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Artigos

0316/2024 - FATORES ASSOCIADOS A MÁ QUALIDADE DO SONO EM BRASILEIROS MAIS VELHOS: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL DO ELSI-BRASIL
FACTORS ASSOCIATED WITH POOR SLEEP QUALITY IN OLDER BRAZILIANS: A CROSS-SECTIONAL ANALYSIS OF ELSI-BRAZIL

Autor:

• Ricardo Rodrigues Pereira - Pereira, R.R - <rodriguesrp.ricardo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-6957-3198

Coautor(es):

• Murilo Reis Sampaio - Sampaio, M.R - <muriloreissampaio@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-1701-2015

• Bruno Porto Pessoa - Pessoa, B.P - <pessoabh2@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4212-519X



Resumo:

Objetivo: Identificar a prevalência e fatores associados a má qualidade do sono autorreferida em adultos e idosos brasileiros com 50 anos ou mais. Métodos: Estudo transversal com participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (2019-2021). Foram incluídos 9849 participantes com idade maior ou igual a 50 anos com informações completas para as variáveis de interesse. Qualidade do sono autorreferida foi a variável de desfecho. As variáveis independentes compreenderam indicadores sociodemográficos, comportamentais e condições de saúde. Foi realizada regressão de Poisson para estimativa das razões de prevalência (RP) e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Resultados: A prevalência de má qualidade do sono foi de 15.6%. Foram observadas associações significativas entre o desfecho e sexo masculino (RP = 0.70; IC95%: 0.61 - 0.81), avaliar a saúde como boa (RP = 0.49; IC95%: 0.40 - 0.60) e residir na região sul (RP = 0.68; IC95%: 0.49 – 0.94), número de doenças crônicas (2.52; IC95%: 1.97 – 3.24, para os com duas ou mais) e avaliar a memória como ruim (RP = 1.30; IC95%: 1.12 – 1.51). Conclusão: A má qualidade do sono em adultos mais velhos no Brasil foi associada com diversos fatores, incluindo o gênero feminino, percepção negativa da saúde e da memória, consumo excessivo de álcool e a presença de múltiplas condições crônicas.

Palavras-chave:

Qualidade do Sono;Prevalência; Idoso; Envelhecimento.

Abstract:

Objective: To identify the prevalence and main factors associated with self-reported poor sleep quality in Brazilian adults aged 50 and older. Methods: A cross-sectional study with participantsthe Brazilian Longitudinal Study of Aging (2019-2021). A total of 9849 participants aged 50 and older with complete information for the variables of interest were included. Self-reported sleep quality was the outcome variable. Independent variables included sociodemographic, behavioral, and health-related indicators. Poisson regression was performed to estimate prevalence ratios (PR) and their respective 95% confidence intervals (CI95%). Results: The prevalence of poor sleep quality was 15.6%. Significant associations were observed between the outcome and male gender (PR = 0.70; CI95%: 0.61 - 0.81), self-rated good health (PR = 0.49; CI95%: 0.40 - 0.60), and residence in the southern region (PR = 0.68; CI95%: 0.49 – 0.94), the number of chronic diseases (PR = 2.52; CI95%: 1.97 – 3.24, for those with two or more), and self-rated poor memory (PR = 1.30; CI95%: 1.12 – 1.51). Conclusion: Poor sleep quality in Brazilian older adults was associated with various factors, including female gender, negative perception of health and memory, excessive alcohol consumption, and the presence of multiple chronic conditions.

Keywords:

Sleep Quality; Prevalence; Elderly; Aging.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o envelhecimento da população é um dos problemas de saúde mais importantes em todo o mundo 1. É esperado que a população mundial com 65 anos ou mais dobre até 2040 2. No Brasil cerca de 30 milhões de brasileiros têm 60 anos ou mais, o que equivale a 14% da população total em 2023 3. Simultaneamente, e em parte como consequência do envelhecimento da população, ocorreu uma mudança no perfil das doenças mais prevalentes, com a predominância de doenças crônicas não transmissíveis, cuja incidência e mortalidade crescem à medida que a idade média da população aumenta4.
Um importante aspecto associado ao envelhecimento é um declínio na qualidade do sono. Estima-se que aproximadamente 50% dos adultos com 50 anos ou mais tem problemas para dormir, incluindo iniciar e manter o sono 5. Os distúrbios do sono são mais comuns em indivíduos mais velhos porque a prevalência de fatores que afetam negativamente o sono aumentam com a idade como humor deprimido, ansiedade, estresse, obesidade, sintomas respiratórios, saúde percebida de regular a ruim e incapacidade física 6.

O sono está intimamente ligado ao bom funcionamento dos sistemas nervoso, cardiovascular, metabólico e imunológico, bem como com quase todo os outros sistemas fisiológicos do corpo. Existe uma relação mutualmente facilitadora entre esses sistemas e o sono de modo que a insônia quase sempre leva a um desvio do funcionamento homeostático do corpo 7.
Estudos epidemiológicos observacionais sugerem que a má qualidade do sono pode estar associada a um risco aumentado de desfechos adversos em saúde, como a mortalidade total, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2, obesidade e distúrbios respiratórios 8,9,10,11. Roth et al. encontraram relatos de saúde precária, menos energia e pior funcionamento cognitivo entre portadores de distúrbios do sono quando comparados a pessoas com sono normal 8.
A qualidade do sono e os fatores associados foram investigados principalmente na Europa, América do Norte e Ásia. Estudos mostram grande variação na prevalência de má qualidade do sono. Em Portugal a estimativa foi 10,1% da população adulta9, no Canadá houve uma variação 10% a 35%10,11, no Japão 25,6%12, 33,8% na China13 e 38% na Coreia do Sul14. Um estudo conduzido da colaboração SAGE-INDEPTH da Organização Mundial da Saúde com mais 40.000 indivíduos de 8 países da África e Ásia mostrou que 16,6% dos adultos mais velhos em ambientes de baixa renda relataram problemas graves/extremos de sono noturno, com maior prevalência entre mulheres e grupos etários mais avançados 15.
Poucos estudos envolvem populações latino-americanas, e é importante identificar fatores que influenciam o sono em diferentes culturas. No Brasil, a frequência de queixas de sono na população geral foi avaliada em estudos anteriores conduzidos nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina que relataram estimativas variando de 21% a 64,9% 16–19. No entanto, esses estudos utilizaram uma amostra restrita da população e apenas um estudo examinou os fatores associados a problemas de sono entre adultos. No entanto, foram analisadas apenas variáveis de saúde como possíveis fatores associados 20. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi identificar a prevalência e fatores associados a má qualidade do sono autorreferida em adultos e idosos brasileiros com 50 anos ou mais.
METODOLOGIA
Amostra
Trata-se de um estudo transversal que utilizou dados produzidos pelo Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). A amostra do ELSI-Brasil foi delineada para representar a população brasileira com idade igual ou superior a 50 anos. Para a elaboração da amostra foram utilizados dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010.
A seleção da amostra foi realizada em estratos, de acordo com o tamanho da população residente nos municípios. Para municípios com até 750.000 habitantes, a seleção foi feita em três estágios (município, setor censitário e domicílio), e para municípios de grande porte, em dois estágios (setor censitário e domicílio). Foram entrevistados residentes em 70 municípios brasileiros, de todas as regiões do país. A amostra final do estudo foi de 9.849, que representam a população brasileira com cinquenta anos e mais, não institucionalizada. A avaliação inicial do estudo incluiu quatro etapas: entrevistas domiciliares e individuais, medidas físicas e testes sanguíneos. Os dados utilizados são originados da linha de base do estudo realizada no período 2019-2021. Mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos do estudo foram publicados previamente21.
Variável dependente do presente estudo foi a qualidade do sono autorreferida. Essa variável foi obtida por meio da seguinte pergunta do questionário individual do ELSI – Brasil: “Como o(a) Sr(a) avalia a qualidade do seu sono?”. Essa pergunta possui cinco diferentes respostas: muito boa, boa, regular, ruim, muito ruim. Essas respostas foram dicotomizadas como sono ruim (ruim e muito ruim) e sono bom (regular, boa e muito boa). Embora a dicotomização de respostas de escala likert gere uma perda de informações ela simplifica a análise estatística e facilita compreensão dos resultados 22.
Além disso foram coletadas as características sociodemográficas: sexo, faixa etária (50-59, 60-69, 70-79, ?80 anos), cor da pele (brancos, pardos, pretos, outros - amarelos e indígenas), o número de pessoas que se auto identificaram como amarelas (n = 27) ou indígenas (n = 38) foi muito pequeno, ainda menor do que o número de indivíduos que responderam "não sei" (n = 76). Por esse motivo, esses dois grupos foram agrupados em uma única categoria de raça/cor da pele chamada de "outras". Estado civil (solteiro(a), casado/amasiado/união estável, divorciado(a) ou separado(a), viúvo(a)), região geográfica, zona de residência (urbana/rural), anos de escolaridade (<5, 5-8, ?9). A renda domiciliar per capita foi categorizada em tercil (baixa, média e alta).
Condições de saúde: Autopercepção de saúde (ruim/boa), autoavaliação de memória (ruim/boa). Número de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) (nenhuma, uma, duas ou mais), as doenças crônicas foram avaliadas por meio do autorrelato de diagnóstico médico prévio e incluíram as seguintes condições: diabetes mellitus, doenças coronarianas (infarto, angina e insuficiência cardíaca), acidente vascular encefálico, doença pulmonar crônica, artrite, asma, depressão, câncer e insuficiência renal. Polifármaco (sim/não), definido como o uso de 4 ou mais medicamentos simultaneamente22. Se o participante possui plano de saúde (sim/não)
O estado nutricional foi definido utilizando o Índice de Massa Corporal (IMC), que é calculado como a razão entre o peso (em quilogramas) e a altura ao quadrado (em metros). Para adultos (até 59 anos), o estado nutricional foi classificado de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) 23da seguinte maneira: eutrófico (IMC ? 18,5 a 24,9 kg/m²), baixo peso (IMC < 18,5 kg/m²), sobrepeso (IMC ? 25,0 a 29,9 kg/m²) e obesidade (IMC ? 30 kg/m²). Para idosos (?60 anos), utilizou-se a classificação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) 24: eutrófico (IMC > 23,0 e < 28,0 kg/m²), baixo peso (IMC ? 23,0 kg/m²), sobrepeso (IMC ? 28,0 e < 30,0 kg/m²) e obesidade (IMC ? 30 kg/m²). A medida da circunferência da cintura foi classificada como normal ou aumentada seguindo os pontos de corte para risco cardiovascular da Organização Mundial da Saúde: >94 cm para homens e >80 cm para mulheres 25.
Análise Dos Dados
A análise descritiva foi realizada por meio de proporções ponderadas das variáveis independentes. A comparação das variáveis categóricas entre os grupos sono bom e sono ruim foi feita pelo teste do Qui quadrado de Pearson, com correção de Rao Scott, adequado para amostras complexas. A fim de verificar possíveis correlações perfeitas entre as variáveis independentes, o teste de fator de inflação da variância (VIF) foi empregado. Os resultados do teste de VIF foram inferiores a 5, o que indica a ausência de multicolinearidade. Variáveis com p<0,20 nas análises bivariadas foram selecionadas para o modelo múltiplo, que foi ajustado para todas as variáveis. Para o modelo foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta. Foram estimadas as razões de prevalência (PR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC). Variáveis com p<0,05 foram mantidas no modelo final, adotou-se coeficiente de 95% para os intervalos de confiança. Todas as análises foram realizadas no pacote Stata (College Station, Texas, USA) versão 17.0, em modo survey, que permite incluir o peso amostral calculado para os indivíduos.

Aspectos Éticos
O ELSI-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, Minas Gerais (CAAE 34649814.3.0000.5091). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes das entrevistas e avaliações físicas.

RESULTADOS
Os resultados descritivos obtidos a partir de uma amostra n=9849 mostram que 15.6% dos adultos acima de 50 anos percebem seu sono como ruim. As demais informações das características da amostra estão descritas na Tabela 1.
O sexo apresentou associação positiva significativa (p<0.001) com má qualidade do sono, sendo mais prevalente entre as mulheres (18.6%) do que em homens (11.4%). Em relação a raça/cor da pele observou-se também diferenças significativas. A prevalência de sono ruim foi maior entre os que se autodeclaram negros (18.3%) e menor entre os que se autodeclaram brancos (14.0%). Entre aqueles que avaliam sua saúde como ruim, 34.8% estão insatisfeitos com a qualidade do sono. Verificou-se uma relação diretamente proporcional entre o número de doenças crônicas e a má qualidade do sono. Aqueles sem condições crônicas apresentaram prevalência de 7.1%, enquanto aqueles com uma condição tiveram 13.0% e aqueles com duas ou mais condições tiveram 24.3%. Observaram-se diferenças significativas em relação à escolaridade. Entre os que possuíam menos de 5 anos de estudo, 17.0% apresentaram má qualidade do sono. Para aqueles com 5 a 8 anos de estudo, a prevalência foi de 14.2%, e para os com mais de 9 anos de estudo, foi de 13.6%.
A tabela 2 exibe as razões de prevalência e seus intervalos de confiança correspondentes, obtidos por meio da análise múltipla. Após ajuste para todas as variáveis do modelo encontramos um decréscimo de 30% na prevalência de má qualidade do sono em homens (RP = 0.70; IC95%: 0.61 - 0.81) quando comparado com mulheres. Em relação a autoavaliação de saúde, aqueles que auto avaliam sua saúde como boa tem em média uma prevalência 51% menor do que aqueles a avaliam como ruim (RP = 0.49; IC95%: 0.40 - 0.60). A associação com região geográfica indica que se espera que a prevalência de sono ruim seja 32% menor nos residentes da região sul (RP = 0.68; IC95%: 0.49 – 0.94) do país se comparada a aqueles vivendo na região norte. Um fator fortemente associado a qualidade do sono é o número de condições crônicas presentes no indivíduo. Quanto maior o número de morbidades existentes, maior a razão de prevalência (RP = 1.61; IC95%: 1.23 – 2.11 para aqueles com uma condição e RP: 2.52; IC95%: 1.97 – 3.24 para os com duas ou mais). Consumir álcool em excesso foi associado com uma prevalência maior de má qualidade do sono (RP = 2.40; IC95%: 1.29 – 4.46). A prevalência esperada de sono ruim entre indivíduos que avaliam sua memória como ruim é 30% maior (RP = 1.30; IC95%: 1.12 – 1.51) do que aqueles que a avaliam como boa.

DISCUSSÃO
O presente estudo estimou a prevalência de má qualidade do sono em 15,6% entre brasileiros acima de 50 anos, com disparidades notáveis em relação ao sexo. Fortes associações foram encontradas entre a qualidade do sono e estado de saúde, expresso em diferentes variáveis, como número de condições crônicas, auto avaliação de saúde, autoavaliação de memória. Também foi identificado que o consumo de álcool e a região geográfica estão associados à qualidade do sono
Apesar da prevalência de problemas com o sono variar amplamente dependendo da população esse resultado está em conformidade com a literatura. No Brasil, os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina que relataram estimativas variando de 21% a 64,9%16–19. Em um estudo realizado em 8 países diferentes, a prevalência de má qualidade do sono variou de 3,9% a mais de 40%26. Um estudo anterior descobriu que 15,7% de 7.154 idosos com idade ? 60 anos na China relataram problemas moderados e graves de sono, conforme medido por uma pergunta sobre a qualidade do sono 27. Outro estudo com indivíduos com idade entre 50 e 70 anos, em Pequim e Xangai, constatou que 16% dos 3.289 participantes relataram má qualidade do sono, conforme medido pela duração do sono autorreferida 28. Em um estudo com idosos com idade ? 65 anos em 22 províncias da China, 35% dos 15.638 participantes relataram qualidade do sono de regular a muito ruim 29.
Em relação ao sexo, assim como na pesquisa atual, estudos em geral demonstram uma maior prevalência de problemas de sono entre as mulheres 30–32. As mulheres geralmente relatam mais problemas de saúde do que os homens, buscam mais frequentemente serviços de saúde, demonstram maior atenção aos sinais e sintomas das doenças e assumem o papel de doente e o relato de sintomas com menos constrangimento 33. As diferenças observadas na prevalência de má qualidade do sono podem ser devido a alterações hormonais relacionadas aos sintomas da menopausa e associadas a mudanças físicas, fisiológicas e psicológicas que podem aumentar a incidência de problemas relacionados ao sono. Além disso, é possível que as alterações na qualidade do sono sejam mais comuns entre as mulheres devido à sobrecarga de trabalho que elas enfrentam, desempenhando papéis como mães, donas de casa e profissionais. Essa sobrecarga pode fazer com que os momentos de descanso sejam direcionados para a realização de tarefas, o que pode afetar negativamente o sono 34.
Quanto a região geográfica os resultados mostram uma diminuição da prevalência de problemas relacionados ao sono entre os residentes da região sul do país quando comparados a região norte. Estudos recentes têm mostrado que o sono é influenciado e moldado por fatores culturais, incluindo valores culturais, crenças e práticas 35. Uma pesquisa realizada com dados do censo brasileiro de 2010 mostrou um efeito de região no número total de queixas relacionadas ao sono, demonstrando que na região Sul, os indivíduos apresentaram menos queixas em comparação com o Nordeste e Sudeste 36. Outros estudos conduzidos em diferentes regiões do Brasil – sul, sudeste e centro-oeste – também reportaram diferentes prevalências de má qualidade do sono em adultos 16–18. Além de diferenças culturais o fator ambiental também pode influenciar na qualidade do sono. Temperaturas e umidade mais altas prejudicam o sono, levando a mais períodos de vigília e menos sono de movimento rápido dos olhos e ondas lentas entre aqueles expostos ao calor 37. Tal fato pode ajudar a explicar a associação encontrada nesse estudo já que as regiões norte e sul apresentam os extremos de temperatura registrada no Brasil 38.
Foi observado que a má qualidade do sono está associada às pessoas que avaliam sua saúde como ruim. Existe uma relação estreita entre a autoavaliação do estado de saúde e a avaliação pessoal dos problemas de sono, indicando que estar satisfeito com a qualidade do sono é um dos principais fatores na avaliação pessoal da saúde 39. Estudos observacionais mostraram uma associação significativa entre problemas de sono e duração do sono com saúde autoavaliada como ruim. Os resultados sugeriram que os problemas de sono são fatores importantes na determinação da saúde de adultos mais velhos em países de baixa e média renda 40,41 . Um mecanismo possível pelo a qualidade do sono pode estar associada à saúde relatada é o seu potencial de sinalização de inflamação de baixo grau. Distúrbios do sono e inflamação costumam ocorrer juntos e são cada vez mais reconhecidos como um prevalente conjunto de sintomas 42–44. Pesquisas experimentais que provocaram inflamação aguda através da administração de ativadores imunológicos, como lipopolissacarídeos (LPS), Salmonella typhi, ou em pacientes submetidos a imunoterapia, demonstram que essa inflamação pode causar fadiga, distúrbios do sono e reduzir a autopercepção da saúde45–47. Essas descobertas sugerem que a inflamação pode ser um elo comum entre a qualidade do sono e a autopercepção da saúde. No entanto, a inflamação de baixo grau, sendo um processo fisiológico, geralmente não é detectável sem sintomas médicos evidentes48. Embora especulativo, é possível que a fadiga e a qualidade do sono possam servir como indicadores de inflamação de baixo grau, influenciando assim a percepção de saúde.
Outro fator associado a má qualidade do sono encontrado nesse estudo é o fato indivíduo possuir uma ou mais doenças crônicas. Estudos anteriores mostraram que o sono ruim está associado a várias doenças, como doenças pulmonares, problemas gastrointestinais, doença renal crônica, fibromialgia, doenças infecciosas, menopausa, câncer49,50. As associações entre problemas de sono e condições crônicas podem ser explicadas pela coexistência de distúrbios respiratórios do sono em condições como doença pulmonar crônica, diabetes e acidente vascular cerebral, ou pelos próprios sintomas das condições crônicas (por exemplo, sintomas noturnos na asma, DPOC e noctúria no diabetes) 51. A associação entre artrite e problemas de sono pode ser mediada pela dor e limitação física 52. As doenças mentais são as condições mais prováveis de coexistir com insônia crônica, e problemas de sono são um dos sintomas principais da depressão e ansiedade, que também tem sido relacionada ao subsequente desenvolvimento de muitos transtornos psiquiátricos 53. Por fim, essas associações também podem ser explicadas pelo sofrimento psicológico e ansiedade associados a essas condições.
Os resultados obtidos na pesquisa permitem estabelecer uma associação entre distúrbios do sono e auto avaliação da qualidade da memória. Esse resultado é consistente com as evidências presentes na literatura atual54,55. Uma revisão sistemática demonstrou que indivíduos com distúrbios do sono têm um maior risco de perda de memória em comparação com aqueles sem problemas de sono 55. Outro estudo também confirmou esse resultado, indicando que 70% dos pacientes com perda de memória inicial apresentam distúrbios do sono, e que esses distúrbios são preditores de sintomas cognitivos e neurológicos mais graves, além de uma pior qualidade de vida 54. É importante ressaltar que tanto os distúrbios do sono quanto a perda de memória são condições multifatoriais, e os resultados obtidos corroboram a associação positiva entre essas duas condições.
Uma das possíveis limitações desse estudo decorre do fato de que a qualidade do sono foi autodeclarada ao invés da utilização de um instrumento de avaliação validado. Porém, estudos revelaram que autodeclaração é igualmente eficaz na avaliação de qualidade de sono quando comparada a um questionário validado utilizado para esse fim 56,57. Além disso, é importante considerar que as informações fornecidas pelos participantes foram autorreferidas e referem-se a comportamentos e eventos do passado, o que pode introduzir viés de memória e diferenças na interpretação por parte dos entrevistados. Outro fator a ser considerado é a obtenção dos dados por meio da aplicação de um questionário em diferentes localidades brasileiras, as quais podem ter uma diversidade populacional e até mesmo cultural, que afeta a compreensão das perguntas.
Este estudo demonstra características significativas, pois se trata de uma pesquisa abrangente em âmbito nacional sobre problemas de sono. O estudo englobou mais de 9 mil participantes com idade acima de 50 anos, abrangendo fatores sociodemográficos, comportamentos de estilo de vida e condições de saúde.
Por fim, conclui-se que a prevalência de problemas de sono na população de adultos acima de 50 anos no brasil é parecida com aquela encontrada na mesma população em outros países subdesenvolvidos. Foram encontradas nesta análise multivariada, as associações entre a variável problemas de sono com fatores sociodemográficos, condições de saúde e estilo de vida. Dessa forma, os resultados deste estudo contribuem com evidências atuais sobre a relação entre o sono e determinantes da saúde, destacando a necessidade de estudos longitudinais mais específicos para uma melhor compreensão e caracterização dos problemas de sono na população de adultos mais velhos no Brasil.









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Pereira, R.R, Sampaio, M.R, Pessoa, B.P. FATORES ASSOCIADOS A MÁ QUALIDADE DO SONO EM BRASILEIROS MAIS VELHOS: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL DO ELSI-BRASIL. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/ago). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/fatores-associados-a-ma-qualidade-do-sono-em-brasileiros-mais-velhos-uma-analise-transversal-do-elsibrasil/19364?id=19364&id=19364

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