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Artigos

0276/2024 - Fatores associados à notificação de violência entre adolescentes brasileiros, uma análise do SINAN.
Factors associated with the notification of violence among Brazilian adolescents, an analysis of SINAN.

Autor:

• Deborah Carvalho Malta - Malta, D.C - <dcmalta@uol.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8214-5734

Coautor(es):

• Regina Tomie Ivata Bernal - Bernal, R. T. I. - <reginabernal@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7917-3857

• Nádia Machado de Vasconcelos - Vasconcelos, N.M - <nadiamv87@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2323-3064

• Isabela Cristina Vieira Silva - Silva, I. C. V. - <isabelacvsilva@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-4126-3033

• Maria Luiza Sady Prates - Prates, M. L. S. - <malusady@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6199-7092

• Isabella Vitral Pinto - Pinto, I. V. - <isabella.pinto@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3535-7208

• Cheila Marina de Lima - Lima, C. M. - <cheila.lima@saude.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8546-8363



Resumo:

O objetivo do estudo é analisar a evolução da notificação das violências praticadas contra os adolescentes entre 2015 e 2022 e, a associação entre as características da vítima, da agressão e dos agressores da violência contra adolescentes em 2022. Utilizou os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram notificadas cerca de 400.000 violências contra adolescentes. Houve aumento de notificações, exceto nos anos da pandemia (2020 e 2021). As vítimas mais frequentes foram as meninas; o principal local de ocorrência foi a residência; a violência física foi o tipo mais comum. A análise de correspondência mostrou associação entre vítimas do sexo feminino, residência como local de ocorrência, violência psicológica e ameaça; entre vítimas do sexo masculino, violência em via pública, praticada por desconhecidos, utilização de objetos cortante. O SINAN torna-se um instrumento vital por permitir visibilidade ao tema. A prevenção da violência juvenil requer uma abordagem intersetorial.

Palavras-chave:

Adolescente, Notificação, Delitos Sexuais, Consumo de Bebidas Alcoólicas, Pandemias.

Abstract:

The objective of the study is to analyze the evolution of the notification of violence committed against adolescents between 2015 and 2022 and the association between the characteristics of the victim, the aggression and the aggressors of violence against adolescents in 2022. It used datathe Information System of Notifiable Diseases (SINAN). Around 400,000 cases of violence against adolescents were reported. There was an increase in notifications, except in the years of the pandemic (2020 and 2021). The most frequent victims were girls; the main place of occurrence was the residence; physical violence was the most common type. Correspondence analysis showed an association between female victims, residence as place of occurrence, psychological violence and threat; among male victims, violence on public roads, committed by strangers, use of sharp objects. SINAN becomes a vital instrument for allowing visibility to the topic. Preventing youth violence requires an intersectoral approach.

Keywords:

Adolescent, Notification, Sex Offenses, Alcohol Drinking, Pandemics.

Conteúdo:

Introdução
As crianças e os adolescentes formam um grupo de alta vulnerabilidade social e, por isso, a violência contra eles é uma preocupação da Saúde Pública mundialmente1. A violência contra as crianças e os adolescentes foi definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “todas as formas de maus-tratos emocionais e/ou físicos, abuso sexual, negligência ou tratamento negligente, comercial ou outras formas de exploração, com possibilidade de resultar em danos potenciais ou reais à saúde das crianças, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder” 2.
A violência interpessoal está entre as principais causas de morte em adolescentes e jovens em todo o mundo3. A OMS estima que a cada ano ocorram cerca de 176.000 homicídios entre jovens entre os 15 e os 29 anos de idade, o que torna a morte violenta a terceira principal causa de morte de pessoas nesta faixa etária4. A maioria das vítimas de homicídio juvenil são do sexo masculino, e a maioria dos perpetradores também são do sexo masculino4. No Brasil, em 2019, cerca da metade dos 22 mil óbitos por homicídios ocorreram em jovens com idade entre 10 e 24 anos, sendo as taxas de homicídio onze vezes mais elevadas no sexo masculino que no feminino5.
Por cada jovem morto pela violência, outros mais sofrem lesões que requerem tratamento hospitalar. Globalmente, estima-se que uma em cada duas crianças e jovens de 02 a 17 anos sofrem algum tipo de violência todos os anos6. A violência emocional afeta um terço das crianças e aproximadamente 120 milhões de meninas já sofreram algum tipo de contato sexual forçado antes dos 20 anos6. Estudos apontam que crianças e adolescentes são expostos à violência nas suas residências, nas vias públicas, escolas7,8, com finalidade de dominação, exploração e opressão9.
O homicídio juvenil e a violência não fatal não só contribuem enormemente para a carga global de mortes prematuras, lesões e incapacidades, mas também têm um impacto grave, muitas vezes ao longo da vida, no desenvolvimento psicológico e social de uma pessoa, além de afetar as famílias, amigos e comunidades das vítimas4,10,11. A violência juvenil aumenta os custos dos serviços de saúde, da assistência social e justiça criminal, além de aumentar o absenteísmo e reduzir a produtividade4,7.12 .
Considerando a importância de valorizar os adolescentes como presente e futuro de uma nação, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) incluíram esse grupo em várias metas, dentre as quais: a igualdade de gênero, a erradicação da pobreza e promoção da paz e da justiça13. Dessa forma, torna-se essencial monitorar a ocorrência de violência contra esse grupo, especialmente pensando no compromisso de acabar com todas as formas de violência contra meninas e mulheres e de redução das taxas de mortalidade por homicídios.
Desde 2011, é possível monitorar a violência interpessoal por meio das notificações compulsórias no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), implementado pelo Ministério da Saúde14 . Destaca-se a possibilidade de monitorar nesta base de dados os fatores associados à agressão, além de avaliar informações sobre os agressores, que não estão disponíveis em outras bases de dados.
Estudos de abrangência nacional sobre as notificações de violência contra adolescentes ainda são escassos. Pelo nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que analisa uma série histórica do SINAN e as ocorrências entre adolescentes. Espera-se que estas informações possam orientar melhor o desenho de políticas públicas de alcance das metas da Agenda 2030.
O objetivo do estudo é analisar a evolução da notificação das violências praticadas contra os adolescentes entre 2015 e 2022, e a associação entre as características da vítima, da agressão e dos agressores da violência contra adolescentes em 2022.

Métodos
Trata-se de um levantamento epidemiológico do tipo recuperação de série histórica, realizado em dados do SINAN de 2015 a 2022, realizando-se análise de correspondência apenas nas notificações do último ano.
O SINAN é constituído por notificações que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de Setembro de 2017). Essa notificação é realizada por profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, mediante preenchimento da Ficha de Notificação Individual (FNI). As Secretarias Municipais de Saúde são responsáveis pelo recolhimento das fichas, pela digitalização e pela consolidação dos dados. A partir de então, os dados são encaminhados de forma ascendente e concentrados no Ministério da Saúde, que disponibiliza publicamente os dados no sítio eletrônico do DataSUS15.
Para esse estudo, selecionou-se as notificações de violência interpessoal contra indivíduos de 10 a 19 anos, conforme definição de adolescência pela OMS, que ocorreram de 2015 a 2022. As seguintes variáveis foram selecionadas na FNI: sexo (masculino e feminino), faixa etária (10-14 anos e 15-19 anos); raça/cor da pele (branca, negra ou outras); local de ocorrência (residência, habitação coletiva, escola, local de prática esportiva, via pública, bar ou similar, comércio/serviço, indústria/construção, outro); tipo de violência (física, sexual - assédio sexual ou estupro-, psicológica, tortura, negligência); meio de agressão (força corporal/espancamento, objeto perfurocortante, objeto contundente, ameaça); provável agressor (pai mãe, padrasto, madrasta]; namorado, cônjuge]; conhecido e desconhecido); consumo de álcool pelo provável agressor (sim ou não).
Primeiramente, realizou-se uma análise da série histórica de 2015 a 2022, com a construção das séries temporais do período para o total e segundo sexo, faixa etária, raça/cor da pele, local de ocorrência, tipo de violência e agressor.
Em um segundo momento, para verificar possíveis associações entre as variáveis investigadas, foi empregada a técnica de análise de correspondência (AC) nos dados de 2022. A técnica de AC mostrou-se adequada para essa análise, pois permite lidar com grande quantidade de variáveis qualitativas, constituídas de grande número de categorias 7,16 . A AC constitui uma fase exploratória dos dados e faz uso de tabelas de contingência, também denominadas de tabelas cruzadas, composta por variável linha e variável coluna. Nesse estudo, as categorias das variáveis faixa etária e sexo compõem a variável demográfica e as categorias das variáveis relacionadas as notificações compõem a variável agressão. Dessa maneira, a tabela é composta por duas variáveis qualitativas: demográfica e agressão. Na coluna encontra-se as características demográficas - faixa etária e sexo - e na linha as características relacionadas as aressões, totaliznado 16 categorias da variável agressão e quatro categorias demográficas. Para verificar a dependência entre suas linhas e colunas, a técnica utiliza o teste de independência Qui-quadrado como medida de associação, sendo H0 a independência entre as duas variáveis e H1 a dependência entre elas. Caso a hipote H0 seja rejeita, significa que as categorias das variáveis podem ser reduzidas em novas dimensões. A escolha do número de dimensões depende do percentual de variação explicada por cada dimensão. A AC sintetiza a estrutura de variabilidade dos dados em termos de dimensões, sendo o número desta menor que o de variáveis1 . A AC é equivalente à análise fatorial, porém os resultados são apresentados de forma gráfica, em que as menores distâncias entre as categorias linha e coluna representam as mais fortes associações, enquanto as maiores distâncias representam dissociações16. A análise foi realizada no programa SPSS versão 25.0.
Esse estudo fez uso de dados que provêm de bases secundárias de domínio público e, dessa forma, não houve necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados
Foram analisadas 400.000 notificações de 2015 a 2022 e para a AC foram analisados 57.145 notificações (39.993 ocorridos no sexo feminino e 17.152 no masculino) de 2022.
Houve uma tendência de aumento anual das notificações, com queda dessas nos anos de pandemia (56892 notificaões em 2019, 42.794 notificações em 2020 e 48.099 notificações em 2021). Em 2022, houve retorno do crescimento, com 57.145 notificações, número que superou as notificações de 2019 (56.892). Em todos os anos, as notificações foram mais elevadas entre as meninas. No início do período, as notificações foram mais frequentes para adolescentes entre 15 e 19 anos, mas, durante a pandemia, cresceram as notificações de violência contra adolescentes entre 10 e 14 anos e, em 2022 a proporção foi semelhante em ambas as faixas etárias: 10 a 14 anos (49,5%) e 15 a 19 anos (50,5%). Em todos os anos as notificações foram mais frequentes na residência e na raça/cor negra.O tipo de violência com maior notificação foi a física (Figura 1).
Em 2022 os tipos de violência mais frequente foram a física (50,3%), sexual (35,1%), psicológica (23,5%) (Tabela 1). A violência sexual em 2022 foi cerca de 13 vezes mais frequente entre meninas (18651/46,6%) que nosexo masculino (1414 ocorrências/8,2%); a violência física predominou no sexo masculino (10795 /62,9%) (Tabela 1).
Os agressores mais frequentes foram pai (15,7%), mãe (15,9%), namorado (6,2%) e cônjuge (4,4%), conhecido (20,2%), desconhecido (13,2%). O uso do álcool foi referido pelos agressores em 19,4% dos casos notificados em 2022 (Tabela 1).
Na ACS, duas dimensões foram suficientes para explicar 100% da variabilidade dos dados, sendo que a primeira explica 96,6% e a segunda 3,4% (p-valor < 0,01) (Tabela 2). A dimensão 1 é explicada pelo tipo de violência (39,4%), ocorreu violência sexual (23,8%), local de ocorrência (16,6%), meio de agressão (10,9%), provável agressor (8,1%), idade (48,5%) e sexo (51,5%). Na dimensão 2, a suspeita de uso de álcool pelo provável agressor (32,5%) foi a variável que mais contribui, seguida do local de ocorrência (29,7%), meio de agressão (19,9%), provável agressor (13,7%), idade (51,5%) e sexo (48,5%) (Tabela 3).
A partir da observação das proximidades das variáveis no gráfico da AC, verifica-se que as associações foram: A) vítimas do sexo feminino, violência ocorrida na residência, violência psicológica e o meio de agressão por meio de ameaça; B) vítimas do sexo masculino, ocorrências em via pública, praticadas por desconhecidos, utilizando objetos cortantes ou contundentes; C) vítimas com idade entre 15 e 19 anos, violência física e tortura, uso de força corporal, ocorrência no comercio e consumo de álcool pelo agressor; D) vítimas entre 10 e 14 anos, violência sexual/ estupro, agressor padrasto (Figura 2).
Discussão
Este estudo analisou as notificações do SINAN para violência contra adolescentes entre 2015 e 2022. Esse estudo analisa pela primeira vez uma ampla série de dados do SINAN ao longo do tempo, apontando a oportunidade de explorar estes dados. A portaria 104 de 2011 instituiu a obrigatoriedade de notificação imediata ao SINAN dos casos confirmados e suspeitos de violência contra grupos vulneráveis.17 Entretanto, o aumento do número de notificações ao longo do tempo deve ser interpretado de forma cuidadosa, uma vez que reflete a implantação da Vigilância. Quando a vigilância de violências está bem implantada, os serviços tendem a notificar mais, e o aumento do número de notificações não necessariamente reflete taxas mais elevadas de violências naquelas localidades7. Estudo recente comparando as prevalência de violência contra mulheres identificadas na Pesquisa Nacional de Saude, com as notificações encontradas mo SINAN, por exemplo, apontou grande subnotificação dos casos de violência contra mulher, em especial em estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste, onde persistem vazios assistenciais e a Vigilância ainda não está bem implantada 18.
O estudo atual apontou alguns dados que merecem destaque: a queda da notificação durante a pandemia, a maior notificação de violência contra adolescentes do sexo feminino, o crescimento da notificação entre 10 a 14 anos, igualando-se as proporções com 15 a 19 anos. Tais dados se referem a violências não letais e estão em consonância com dados coletados na PNS 2019 e PENSE 2019 que apontam que as mulheres e meninas são as vítimas mais frequentes de violência, em especial sexual7,18,19,20. Esses dados diferem, entretanto, das análises referentes a mortalidade, na qual aparecem vítimas do sexo masculino liderando as taxas de mortalidade de violências físicas e comunitárias7,21,22 .
As diferenças culturais de gênero indicam a sociedade patriarcal e a cultura que incentiva meninos a serem violentos, usarem brincadeiras de armas de fogo, espadas, incentivando a competição e as disputas, enquanto as meninas brincam com bonecas, cuidando da casa e preparando os alimentos 7,21,22,23. O estímulo e a maior liberdade aos meninos também lhes conferem maior exposição aos riscos de mortes violentas e acidentais, em todas as faixas etárias7,21,22. Dessa forma, esse estudo comprova que a notificação ocorre mais fortemente para as violências não letais, domésticas, que são mais frequentes entre meninas e adolescentes mais novos.
O estudo apontou diversas situações de envolvimento de violência entre adolescentes. Em destaque a violência sofrida pelas meninas, sendo a principal a violência psicológica. Diversos estudos têm destacado os abusos sofridos pelas meninas desde a infância e as consequências futuras na saúde mental, com maior número de suicídios e internações na adolescência, abusos de substâncias psicoativas, automutilação, transtornos de humor, transtornos comportamentais (incluindo transtornos alimentares), sintomas dissociativos, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e somatizações23.
O sexo feminino se associou a violências ocorridas na residência, mostrando que o lar não é um local seguro para as meninas, que sofrem com a dominação machista e a sociedade patriarcal desde novas20. Dentre as vítimas mais jovens (10 a 14 anos), o estudo apontou associação com violência sexual, tendo o padrasto como agressor. Estudo com dados da PeNSE 2019 mostraram que dentre os escolares que relataram já terem sofrido estupro, mais da metade relatou que o primeiro episódio de tal violência ocorreu antes dos 13 anos.24
Um estudo que analisou registros de violência sexual no Instituto Médico Legal no Estado de Alagoas, entre 2016 e 2018, mostrou que dentre as 380 vítimas analisadas, 86,1% eram crianças/adolescentes violentadas e a idade média de ocorrência foi de 14 anos, sendo que o estupro de vulneráveis foi perpetrado por agressor adulto conhecido20. A violência sexual contra adolescentes tão novos e por pessoa conhecida mostra o lado perverso desse agravo. Ele ocorre em um período de maior vulnerabilidade do adolescente, quando ainda não há maturidade para se reagir à violência, além de maior dependência do seu agressor, o que pode dificultar sua denúncia e saída do ciclo de violência25,26.
Os dados do SINAN destacam que as vítimas do sexo masculino sofrem violência em via públicas, praticadas por desconhecidos, utilizando objetos cortantes. Estas ocorrências expressam hábitos de vida do sexo masculino que frequentam atividades festivas, aglomerações, em espaços públicos de maior risco7,21. As vítimas com idade entre 15 e 19 anos mostraram-se associadas a violência física e tortura, uso de força corporal, e o local de ocorrência mais frequente foi o comercio. A associação entre sexo masculino e adolescentes mais velhos tem um potencial de aumento de riscos e sobremortalidade masculina, já apontado na literatura27.
O uso de álcool tem sido identificado em diversos estudos com potencializados de situações de violência e agressividade 3,28,29. Dentre as políticas públicas preconizadas pela OMS, destaca-se a proibição da venda a menores de idade, redução dos pontos de venda e restrição de horários30.
Destaca-se ainda a redução da notificação durante a pandemia, o que foi identificado em outros estudos31. Isso pode ser explicado pelo fechamento de equipamentos de saúde, pela sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde, mas também por uma menor procura de assistência, tanto pela dificuldade de se desvencilhar do agressor (usualmente, alguém do lar) como por medo de contrair a COVID-19 ao buscar atendimento em saúde.
Os atos de violência praticados contra crianças e adolescentes são obstáculos ao desenvolvimento desses indivíduos e constituem um grave problema de saúde pública. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990) 32. assegura que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, dentre outros, tornando-se imprescindível avançar nas medidas de proteção.
Dentre as fortalezas do estudo, o emprego da análise de correspondência possibilita analisar a associação entre diversas variáveis simultaneamente, aliada à representação gráfica, que facilita a compreensão e divulgação dos resultados.
Dentre os limites do estudo, as notificações de violência são realizadas em função dos casos atendidos, assim estes achados podem não identificar o total de violências, não servindo para estimar prevalência/incidência populacional. A subnotificação das violências entre adolescentes pode ocorrer em função da omissão de informações por parte dos pais e familiares, a não procura pelos serviços por parte dos adolescentes, por medo, por não reconhecerem as violências praticadas, por não saberem de seus direitos, e por não terem os meios de se defender, além do pouco preparo dos profissionais para identificar a violência e medo de notificá-las.
Segundo a OMS 3, a prevenção da violência juvenil requer uma abordagem abrangente que reconheça a forte correlação entre as taxas de violência juvenil e as desigualdades econômicas. Os setores mais empobrecidos das sociedades, marcados por disparidades significativas de riqueza, apresentam consistentemente as taxas mais elevadas de violência juvenil. Para alcançar ganhos sustentáveis na prevenção, é importante abordar a desigualdade de rendimentos, aumentar a mobilidade económica e melhorar o acesso à educação, à proteção social e às oportunidades de emprego.
Conclusão
As violências contra adolescentes são um grave problema de saúde pública e acometem predominantemente as meninas. Adolescentes mais jovens, de 10 a 14 anos, sofrem violências nas residências, enquanto os de 15 a 19 anos e do sexo masculino nas vias públicas, sendo o álcool fortemente associado nas ocorrências. O SINAN torna-se um instrumento vital por permitir visibilidade ao tema. Por fim, a prevenção da violência juvenil requer uma abordagem abrangente que aborde os determinantes sociais da violência, tais como a desigualdade de rendimentos, as rápidas mudanças demográficas e sociais e os baixos níveis de proteção social.

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Malta, D.C, Bernal, R. T. I., Vasconcelos, N.M, Silva, I. C. V., Prates, M. L. S., Pinto, I. V., Lima, C. M.. Fatores associados à notificação de violência entre adolescentes brasileiros, uma análise do SINAN.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/jul). [Citado em 25/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/fatores-associados-a-notificacao-de-violencia-entre-adolescentes-brasileiros-uma-analise-do-sinan/19324?id=19324

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