0248/2024 - FATORES ASSOCIADOS À INJÚRIA RENAL AGUDA EM PESSOAS IDOSAS HOSPITALIZADAS: REVISÃO INTEGRATIVA
FACTORS ASSOCIATED WITH ACUTE KIDNEY INJURY IN HOSPITALIZED ELDERLY: INTEGRATIVE REVIEW
Autor:
• Camilla de Godoy Maciel - Maciel, C. G. - <camilla.godoy@ufpe.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4258-8490
Coautor(es):
• Eliane Maria Ribeiro Vasconcelos - Vasconcelos, E.M.R. - <emr.vasconcelos@gmail.com>• Belvania Ramos Ventura da Silva Cavalcanti - Cavalcanti, B. R. V. S. - <ventura.bel@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0262-9024
• Emilly Nascimento Pessoa Lins - Lins, E. N. P. - <emilly160599@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4782-407X
• Anna Karla de Oliveira Tito Borba - Borba, A.K.O.T - <anna.tito@ufpe.br>
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9385-6806
Resumo:
Objetivo: Identificar os fatores associados à injúria renal aguda em pessoas idosas hospitalizadas. Método: Realizou-se uma revisão integrativa nas bases PubMed, LILACS, Web of Science, Embase e Scopus, sem restrição temporal ou de idioma, utilizando a chave de busca \"Aged\" OR \"Aged, 80 and over\" AND \"Acute Kidney Injury\" AND \"Hospitalization\". Resultados: Foram selecionados 20 artigos para compor a amostra final, após a aplicação dos critérios de elegibilidade. Predominaram estudos de coorte (n=18) e caso-controle (n=2), de nível de evidência IV. Os fatores associados à injúria renal aguda em pessoas idosas hospitalizadas incluíram sexo masculino, faixa etária entre 70 e 80 anos, hipertensão arterial sistêmica, doença cardiovascular/insuficiência cardíaca, perda sanguínea estimada/sangramento maior, hemotransfusão peri-procedimento, taxa de filtração glomerular estimada < 70 e baixa albumina sérica peri-operatória. Conclusão: A injúria renal aguda em pessoas idosas hospitalizadas é uma síndrome multifatorial associada a fatores sociodemográficos, clínicos, cirúrgicos e laboratoriais, exigindo estratégias personalizadas e preventivas para mitigar os riscos associados à sua ocorrência. Isso é essencial para promover uma abordagem holística e eficaz no cuidado desses indivíduos vulneráveis.Palavras-chave:
Injúria renal aguda; Fatores de risco; Idoso; Hospitalização; RevisãoAbstract:
Objective: To identify factors associated with acute kidney injury in hospitalized elderly people. Method: An integrative review was carried out in the PubMed, LILACS, Web of Science, Embase and Scopus databases, without temporal or language restrictions, using the search key “Aged” OR “Aged, 80 and over” AND “Acute Kidney Injury” AND “Hospitalization”. Results: 20 articles were ed to compose the final sample, after applying the eligibility criteria. Cohort (n=18) and case-control (n=2) studies with level of evidence IV predominated. Factors associated with acute kidney injury in hospitalized elderly people included male gender, age group between 70 and 80 years, systemic arterial hypertension, cardiovascular disease/heart failure, estimated blood loss/major bleeding, peri-procedural blood transfusion, estimated glomerular filtration rate < 70 and low perioperative serum albumin. Conclusion: acute kidney injury in hospitalized elderly people is a multifactorial syndrome associated with sociodemographic, clinical, surgical and laboratory factors, requiring personalized and preventive strategies to mitigate the risks associated with its occurrence. This is essential to promote a holistic and effective approach to caring of these vulnerable individuals.Keywords:
Acute kidney injury; Risk factors; Elderly; Hospitalization; ReviewConteúdo:
A Injúria Renal Aguda (IRA) é uma síndrome clínica, sistêmica e multifatorial que resulta na deterioração da função renal em um período de 48 horas. Isso leva à retenção de escórias nitrogenadas, metabólitos e à redução do volume urinário, apresentando uma alta incidência e uma elevada taxa de mortalidade em pessoas idosas hospitalizadas1. A alta prevalência da IRA nessa população é justificada pelas alterações anatômicas e fisiológicas decorrentes do envelhecimento, pela presença de múltiplas doenças e pelo uso de múltiplos medicamentos, fatores que tornam esse grupo mais vulnerável à injúria renal2.
Quanto à sua etiologia, a IRA pode ser classificada como pré-renal, renal ou pós-renal. A IRA pré-renal ocorre devido à depleção do volume corporal e do fluxo sanguíneo renal, como observado em casos de desidratação, uso de diuréticos e insuficiência cardíaca. A causa intrínseca renal é resultado de fatores que afetam diretamente os rins (túbulos, interstício, vasos ou glomérulo) e pode ter origem isquêmica ou nefrotóxica, sendo a necrose tubular aguda a principal causa. O fator pós-renal é causado pela obstrução do trato urinário (como câncer de próstata, hipertrofia prostática, câncer de colo de útero) ou intratubular (obstrução do fluxo do fluido tubular), como no caso de litíase renal3.
Dados epidemiológicos indicam que a IRA afeta mais de 13 milhões de pessoas em todo o mundo, resultando em óbito para cerca de 1,7 milhão delas4. Sabe-se que sua prevalência varia de acordo com a população estudada e o protocolo utilizado para diagnóstico e estadiamento, sendo observada em cerca de 7 a 18% dos pacientes hospitalizados, sendo metade desses em Unidades de Terapia Intensiva (UTI)5.
No contexto brasileiro, houve um aumento significativo na incidência da IRA, refletido no número de internações, que alcançou 34.106 hospitalizações (37%) entre os anos de 2012 e 2022. A região Sudeste do país foi responsável por aproximadamente 46% dessas internações. Nos últimos 10 anos, os anos de 2021 e 2022 registraram o maior número de óbitos, com 15.512 e 15.813 casos, respectivamente. Isso representa um aumento expressivo de 4.684 casos (42%) se comparado ao período de 2012 a 20226.
Considerando a significância e o impacto da IRA na população idosa hospitalizada, bem como a heterogeneidade e complexidade dos fatores associados, é crucial reconhecer as evidências disponíveis na literatura para incentivar a análise crítica sobre o tema e ampliar o conhecimento científico dos profissionais que prestam assistência a essa população. Diante dessas considerações, este estudo tem como objetivo identificar os fatores associados à IRA em pessoas idosas hospitalizadas por meio de uma revisão integrativa da literatura.
2. MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa, cuja finalidade consiste em compilar os principais resultados de estudos encontrados na literatura, a fim de propiciar um amplo conhecimento acerca de determinada temática, fornecer evidências científicas e subsídios para a tomada de decisões na prática em saúde7.
O presente estudo foi desenvolvido em seis etapas: identificação do tema e formulação da pergunta de pesquisa; seleção das bases de dados e estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos primários; definição das informações a serem extraídas e categorização dos estudos selecionados; avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos na revisão; interpretação dos resultados; apresentação da revisão e síntese do conhecimento8. A primeira etapa consistiu em formular a questão norteadora da pesquisa, com base no acrônimo da estratégia PICo, onde a população (P) representa pessoas idosas, a intervenção (I) os fatores associados à IRA e o contexto (Co) hospital. Através desta ferramenta, surge a seguinte pergunta norteadora: “Quais os fatores associados à IRA em pessoas idosas hospitalizadas, descritos em estudos epidemiológicos analíticos?”. A partir da questão de pesquisa, foram estabelecidos os critérios de elegibilidade para busca e seleção dos estudos primários, onde foram considerados elegíveis os estudos epidemiológicos observacionais do tipo coorte, caso-controle ou transversal, publicados na íntegra, sem recorte temporal e de idiomas; assim como estudos que analisaram fatores associados em pessoas idosas hospitalizadas, tendo como desfecho principal a IRA intra-hospitalar. Entende-se por IRA quando há o aumento da creatinina sérica de 0,3 mg/dl em 48 horas, ou aumento de 1,5 vezes na creatinina sérica basal (conhecida ou pré-determinada dos últimos sete dias) e/ou redução do débito urinário inferior a 0,5 mL/kg/h durante seis horas1. Os critérios de exclusão compreenderam: estudos com pessoas idosas diagnosticadas com outras doenças; artigos indisponíveis na íntegra para leitura; estudos sem análise multivariada; estudos com população especial (pessoas idosas institucionalizadas ou em cuidados de saúde domiciliar), bem como estudos compostos por pessoas idosas com Taxa de Filtração Glomerular (TFG) inferior a 30 ml/min/1,73 m2 (estágio quatro e cinco da Doença Renal Crônica (DRC)), antes da incidência da IRA.
A busca dos artigos foi realizada por meio da identificação das palavras-chave indexadas aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e ao Medical Subject Headings (MeSH), articuladas pelo cruzamento com os operadores boleanos “OR” e “AND”, resultando na chave de busca geral “Aged” OR “Aged,80 and over” AND “Acute Kidney Injury” AND “Hospitalization”, com adaptação para as bases de dados incluídas no estudo.
O levantamento bibliográfico ocorreu no dia 27 de setembro de 2022, e foram consultadas as seguintes bases de dados eletrônicas: National Library of Medicine and National Institutes of Health (PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Institute for Scientific Information Web of Knowledge (Web of Science), Excerpta Medica Database (Embase) e Scopus, totalizando 5342 artigos. Não foram utilizados filtros para as buscas, com o objetivo de obter o maior número possível de estudos.
Após a identificação dos estudos primários, estes foram exportados para o aplicativo Intelligent Systematic Review (Rayyan), desenvolvido pelo Qatar Computing Research Institute (QCRI), sendo uma ferramenta auxiliar para armazenamento, organização e seleção dos artigos9. Em seguida, as duplicidades foram removidas. Esta etapa foi realizada por pares, onde dois revisores procederam à leitura independente de títulos e resumos (fase de triagem), avaliando-os através da análise de compatibilidade destes com o tema e os critérios de elegibilidade da revisão, e, mediante a presença de conflitos na avaliação, estes foram julgados por um terceiro revisor. Os artigos selecionados após a leitura de títulos e resumos foram posteriormente submetidos à leitura na íntegra para avaliação.
Foram identificados 5342 artigos nas bases de dados selecionadas, dos quais 1094 estavam duplicados e foram excluídos, totalizando 4248 estudos para análise. Após a fase de leitura de títulos e resumos, 2890 estudos foram deletados por não atenderem aos critérios de elegibilidade; outros 902 foram deletados por não estarem disponíveis na íntegra, e 400 estudos não foram incluídos por não responderem à pergunta de pesquisa. Com isso, restaram 56 artigos para o procedimento de leitura na íntegra e avaliação dos critérios de elegibilidade, sendo deletados 36 estudos por incompatibilidade com os critérios de inclusão da presente revisão, resultando em uma amostra final de 20 artigos.
Observa-se a seguir o fluxograma da seleção dos estudos primários, realizado conforme as normas do guia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)10.
A fim de caracterizar os estudos selecionados, foi realizada a extração dos dados por meio do registro em um formulário adaptado11, contendo os respectivos itens: autores, ano de publicação, objetivos, procedimentos metodológicos (desenho do estudo e amostra) e fatores associados à IRA. Vale ressaltar que esta etapa de avaliação dos artigos e extração dos dados também foi executada por dois revisores, de forma independente, e os conflitos foram julgados por um terceiro revisor.
A avaliação da qualidade metodológica dos estudos foi realizada mediante o uso da ferramenta do Critical Appraisal Skill Programme (CASP)12, sendo realizada por dois pesquisadores, de forma independente, e as divergências foram resolvidas por um terceiro pesquisador, com a finalidade de dirimir o viés de seleção dos estudos, para alcançar uma maior robustez metodológica.
Para avaliar o nível de evidência dos estudos, foi utilizada a classificação da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), onde: 1) revisão sistemática ou metanálise; 2) ensaios clínicos randomizados; 3) ensaio clínico sem randomização; 4) estudos de coorte e de caso-controle; 5) revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; 6) estudo descritivo ou qualitativo; e 7) opiniões de autoridades e/ou relatórios de comitês de especialidades13.
Os estudos sobre os fatores associados à IRA intra-hospitalar em pessoas idosas foram sumarizados e classificados de acordo com o tipo de fator associado encontrado. Posteriormente, os resultados foram interpretados, e houve a síntese do conhecimento acompanhada da discussão da literatura.
Devido à natureza secundária do presente estudo, ele não foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). No entanto, é válido ressaltar que todos os preceitos éticos foram respeitados, tendo em vista a legitimidade das informações para o tratamento dos dados, análise e discussão.
3. RESULTADOS
Os estudos incluídos na presente revisão foram publicados em revistas internacionais, predominantemente em língua inglesa, contendo apenas um artigo em espanhol. Quanto ao ano de publicação, 50% dos estudos foram publicados entre 2019 e 2020, com três artigos em 2021, dois em 2017 e um artigo para cada um dos anos seguintes: 2010, 2011, 2012, 2015 e 2016. Os estudos selecionados foram conduzidos nos seguintes países: Estados Unidos da América (três), Coreia do Sul (três), China (dois), Austrália (dois), Inglaterra (dois), Turquia (dois), Dinamarca (um), Israel (um), Canadá (um), México (um), Itália (um) e Índia (um). Todos os artigos incluídos eram de natureza quantitativa, e seus objetivos correspondiam à questão de pesquisa.
A qualidade metodológica foi analisada nos 20 estudos, conforme evidenciado na Tabela 1. Mediante a análise do rigor metodológico dos 20 estudos selecionados, 12 destes apresentaram desfechos parciais; no entanto, todos obtiveram desfechos compatíveis com os objetivos propostos, sendo então incluídos na presente revisão.
Os artigos selecionados abordaram como principais temas a incidência da IRA e seus fatores associados, bem como prognóstico, impacto clínico e econômico. A síntese dos dados e o nível de evidência científica de cada artigo selecionado estão descritos na Tabela 2.
Os fatores associados à IRA em pessoas idosas hospitalizadas estão inseridos e categorizados na Tabela 3. Para uma melhor dinâmica e compreensão acerca dos fatores citados, os estudos foram agrupados em cinco categorias: sociodemográficas (cinco), comportamentais (um), clínicas (15), cirúrgicas (cinco) e laboratoriais (nove).
Os resultados desta revisão integrativa revelaram uma gama abrangente de variáveis associadas à ocorrência de IRA em pessoas idosas hospitalizadas. Entre os fatores destacados, o sexo masculino demonstrou ser um preditor significativo, sugerindo uma possível predisposição de gênero para o desenvolvimento da IRA nessa população. Além disso, a faixa etária entre 70 e 80 anos emergiu como um intervalo crítico, indicando uma maior suscetibilidade nesse grupo etário específico.
Condições clínicas preexistentes, como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Doença Cardiovascular (DCV)/Insuficiência Cardíaca (IC), foram consistentemente identificadas como fatores de risco importantes. Resultados cirúrgicos, incluindo perda sanguínea estimada/sangramento maior e Hemotransfusão (HTF) peri-procedimento, destacaram-se como eventos cruciais relacionados à IRA. Além disso, parâmetros laboratoriais, como Taxa de Filtração Glomerular estimada (TFGe) < 70/TFGe/TFG e baixo nível de albumina sérica perioperatória, demonstraram ter relevância clínica na predição da ocorrência de IRA.
4. DISCUSSÃO
A presente revisão integrativa proporcionou uma análise abrangente das variáveis sociodemográficas, comportamentais, clínicas, cirúrgicas e laboratoriais associadas à incidência de IRA em indivíduos idosos durante o período de hospitalização. Os resultados revelaram que diversos fatores desempenham papéis significativos nesse cenário complexo, destacando-se notadamente o sexo masculino e a faixa etária compreendida entre 70 e 80 anos.
O sexo masculino foi um fator sociodemográfico encontrado nos estudos analisados com maior prevalência na ocorrência da IRA, quando comparado ao sexo feminino. Estudo realizado em uma UTI também encontrou a predominância da população masculina (62,2%) sendo acometida pelo insulto renal5. Essa maior incidência pode ser justificada pelo fato de os homens serem mais expostos a uma maior variedade de fatores predisponentes, como etilismo, tabagismo, obesidade, HAS, Diabetes Mellitus (DM), entre outros34. Desta forma, a vulnerabilidade contínua a esses agravos, aliados à menor adesão aos serviços de saúde e ao caráter silencioso da respectiva patologia, dificultam o rastreio e detecção precoce da alteração da função renal, repercutindo no diagnóstico tardio da IRA e pior prognóstico35.
A idade avançada foi intimamente relacionada à fisiopatogenia da injúria renal nesta revisão, sendo identificada como um fator de risco independente para a sua ocorrência, apresentando alta incidência e morbimortalidade36. Um estudo brasileiro, realizado no Espírito Santo (ES), constatou esse dado, onde a população afetada estava inserida na faixa etária entre 70 e 86 anos, rechaçando a progressão da idade como precursora da IRA37. Outro estudo, realizado em UTI obteve dados semelhantes em sua pesquisa, evidenciando a predominância de pessoas idosas acometidas com disfunção renal38.
A predisposição para IRA na população idosa é justificada pelo processo de envelhecimento, onde os rins sofrem alterações morfofuncionais, como glomeruloesclerose, alterações vasculares intrarrenais, perda progressiva de néfrons e redução da TFG36. A maior prevalência de comorbidades e polifarmácia associada, podem potencializar o risco para nefrotoxicidade e IRA, devido à farmacocinética e farmacodinâmica alteradas neste grupo etário35.
Condições clínicas preexistentes, como HAS e DCV/IC, emergiram como elementos-chave associados à ocorrência da IRA. Esse achado foi reportado de modo semelhante em uma revisão sistemática, onde ambas as patologias foram apontadas como precursoras para a instalação da IRA em pacientes hospitalizados, estando relacionadas a desfechos negativos38. É sabido que estas doenças crônicas são conhecidas na dinâmica da injúria renal, onde a HAS prolongada ocasiona lesão endotelial e formação de placas ateromatosas, causando prejuízo no mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo dos rins, culminando em hipoperfusão e isquemia renal. De maneira similar, a DCV/IC, em decorrência de alterações vasculares, fração de ejeção reduzida, baixo débito cardíaco e alterações hemodinâmicas, traduz-se em redução do fluxo sanguíneo renal, desencadeando dano aos rins39.
Adicionalmente, eventos cirúrgicos, como perda sanguínea estimada/sangramento maior e HTF peri-procedimento, demonstraram ser fatores de relevância. As perdas volêmicas se enquadram como uma das causas mais comuns de IRA pré-renal na prática hospitalar, estando entre as principais: desidratação por diarreia e vômitos, hemorragias e queimaduras, resultando em redução da volemia corpórea, depleção do volume plasmático renal e consequente diminuição da TFG4.
Na presente revisão, a perda sanguínea estimada/sangramento maior teve associação importante com a IRA. Em concordância com este achado, estudo aponta a hipovolemia secundária a sangramentos maiores como causa pré-renal, desencadeando aumento das escórias nitrogenadas e disfunção renal40. No âmbito internacional, pesquisa destaca que hemorragias no intra ou pós-operatório estão inter-relacionadas à IRA e possuem natureza multifatorial. O prolongamento do tempo cirúrgico ou reabordagem cirúrgica para controle de sangramento, bem como probabilidade aumentada de hipotensão, culminam em vasoconstrição intrarrenal, baixa perfusão e isquemia41.
A perda sanguínea importante requer a necessidade de HTF, sendo mais um agravante e preditor para o dano renal. Os estudos analisados identificaram a HTF peri-procedimento como um importante fator predisponente para a IRA. Um estudo desenvolvido em Brasília revelou que 57% dos pacientes que desenvolveram injúria renal necessitaram de transfusão sanguínea42, rechaçando a associação entre as variáveis citadas identificadas nesta revisão. É visto que a HTF periprocedimento está substancialmente associada à IRA, através do mecanismo de propagação da resposta inflamatória sistêmica, ocasionando edema e lesão tecidual nos rins. Além disso, infere-se que a quantidade de transfusão realizada esteja diretamente relacionada ao maior risco de injúria renal43.
A avaliação laboratorial também desempenhou um papel crucial, onde a TFGe < 70 / TFGe / TFG esteve associada à IRA em pessoas idosas hospitalizas, evidenciando que os indivíduos com comprometimento da função renal basal são mais propensos a desenvolver IRA após exames contrastados e cirurgias. A redução aumentada da TFGe vulnerabiliza a pessoa idosa a desenvolver tal síndrome, tendo em vista a presença de alterações morfofuncionais, redução do número de néfrons funcionantes e queda do filtrado glomerular, previstas em decorrência do processo de senescência36. Esta condição é agravada mediante a exposição a agentes que propiciem o dano renal. A TFG é influenciada por fatores como idade, sexo e raça, podendo sofrer alterações negativas diante de multimorbidades crônicas e internamento prolongado. Evidências científicas revelam que a queda no Ritmo de Filtração Glomerular (RFG) prevê disfunção renal e maior morbimortalidade35,44.
O baixo nível de albumina sérica peri-operatória emergiu como indicador significante na predição da IRA intra-hospitalar em indivíduos idosos hospitalizados, estando vinculado a desfechos negativos. Sabe-se que a injúria renal possui efeito deletério no metabolismo dos nutrientes corporais, desencadeando um estresse oxidativo, hipercatabolismo e estado pró-inflamatório, sendo acentuada pelas complicações das patologias de base encontradas nas pessoas idosas, contribuindo para desnutrição e hipoalbuminemia nessa população45.
A hipoalbuminemia perioperatória aumenta as chances de ocorrência de disfunção renal dialítica e incorre em maiores taxas de mortalidade e hospitalizações prolongadas46. Portanto, é preditiva a vigilância e monitoração dos níveis séricos desta proteína no pré e pós-operatório, para correção oportuna, a fim de evitar desfechos deletérios na função renal, tendo em vista que a albumina sérica é um importante indicador de mortalidade pós-operatória.
Este conjunto abrangente de variáveis destaca a necessidade premente de uma abordagem multifatorial na compreensão e prevenção da IRA em um contexto hospitalar, enfatizando a importância da identificação precoce e manejo adequado desses fatores de risco específicos.
Embora esta revisão tenha sido desenvolvida com rigor científico e metodológico, algumas limitações foram identificadas. Salienta-se a deficiência quantitativa de artigos acerca dos fatores associados à IRA em pessoas idosas na literatura internacional e brasileira. Destaca-se também a existência de estudos com dados agregados a adultos e crianças, dificultando a análise dos fatores na população estudada, por ter mesclagem populacional, sugerindo a realização de pesquisas futuras comparando estes grupos separadamente.
5. CONCLUSÃO
Em conclusão, os achados desta revisão integrativa fornecem uma visão abrangente das variáveis determinantes associadas à IRA em pessoas idosas durante o período de hospitalização. A identificação do sexo masculino como um preditor significativo e a evidência de uma faixa etária crítica entre 70 e 80 anos destacam a importância de abordagens diferenciadas com base em características sociodemográficas específicas. A consistente associação de condições clínicas preexistentes, como HAS e doença cardiovascular, reforça a necessidade de uma abordagem integrada na gestão desses pacientes.
Resultados cirúrgicos, incluindo perda sanguínea estimada/sangramento maior e HTF peri-procedimento, ressaltam a importância da vigilância e prevenção de complicações durante intervenções médicas. Adicionalmente, a relevância clínica de parâmetros laboratoriais, como a TFGe e o baixo nível de albumina sérica perioperatória, sublinha a importância da monitorização contínua e intervenções precoces. Em conjunto, esses resultados enfatizam a necessidade urgente de estratégias personalizadas e preventivas para mitigar os riscos associados à IRA em pessoas idosas hospitalizadas, promovendo assim uma abordagem holística e eficaz no cuidado desses indivíduos vulneráveis.
REFERÊNCIAS
1. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). KDIGO clinical practice guideline for acute kidney injury. Kidney Int Suppl; 2012.
2. Benichel CR, Meneguin S. Fatores de risco para lesão renal aguda em pacientes clínicos intensivos. Acta Paul Enferm 2020; 33: e-APE20190064.
3. Dantas SGM, Vieira AN, Fernandes NT, Paula EG de, Sombra MPP, Carvalho ACB de, Maximiano LC de S, Dantas LAL. Fatores relacionados à ocorrência de insuficiência renal aguda na unidade de terapia intensiva: revisão integrativa. Res., Soc. Dev. 2020; 9(10): e 1089108330 -e1089108330.
4. Cunha NVA, Magro MC da S. Lesão Renal Aguda em pacientes críticos em ventilação mecânica com pressão positiva. Acta Paul Enferm 2022; 35: eAPE0326345.
5. Santos D da S, Silva JIB da, Melo IA de, Marques CR de G, Ribeiro H de L, Santos ES. Associação da Lesão Renal Aguda com desfechos clínicos de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva. Cogitare Enferm 2021; 26: e73926.
6. Duarte ABA, Santos SNLP, Araújo MS, Macário ES de F, Farias MAGM de, Lima MMP, Oliveira DM de L. Perfil epidemiológico da insuficiência renal no Brasil de 2012 a 2022. RSD 2023; 12(10):e31121043360.
7. Souza LMM de, Marques-Vieira CMA, Severino SSP, Antunes AV. Metodologia de revisão integrativa da literatura em enfermagem. Revista Investigação em Enfermagem 2017; 21(2): 17-26.
8. Whittemore R, Knafl K. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs 2005; 52(5):546-553.
9. Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan- a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev 2016; 5(1): 1-10.
10. Page MJ, Mckenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD, Shamseer L, Tetzlaff JM, Akl EA, Brennan SE, Chou R, Glanville J, Grimshaw JM, Hróbjartsson A, Lalu MM, Li T, Loder EW, Mayo-Wilson E, Mcdonald S, Mcguinness LA, Stewart LA, Thomas J, Tricco AC, Welch VA, Whiting P, Moher D. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. J Clin Epidemiol 2021; 372(71): 1-9.
11. Ursi ES, Gavão CM. Prevenção de lesões de pele no perioperatório: revisão integrativa da literatura. Rev Lat Am Enfermagem 2006; 14(1):124-131.
12. Critical Appraisal Skills Programme. CASP make sense of evidence.10 questions to help you make sense of qualitative research [Internet]. [unknown place]: CASP; 2017 [acessado em 2023 jun 2]. Disponível em: http://media.wix.com/ugd/dded87_25658615020e427 da194a325e7773d42.pdf
13. Stillwell SB, Fineout-Overholt E, Melnyk BM, Williamson KM. Evidence-based practice, step by step: searching for the evidence. Am J Nurs 2010; 110(5): 41-47
14. Xie Y, Tian R, Jin W, Xie H, Du J, Zhou Z, Wang R. Antithrombin III expression predicts acute kidney injury in elderly patients with sepsis. Exp Ther Med 2020; 19(2):1024–1032.
15. Cho W, Hwang TY, Choi YK, Yang JH, Kim MG, Jo SK, Cho WY, Oh SW. Diastolic dysfunction and acute kidney injury in elderly patients with femoral neck fracture. Kidney Res Clin Pract. 2019; 38(1): 33–41.
16. Thongprayoon C, Cheungpasitporn W, Lin J, Mao MA, Qian Q. Acute kidney injury in octogenarians after heart valve replacement surgery: a study of two periods over the last decade. Clin Kidney J 2017; 10(5):648-654.
17. Gaytán-Muñoz GA, Villarreal-Ríos E, Vargas-Daza ER, Martínez-Gonzáles L, Galicia-Rodríguez L. Factores de riesgo para desarrollar lesión renal aguda em pacientes ancianos. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2019; 57(1): 15-20.
18. El-Sharkawy AM, Devonald MAJ, Humes DJ, Sahota O, Lobo DN. Hyperosmolar dehydration: A predictor of kidney injury and outcome in hospitalised older adults. Clin Nutr 2020; 39(8):2593–2599.
19. Castagno C, Varetto G, Quaglino S, Frola E, Scozzari G, Bert F, Rispoli P. Acute kidney injury after open and endovascular elective repair for infrarenal abdominal aortic aneurysms. J Vasc Surg 2016; 64(4):928-933.
20. Küpeli ?, Ünver S. The Correlation between Preoperative and Postoperative Hypoalbuminaemia and the Development of Acute Kidney Injury with Respect to the KDIGO Criteria in the Hip Fracture Surgery in Elderly Patients. Turk J Anaesthesiol Reanim 2020; 48(1):38-43.
21. Kong WY, Yong Gerald, Irlandês A. Incidence, risk factors and prognosis of acute kidney injury after transcatheter aortic valve implantation. Nephrology (Carlton) 2012; 17(5): 445-51.
22. Christensen JB, Aasbrenn M, Castillo LS, Ekmann A, Jensen TG, Pressel E, Lunn TH, Suetta C, Palm H. Predictors of Acute Kidney Injury after Hip Fracture in Older Adults. Geriatr Orthop Surg Rehabil 2020; 11:1-8.
23. Kang JS, Moon KH, Youn YH, Park JS, Ko SH, Jeon YS. Factors associated with postoperative acute kidney injury after hip fractures in elderly patients. J Orthop Surg (Hong Kong) 2020; 28(1):1-6.
24. Dodson JA, Hajduk A, Curtis J, Geda M, Krumholz HM, Song X, Tsang S, Blaum C, Miller P, Parikh CR, Chaudhry SI Determinants and outcomes of acute kidney injury among older patients undergoing invasive coronary angiography for acute myocardial infarction: The SILVER-AMI Study. Am J Med. 2019; 132(12):e817–e826.
25. Wu Q, Yang H, Bo H, Fu M, Zhong X, Liang G, Xu Y, Hu Z, Zhang Z, Jin X, Kang Y. Predictive role of estimated glomerular filtration rate prior to surgery in postsurgical acute kidney injury among very elderly patients: a retrospective cohort study. Ren Fail 2019; 41(1): 866-874.
26. Singh S, Patel PS, Doley PK, Sharma SS, Iqbal M, Agarwal A, Singh N, Kumar A. Outcomes of hospital-acquired acute kidney injury in elderly patients: a single-centre study. Int Urol Nephrol 2019; 51(5):875-883.
27. Saratzis A, Shakespeare J, Jones O, Bown MJ, Mahmoodc A, Imray CHE. Pre-operative functional cardiovascular reserve is associated with Acute Kidney Injury after intervention. Eur J Vasc Endovasc Surg 2017; 53(5):717-724.
28. Konigstein M, Ben-Assa E, Banai S, Shacham Y, Ziv-Baran T, Abramowitz Y, Steinvil A, Rubinow EL, Havakuk O, Halkin A, Keren G, Finkelstein A, Arbel Y. Periprocedural bleeding, Acute Kidney Injury, and long-term mortality after Transcatheter Aortic Valve Implantation. Can J Cardiol 2015; 31(1):56-62.
29. Brooks CE, Middleton A, Dhillon R, Scott D, Denton M. Predictors of creatinine rise post-endovascular abdominal aortic aneurysm repair. ANZ J Surg 2011; 81(11):827-30.
30. Bagur R, Webb JG, Nietlispach F, Dumont E, Larochellière R de, Doyle D, Masson JB, Gutiérrez MJ, Clavel MA, Bertrand OF, Pibarot P, Rodés-Cabau J. Acute kidney injury following transcatheter aortic valve implantation: predictive factors, prognostic value, and comparison with surgical aortic valve replacement. Eur Heart J 2010; 31(7):865-74.
31. Ganta A, Parola R, Perskin CR, Fariyike B, Konda SR, Egol KA. Risk factors and associated outcomes of acute kidney injury in hip fracture patients. J Orthop 2021; 26: 115-118.
32. Park JY, Yu J, Hong JH, Lim B, Kim Y, Hwang JH, Kim YK. Elevated De Ritis Ratio as a Predictor for Acute Kidney Injury after Radical Retropubic Prostatectomy. J. Pers. Med. 2021; 11(9):836.
33. Agar A, Gulabi D, Sahin A, Gunes O, Hancerli CO, Kilic B, Erturk C. Acute kidney injury after hip fracture surgery in patients over 80 years of age. Arch Orthop Trauma Surg 2022; 142(9):2245-2252.
34. Silva GS da, Pires AMF da S, Dos Santos JI de O, Custódio RMBP, Antunes IR, Alves CMP, Fonseca AML, De Lemos DLP. Índice de desenvolvimento humano e insuficiência renal: estudo comparativo de perfil de morbimortalidade nos estados de Maranhão e Santa Catarina. Brazilian Journal of Heart Review 2021; 4(1):119-127.
35. Júnior EV de S, Costa EL, Matos R dos A, Cruz JS da, Maia TF, Nunes GA, Boery RNS de O, Boery EN. Epidemiologia da morbimortalidade e custos públicos por insuficiência renal. Rev. Enferm. UFPE on line; 2019; 13(3):647-654.
36. Stille K, Kribben A, Herget-rosenthal S. Incidence, severity, risk factors and outcomes of acute kidney injury in older adults: systematic review and meta-analysis. J Nephrol 2022; 35(9): 2237-2250.
37. Calabrez T, Monteiro JM, Castro JZN de, Werner LA, Miossi LM, Morelato RL. Lesão Renal Aguda em idosos internados associada a desfechos adversos. Rev Assoc Med Bras Dr Jr. 2021; 2(1):28-32.
38. Dantas LAL, Vieira NA, Oliveira LC de, Araújo ME da S, Maximiano LC de S. Fatores de risco para Lesão Renal Aguda em Unidade de Terapia Intensiva. Res., Soc. Des. 2021; 10(6):e32210615700.
39. Santana KY de A, Santos APA, Magalhães FB, Oliveira JC, Pinheiro FG de MS, Santos ES. Prevalência e fatores associados à lesão renal aguda em pacientes nas unidades de terapia intensiva. Rev. Bras. Enferm. 2021; 74(2):e20200790.
40. Silva JB da, Melo CA de S, Barros TG. Injúria renal aguda na Unidade de Terapia Intensiva em um hospital do interior amazônico. Res., Soc. Des. 2021; 10(10):e447101019178.
41. Ida M, Sumida M, Naito Y, Tachiiri Y, Kawaguchi M. Impacto da hipotensão e perda sanguínea intraoperatórias na lesão renal aguda após cirurgia de pâncreas. Rev Bras Anestesiol. 2020; 70(4):343-348.
42. Duarte TT da P, Lima WL, Ribeiro AHS, Magro MCS. Redução de hemoglobina: risco para lesão renal aguda após revascularização do miocárdio. Rev. Enferm. UERJ 2020; 28:e51034.
43. Santos JC de O, Mendonça MAO. Fatores predisponentes para lesão renal aguda em pacientes em estado crítico: revisão integrativa. Rev Soc Bras Clin Med 2015; 13(1): 69-74.
44. Duarte TT da P, Costa LC, Lima WL de, Magro MC da S. Influência de fatores clínicos na Lesão Renal Aguda. Cienc. Enferm. 2020; 26:6.
45. Berbel MN, Pinto MPR, Ponce D, Balbi AL. Aspectos nutricionais na lesão renal aguda. Rev. Assoc. Med. Bras. 2011; 57(5):600-606.
46. Leme LEG, Sitta M do C, Toledo M, Henriques S da S. Cirurgia ortopédica em idosos: aspectos clínicos. Rev. Bras. Ortop. 2011; 46(3):238-246.