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Artigos

0336/2024 - Fatores associados à violência contra a População em Situação de Rua em Belo Horizonte
Factors associated with violence against persons experiencing homelessness in Belo Horizonte

Autor:

• Giselle Lima de Freitas - Freitas, G.L - <gisellelf18@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8118-8054

Coautor(es):

• Giovanna Martins e Soares - Soares, G.M - <giovannamartinses@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9102-1514

• Larissa Solari Spelta - Spelta, L.S - <solarilarissa@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0041-4337

• Thiago Gomes Gontijo - Gontijo, T.G - <thiago.gontijo15@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7582-275X

• Deborah Carvalho Malta - Malta, D.C - <dcmalta@uol.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8214-5734

• Ricardo Alexandre Arcêncio - Arcêncio, R. A. - <ricardo@eerp.usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4792-8714



Resumo:

As condições de vulnerabilidade social, econômica e habitacional impõem diferentes manifestações de violência às pessoas em situação de rua. Objetiva-se identificar os tipos de violência sofrida por pessoas em situação de rua e analisar seus fatores associados. Trata-se de estudo quantitativo transversal, realizado com 356 pessoas em situação de rua, em Belo Horizonte/MG, entre agosto de 2021 e março de 2022. Para análise, realizou-se regressão de Poisson com variância robusta. Possuir companheiro (RP=1,748) e não possuir renda (RP=1,441) foram associados, respectivamente, a aumentos na prevalência de violência estrutural e geral, enquanto ser do sexo masculino (RP=0,547) contribuiu para diminuição da violência estrutural. A utilização de abrigos e albergues foi associada ao aumento das violências interpessoal (RP=1,528), coletiva (RP=1,487), estrutural (RP=1,695) e autoinfligida (RP=2,2). Esses resultados denunciam a violência dentro de serviços de acolhimento e demonstram que as iniquidades são determinantes no processo de vulnerabilização às violências.

Palavras-chave:

Violência. Exposição à violência. Vulnerabilidade social. Fatores socioeconômicos. Pessoas mal-alojadas.

Abstract:

The daily lives of homeless people are marked by numerous manifestations of violence, due to the conditions of social, economic and housing vulnerability to which they are subject. The aim was to identify the types of violence suffered by homeless people and analyze their associated factors. This is a cross-sectional quantitative study carried out with 356 homeless people in Belo Horizonte/MG, between August 2021 and March 2022. Poisson regression with robust variance was used for the analysis. Having a partner (PR=1,748) and not having an income (PR=1,441) were associated, respectively, with increases in the prevalence of structural and general violence, while being male (PR=0,547) contributed to a decrease in structural violence. The use of shelters was associated with an increase in interpersonal (PR=1,528), collective (PR=1,487), structural (PR=1,695) and self-inflicted (PR=2,2) violence. These results expose the violence within shelters and demonstrate that inequalities are a determining factor in the process of vulnerability to violence.

Keywords:

Violence. Exposure to Violence. Social Vulnerability. Socioeconomic Factors. Ill-Housed Persons.

Conteúdo:

Introdução
Na 49ª Assembleia Mundial de Saúde, ocorrida em 1996, a violência foi reconhecida como questão de Saúde Pública justificada pelas extensas repercussões à saúde física e mental, bem como pela sobrecarga dos serviços de saúde decorrente dos altos índices de morbimortalidade por causas externas1. Atualmente, a violência é compreendida para além da lógica biomédica2, deixando de ser analisada exclusivamente como comportamento individual e passando a ser reconhecida dentro das relações sociais, históricas e territoriais que a reproduzem3. Compreende-se violência, então, como o resultado da complexa interação dos fatores individuais, relacionais, sociais, culturais e ambientais, que violam os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana4.
Há uma relação íntima entre desigualdade e violência, que expõe públicos em situação de vulnerabilidade, como a população em situação de rua, a problemas dessa ordem5,6. A pandemia de Covid-19 resultou em uma crise sanitária e socioeconômica mundial, que atingiu desproporcionalmente segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade7. Dentre as disparidades sociais desveladas durante esse período, destaca-se o aumento expressivo da população em situação de rua em todo o país8.
Com a Política Nacional da População em Situação de Rua (Decreto nº 7.053, 2009), os direitos das pessoas em situação de rua passaram a constituir de forma significativa pauta para a administração pública9,10. O decreto caracteriza a população em situação de rua pela ausência de moradia, pela pobreza e vínculos familiares fragilizados, tendo como princípios: respeito à dignidade da pessoa humana; direito à convivência familiar e comunitária; valorização e respeito à vida e à cidadania; atendimento humanizado e universalizado; e respeito às condições sociais e diferenças de origem, no entanto, a questão da violência e seus enfrentamentos é pouco retratada11.
O descomprimento de tais princípios e as experiências comuns de discriminação e vulnerabilidade habitacional e econômica que constituem a vida na rua tornam o público suscetível a violências12,13. Ainda, tratando-se de um grupo heterogêneo, as trajetórias de vida distintas refletem na vitimização pela violência em suas diversas manifestações, interpessoal, autoinfligida, coletiva ou estrutural14.
Explorar a violência em um grupo vulnerabilizado permite a identificação e a distribuição do fenômeno na população, sendo necessário para o redirecionamento de ações, a adoção de medidas de proteção social e a estruturação de políticas públicas que garantam de forma efetiva os direitos humanos e a qualidade de vida. Reconhecendo-se a escassez de pesquisas que visam analisar as especificidades do fenômeno da violência na população em situação de rua, o presente estudo tem como objetivo identificar os tipos de violência sofridas por pessoas em situação de rua e analisar seus fatores associados.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, analítico, de abordagem quantitativa, pertencente a um projeto guarda-chuva denominado ‘Termômetro social - Covid-19’. Trata-se de pesquisa multicêntrica que objetivou analisar fatores associados à percepção de risco, padrões de comportamentos e medidas de proteção de populações durante a pandemia da Covid-19. Nacionalmente, o projeto foi conduzido pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e pela Universidade de São Paulo.
Em Belo Horizonte, Minas Gerais, o estudo teve como enfoque a participação da população em situação de rua. A amostra de 356 participantes foi determinada por cálculo amostral de população finita a partir de dados oficiais do município sobre o número de pessoas em situação de rua. Foram incluídas pessoas maiores de 18 anos, que estavam em situação de rua há mais de 1 mês e que habitam a região Centro-Sul de Belo Horizonte, visto que essa é a regional do município com maior concentração de pessoas em situação de rua15. Foi considerado como critério de exclusão: alterações (emocionais ou comportamentais) que comprometessem as respostas do potencial participante no momento da entrevista.
A coleta ocorreu por meio da aplicação de um questionário por acadêmicos treinados, nos Centros de Referência para a População em Situação de Rua das regionais Centro-Sul e Leste, entre agosto de 2021 e março de 2022. A abordagem foi facilitada pelo vínculo da população com o serviço, frequentado previamente pelo grupo estudantes em ações de extensão. No questionário, foram abordadas 15 situações que, para fins deste estudo, foram categorizadas em 4 tipos de violência.
A tipificação da violência visa auxiliar a análise e a compreensão de suas múltiplas manifestações1. A Organização Mundial da Saúde, em 2002, classifica a violência em 3 grandes categorias: interpessoal, que abrange a violência violência intrafamiliar e comunitária, representada no estudo pela violência contra o idoso, criança, adolescente e pessoa com deficiência, bem como a violência conjugal, exploração sexual e homicídios ou tentativa de homicídios; autoinfligida, representada pela tentativa de suicídio ou suicídio; e coletiva, representada pelo tráfico de drogas, conflitos entre grupos armados, como milícias, e pela violência policial.
Visto a invisibilização e o estigma vivenciados pela população em situação de rua, o presente estudo adotou como referencial teórico a tipologia de Minayo. À classificação anterior, a autora acrescenta o conceito de violência estrutural, que se permeia nas relações sociais, bem como nas instituições, resultando na exclusão social e vulnerabilização de indivíduos16. As manifestações desse tipo de violência contempladas pelo instrumento foram: racismo, LGBTfobia, trabalho análogo ao escravo e a falta de acesso à serviços e direitos básicos, como saúde, água potável, alimentação e transporte público.
Como variáveis de exposição, foram considerados os dados sociodemográficos: sexo (feminino; masculino), faixa etária (18-39 anos; ?40 anos), raça/cor autodeclarada (branco; não branco - pretos, pardos, amarelos e indígenas), situação conjugal (com companheiro; sem companheiro), escolaridade (alta - mais de 8 anos; baixa - 8 anos ou menos), ocupação (possui; não possui) e renda mensal (possui; não possui). Também, considerou-se a utilização de serviços de saúde e assistência social: beneficiário de auxílio governamental (sim; não), utilização de albergues e abrigos (sim; não) e utilização do Sistema Único de Saúde (sim; não). Optou-se pela dicotomização de variáveis dentre as quais as categorias apresentaram padrão de distribuição parecido, como faixa etária e escolaridade, para fins de análise17. Quanto à variável raça, devido à baixa frequência de autodeclarados amarelos e indígenas, considerou-se para análise apenas brancos e negros (variável síntese de pretos e pardos).
Os dados foram processados com o software Statistical Package for Social Science (IBM SPSS 22). Para a estatística descritiva utilizou-se frequência absoluta e relativa das variáveis de exposição de acordo com as categorias analisadas. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para verificar diferença estatisticamente significante na prevalência do desfecho por categorias das variáveis de exposição, sendo consideradas para análise múltipla todas as preditoras que apresentaram p-valor<0,2 . A associação entre os diferentes tipos de violência e as variáveis de exposição foi testada com o uso de regressão de Poisson com variância robusta. Adotou-se para a modelagem estatística da análise ajustada o método de entrada enter, sendo estimada a razão de prevalência (RP) e o intervalo de 95% de confiança. Consideram-se significativas as medidas de razão de prevalência que apresentaram p-valor<0,05 no teste qui-quadrado de Wald e cujo intervalo de confiança não ultrapassou 1.
O estudo passou por aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-UFMG) sob o parecer de nº 4.553.211, atendendo à resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.
Resultados
A amostra (n=356) foi composta predominantemente por pessoas do sexo masculino (89,04%), negros (84%), maiores de 40 anos (53,1%), sem companheiro(a) (93,26%), com baixa escolaridade (63,2%), sem ocupação (72,8%) e sem renda (64,9%). Ainda, apenas 40,16% relataram usufruir de albergues, abrigos e outros serviços de assistência social, enquanto 85,67% utilizam o Sistema Único de Saúde.
A prevalência geral de violência foi de 59,60%, sendo sua prevalência maior entre mulheres, pessoas negras, entre 18 e 39 anos, com companheiro, sem renda e que frequentam albergues e abrigos. Quanto às tipificações, a violência coletiva foi a mais prevalente (43,5%), seguida da estrutural (37,6%), interpessoal (37,1%) e, por fim, autoinfligida (10,1%). Os fatores associados à violência geral e aos seus tipos estão apresentados nas tabelas abaixo:

Tab.1
Não possuir renda contribuiu 44% (IC95%:1,054-1,96) para o aumento da violência geral.
Tab.2
Frequentar albergues, abrigos e serviços de acolhimento contribuiu 53% (IC95%:1,071-2,182) para o aumento da violência interpessoal.
Tab.3
Frequentar albergues, abrigos e serviços de acolhimento contribuiu 49% (IC95%:1,07-2,065) para o aumento da violência coletiva. Pessoas negras, por sua vez, apresentaram um aumento de 1,2 vezes (IC95%:1,053-5,054) na prevalência desse tipo de violência.
Tab.4
Frequentar albergues, abrigos e serviços de acolhimento contribuiu 69% (IC95%:1,175-2,446) para o aumento da violência estrutural e possuir companheiro, contribuiu 75% (IC95%: 1,01-3,023). Observou-se que ser do sexo masculino contribuiu 45% (IC95%:0,335-0,894) para sua diminuição.
Tab.5
Frequentar albergues, abrigos e serviços de acolhimento contribui para um aumento de 1,2 (IC95%:1,119-4,327) na prevalência da violência autoinfligida, quando comparado àqueles que não frequentam esses serviços.
Discussão
O estudo evidenciou elevada prevalência de violência pela população em situação de rua, sendo a forma mais frequente a violência coletiva, seguida das formas estrutural, interpessoal e autoinfligida. Em todas as suas formas ou dimensões, pessoas não-brancas e sem renda sofreram mais violência. Ainda, apesar de serem minoria na amostra, mulheres, pessoas entre 18 e 39 anos, com companheiro e que frequentam albergues e abrigos sofreram mais violência geral.
As características sociodemográficas, econômicas e de utilização de serviços de saúde e de assistência social não se distribuem de forma homogênea entre as diferentes formas de violência. Por exemplo, possuir companheiro e não possuir renda foram associados, respectivamente, a aumentos na ocorrência de violência estrutural e geral, enquanto ser do sexo masculino contribui para diminuição da ocorrência de violência estrutural. A utilização de albergues, abrigos e outros serviços de acolhimento foi associada a um aumento em todos os tipos de violência.
Entende-se a violência interpessoal como uma forma de comunicação e de relação interpessoal que pode se expressar por meio de agressões físicas, verbais ou sexuais no âmbito intrafamiliar ou comunitário16. As desigualdades sociais e econômicas se reproduzem espacialmente, criando, dentro do tecido urbano, espaços desvalorizados caracterizados pela ausência de segurança pública18. Um dos exemplos mais extremos dessa dinâmica encontra-se na população em situação de rua, que, na ausência de moradia convencional regular, utiliza o espaço público como espaço de moradia e sustento, resultando em uma superexposição à violência urbana19.
No município analisado, a PSR conta com uma rede de cobertura de serviços públicos preconizados pela Política Nacional para a População em Situação de Rua, como os Centros de Referência para População em Situação de Rua (Centro POP), Centro Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis e serviços de acolhimento temporário11. Esses espaços objetivam promover a autonomia e a possibilidade de saída das ruas, por meio de atividades como direcionamento para serviços das redes de assistência social e à saúde, expedição de documentos e atividades para desenvolvimento pessoal e social20. No entanto, a prevalência de violência constatada nos espaços de acolhimento e proteção é determinante para o afastamento da população das redes de apoio, contribuindo para sua vulneração21.
No estudo, quando questionados acerca do uso de serviços de acolhimento para pernoite, os participantes consideraram abrigos e albergues alternativas menos seguras que a ocupação da rua propriamente dita, tendo a maioria (59,84%) optado pela pernoite em calçadas, praças e viadutos. A associação entre a utilização de serviços de assistência social e as maiores prevalências de todos os tipos de violência é corroborada por estudo internacional que traz relatos de agressões físicas, criminalidade e uso de drogas dentro dessas instituições22.
Por violência coletiva, compreende-se o uso instrumental de violência que serve para consolidar a supremacia de um grupo sobre outro e/ou do Estado sobre sua população. Nessa categoria, incluem-se os crimes cometidos por grupos organizados, genocídios e guerras16. O poder público, então, atua como perpetuador direto da violência coletiva contra a população em situação de rua, por meio da criminalização e higienização dessas pessoas sob o pretexto de garantia da ordem23,24. Desta forma, é conferido à população em situação de rua um estado de exceção, no qual, apesar de terem seus direitos positivados por lei são invisibilizados, negligenciados e, por vezes, exterminados25.
Ademais, pessoas pretas e pardas sofreram significativamente mais violência coletiva que pessoas brancas. A negritude, quando associada à situação de rua, estabelece processos de marginalização social e cultural dentro da própria condição de vida na rua26,27. A estigmatização e exclusão são exacerbados dentro do contexto de corporeidades negras, agravando as condições de subalternidade simbólica e material vivenciadas por pessoas negras em situação de rua28, que apresentaram prevalências mais altas em todos os tipos de violência.
A violência estrutural é definida pelos processos culturais, sociais, políticos e econômicos que produzem e reproduzem dinâmicas de dominação e subordinação perpetuadas por meio das desigualdades sociais, de classe, gênero e raça16. Também é denominada “estruturante” pelo seu grau de enraizamento histórico, se consolidando como base para a maioria dos tipos de violência29. A condição de extrema vulneração vivenciada pela população em situação de rua é refletida na alta prevalência desse tipo de violação, manifestada principalmente pela discriminação, exclusão social e violação de direitos fundamentais. A omissão do Estado em seu papel de proteção social, então, é responsável pela manutenção de ciclos de produção de vulnerabilidades30.
A maior prevalência da violência interpessoal e estrutural em mulheres, demonstra as violências cotidianas por meio das quais a condição de subalternidade da mulher em relação ao homem se mantém31. Ainda, a dificuldade de acesso a direitos e serviços básicos ampliam a vulnerabilidade dessas mulheres, intensificando padrões patriarcais que perpetuam o ciclo de violência32.
As mulheres em situação de rua, muitas vezes, frente à ameaça iminente de agressão por outros homens, aderem a uma dinâmica paradoxal entre abuso e segurança, na qual o parceiro reivindica o papel tradicional de virilidade e proteção, a troco de submissão física e sexual33. A projeção de masculinidades dominantes e feminilidades frágeis, principalmente dentro do contexto de relacionamentos heterossexuais34, também é demonstrada pela associação estatística da vitimização de mulheres e pessoas com companheiros por violência estrutural, enquanto homens sofreram mais violência coletiva e autoinfligida.
A violência autoinfligida, apesar de menos prevalente que os demais tipos, apresentou prevalência alta, principalmente entre homens e jovens. Os dados dialogam com a literatura, que estabelece a situação de rua como fator de risco para o comportamento suicida35,36. A falta de apoio emocional e social, bem como o uso abusivo de álcool e outras drogas são fatores de risco para o sofrimento psíquico aos quais pessoas em situação de rua estão constantemente expostas, aumentando a vulnerabilidade à violência autoprovocada37,38.
Os estudos sobre violência na PSR são incipientes, sendo identificado somente um estudo, realizado em Uberlândia, que refere estimativas de chance da violência contra população de rua. O artigo evidenciou associação entre ser do sexo feminino e ser de cor não branca a um maior risco de sofrer violência39. Ainda, não ter morbidade autorreferida e o tempo de vida na rua inferior a 5 anos foram considerados fatores de proteção. Considera-se, então, o caráter inovador deste estudo, tratando-se de análise de prevalência em uma metrópole.
São reconhecidas como limitações a abrangência territorial da coleta de dados restrita à região centro-sul, apesar de apresentar a maior concentração de pessoas em situação de rua em Belo Horizonte15, invisibiliza as vivências possivelmente distintas de pessoas em situação de rua que ocupam regiões periféricas da cidade. O recorte temporal transversal não permite determinar uma relação de causalidade entre exposição (situação de rua) e desfecho (violência). A metodologia quantitativa, apesar de permitir exploração e extrapolação de dados, possui limitações no que tange à expressão da vivência subjetiva dessas pessoas.
A violência se faz presente no cotidiano de parcela significativa das pessoas que vivem suas vidas na rua, principalmente daqueles que se encontram na intersecção de vulnerabilidades, como pessoas negras, mulheres e pessoas que não possuem renda34. A situação de rua por si só pode ser caracterizada violência por negligência do Estado, visto que a moradia constitui um direito social40.
Os resultados denunciam a violência dentro de serviços de assistência social, como abrigos e albergues, afastando populações vulnerabilizadas. Ainda, a alta prevalência da violência estrutural autorreferida demonstra compreensão da violência para além da agressão física, com um olhar crítico sobre os processos estruturantes que a perpetuam. Assim, o estudo contribui para um aprofundamento da compreensão das maneiras como a violência se manifesta no cotidiano das pessoas em situação de rua, possibilitando um olhar para essa questão social e a avaliação de políticas públicas atuais.
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Freitas, G.L, Soares, G.M, Spelta, L.S, Gontijo, T.G, Malta, D.C, Arcêncio, R. A.. Fatores associados à violência contra a População em Situação de Rua em Belo Horizonte. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/out). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/fatores-associados-a-violencia-contra-a-populacao-em-situacao-de-rua-em-belo-horizonte/19384?id=19384&id=19384

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