc.
Apesar da inclusão do público masculino, bem como do surgimento de alguma diversidade racial, há uma série de silêncios e ausências tanto nas campanhas públicas quanto privadas: as imagens são voltadas para corpos cisgênero e heterossexuais.
A vacina de HPV surge nesse cenário como uma tecnologia de saúde e de gênero, inclinando-se de diferentes formas a depender do seu referente. A vacina de HPV tem uma inclinação maior para mulheres jovens e o exame preventivo para mulheres adultas e, em muitos momentos, o discurso do Estado fica dúbio, fazendo parecer que a vacina de HPV, por si só, garante o não desenvolvimento de um câncer uterino. Mas, no discurso privado, encontramos uma ideia de “controle da possibilidade de adoecimento futuro” ou da diminuição do risco. Percebemos também o desinvestimento para outras medidas preventivas importantes, como o exame citopatológico (Papanicolaou) ou até mesmo o uso de preservativos.
Comparando as campanhas públicas e não governamentais, elas não possuem discursos e estratégias comunicativas tão diferentes assim. Para que as representações sejam mais contemporâneas há uma reatualização constante de elementos, mas que continuam afirmando valores tradicionais de desigualdade entre os gêneros.
Notamos uma generificação da própria vacina, quando as campanhas são destinadas ao público masculino sempre remetem a uma esfera de produção (de saúde, estilo de vida, autonomia) e a vacina de HPV surge enquanto um benefício (redução dos riscos); mas, para as mulheres, as campanhas enfatizam a reprodução (biológica) e prevenção de doenças (o câncer).
A vacina de HPV possui uma grande especificidade em relação a outras vacinas por atravessar o território da sexualidade com o público infanto-juvenil. Mas, o discurso estatal parece ocultar algumas discussões necessárias sobre educação sexual, além de evidenciar um grande temor ao “pânico moral”.23 Uma das principais estratégias de marketing das empresas foi dessexualizar as vacinas e vendê-las como prevenção de câncer cervical, acrescentamos que mais do que uma (des)sexualização, há uma assexualização das campanhas. 33
Podemos notar isso na própria mudança de vocabulário: para mulheres adultas o termo utilizado é “câncer uterino”, com crianças e pré-adolescentes há um eufemismo para “vírus de HPV” (todavia, oculta-se o fato do vírus ser uma IST); o risco se transforma em “proteção”. As campanhas públicas e não governamentais acionam muito mais a noção de cuidado e de proteção (substituindo o termo prevenção) enquanto as campanhas privadas optam pela linguagem do risco e do benefício.
A gramática do “autocuidado” e do “investimento em si” marca uma retórica bastante contemporânea e desvela uma lógica de mercantilização da saúde produzida pelo modo de economia neoliberal, além de reforçar a ideia de que a responsabilidade individual.
Paralelo ao desinvestimento por parte do Estado e a diminuição na produção das campanhas públicas, notamos um maior investimento de clínicas, laboratórios e indústrias farmacêuticas privados na produção de propagandas. A descontinuidade que se demonstra ao longo do tempo nas campanhas de HPV e CCU, nos leva a crer que essas políticas preventivas em saúde tratam-se de políticas de governo e não políticas de Estado. Sobretudo, que elas se fazem pelas ausências, pois o não-fazer também é uma forma de governo.
Por fim, dialogamos diretamente com uma perspectiva crítica acerca da centralidade que a capacidade reprodutiva feminina ocupa no universo da saúde da mulher. O próprio movimento que realizamos de colocar as políticas de saúde em questão faz com que este trabalho também produza uma forma de politizar o útero. De todo modo, isso não nos parece um demérito. Assumimos um posicionamento ético-científico e apostamos em uma politização do útero que esteja alinhada aos estudos de gênero, a uma ciência feminista que reivindica equidade social e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Nossa pesquisa nasce a partir da concepção de que o útero é um órgão político.
Referências

1 Lauretis TD. A tecnologia do gênero. Tradução de Suzana Funck. In: HOLLANDA, H. (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

2 Manica DT. Estranhas entranhas: de antropologias, e úteros. Amazônica – Revista de Antropologia. V. 10, n. 1, p. 22-41. Agosto, 2018.

3 (Texto da autora do artigo)

4 Moscovici S. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.

5 Tempesta GA, Carneiro RG, Fleischer SR. Das múltiplas faces da fertilidade: Pensando uma antropologia dos úteros. Amazônica - Revista de Antropologia, [S.l.], v. 10, n. 1, p. 11-19, ago. 2018.

6 Lima, ACS. Gestar e gerir: estudos para uma antropologia da administração pública no Brasil / Antonio Carlos de Souza Lima (organizador). Rio de Janeiro: Relumé Dumará: Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2002.

7 Teixeira LA. Dos gabinetes de ginecologia às campanhas de rastreamento: a trajetória da prevenção ao câncer de colo do útero no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.1, jan.-mar. 2015a, p.221-240.

8 Rohden F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.

9 Martins AP. A ciência dos partos: visões do corpo feminino na constituição da obstetrícia científica no século XIX. Revista Estudos Feministas, n. 13, v. 3, p. 645-665, 2005.

10 Manica DT. Contracepção, natureza e cultura: embates e sentidos na etnografia de uma trajetoria. 2009. 318 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, SP.

11 Brandão ER., Pimentel ACL. Essure no Brasil: desvendando sentidos e usos sociais de um dispositivo biomédico que prometia esterelizar mulheres. Saúde Soc., v. 29, n. 1, 2020.

12 Nascimento NNC. Contraceptivos hormonais reversíveis de longo prazo (LARC): análise socioantropológica das controvérsias que cercam sua circulação no âmbito do Sistema Único de Saúde no Brasil. Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020.

13 Pimentel AC, Janotti CB., Gaudenzi P., Teixeira LA. A breve vida do Norplant® no Brasil: controvérsias e reagregações entre ciência, sociedade e Estado. Ciênc. saúde coletiva, v.22, n.1, p.43-52, 2017.

14 Sacramento I, Borges WC. Representações midiáticas da saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020.

15 Azize RL, Araújo ES. A pílula azul: uma análise de representações sobre masculinidade em face do Viagra. Antropolítica, Niterói, v. 14, p. 133-51, 2003.

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29 Ribeiro CR, Russo J. Negociando com os leitores: o “novo” e o “antigo” homem nos editoriais da revista Men’s Health. Cadernos Pagu. Campinas, v. 42, jan-jun., 2014.

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32 Jasanoff S. States of knowledge: The co-production of science and social order. London: Routledge, 2004.

33 Santos AB. A Incorporação da Vacina HPV no SUS: Práticas de Estado, conhecimentos científicos e produção da diferença sexual nos documentos para implantação da política de saúde. Dissertação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Porto Alegre, 2017.



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Vieira, J. R., Azize, R. L., Nucci, M. F.. Entre tecnologias de gênero e da saúde: uma análise das campanhas preventivas de HPV e câncer no colo do útero de 2014 a 2020. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/mai). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/entre-tecnologias-de-genero-e-da-saude-uma-analise-das-campanhas-preventivas-de-hpv-e-cancer-no-colo-do-utero-de-2014-a-2020/19229?id=19229&id=19229

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