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Artigos

0306/2023 - Impacto das Políticas e Planos Municipais sobre os Indicadores de Acesso ao Saneamento Básico
Impact of Municipal Policies and Plans on Indicators of Access to Basic Sanitation

Autor:

• Juliana Maria de Araújo - Araújo, J.M - <juliana.m.araujo@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2004-3062

Coautor(es):

• Suely de Fátima Ramos Silveira - Silveira, S.F.R - <sramos@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1303-7190

• Marco Aurélio Marques Ferreira - Ferreira, M.A.M - <marcoaurelio@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9538-1699



Resumo:

Embora a literatura sobre políticas públicas tenha avançado muito, a efetividade das políticas de saneamento não foi suficientemente explorada em estudos empíricos. Diante disso, esse estudo objetivou compreender o impacto das políticas e planos municipais de saneamento básico sobre a taxa de acesso aos serviços de água potável e esgotamento sanitário. Para isso, foram coletados dados dos 853 municípios de Minas Gerais no que se refere ao provimento do saneamento, bem como indicadores socioeconômicos, de qualidade de vida e demográficos, tratados com as técnicas de teste t de diferenças entre médias e Propensity Score Matching. Os resultados revelaram a necessidade de maior planejamento do saneamento no estado, uma vez que uma significativa parcela dos municípios não dispõem de instrumentos formais de planejamento do setor. Ademais, verificou-se que as políticas e planos de saneamento impactaram positivamente nos índices de acesso ao esgotamento sanitário, tanto totais quanto urbanos. Porém, no que refere ao abastecimento de água, os dados não revelaram impacto positivo estatisticamente significativo. Portanto, os resultados jogam luz sobre a efetividade dos instrumentos de planejamento sobre essa categoria de serviços, revelando sua contribuição para a ampliação do acesso ao esgotamento sanitário.

Palavras-chave:

Serviços de Saneamento Básico; Propensity Score Matching; Plano Municipal de Saneamento Básico; Política Municipal de Saneamento Básico.

Abstract:

Although the literature on public policies has advanced a lot, the effectiveness of sanitation policies has not been sufficiently explored in empirical studies. Therefore, this study aimed to understand the impact of municipal basic sanitation policies and plans on the rate of access to drinking water and sewage services. For this, data were collectedthe 853 municipalities of Minas Gerais regarding the provision of sanitation, as well as socioeconomic, quality of life and demographic indicators, treated with the t-test techniques for differences between means and Propensity Score Matching. The results revealed the need for greater sanitation planning in the state since a significant portion of municipalities do not have formal planning instruments for the sector. Furthermore, it was found that sanitation policies and plans had a positive impact on the rates of access to sanitation, both total and urban. However, regarding water supply, the data did not reveal a statistically significant positive impact. Therefore, the results shed light on the effectiveness of planning instruments for this category of services, revealing their contribution to expanding access to sanitation.

Keywords:

Basic Sanitation Services; Propensity Score Matching; Municipal Basic Sanitation Plan; Municipal Basic Sanitation Policy.

Conteúdo:

1 INTRODUÇÃO

O saneamento básico possui efeitos notáveis e amplamente reconhecidos sobre a qualidade de vida, desenvolvimento humano, saúde coletiva, cidadania e meio ambiente, tornando-se um objetivo legítimo das políticas públicas 1–4. Não obstante essa importância, observa-se em todo o mundo uma histórica dificuldade em se alcançar as metas relativas ao abastecimento de água e esgotamento sanitário 5. Em 2019, mais de 2 bilhões de pessoas ainda não possuíam acesso adequado à água potável, com mais de 1% da população global defecando a céu aberto 6.
No contexto brasileiro, o acesso ao saneamento vem aumentando ainda de forma tímida nas últimas décadas 1, mesmo com os diversos esforços empenhados pela gestão pública para ampliação do provimento dos serviços. Como consequência, esse setor ainda ocupa o último lugar dentre os serviços de infraestrutura, com baixos níveis de qualidade e disponibilidade 7.
O marco legal instituído pela Lei 11.445/2007 inaugurou uma nova fase para a gestão do saneamento no Brasil, permitindo importantes avanços no que se refere à incorporação das características locais para o planejamento dos serviços. Com isso, os municípios passaram a ser protagonistas também na prestação dos serviços de saneamento, em consonância com o estipulado na Constituição Federal de 1988 1, devendo formular seus planos municipais de saneamento (PMSB), instrumentos fundamentais para contratação ou concessão dos serviços.
O PMSB seria o documento básico do planejamento do saneamento a longo prazo baseado em um diagnóstico prévio do contexto local, estabelecendo condições para a efetiva prestação dos serviços, além de metas, projetos e ações 8,9. Este planejamento, por sua vez, seria um dos instrumentos das Políticas Públicas Municipais de Saneamento Básico (PPMSB), que abarcariam também as responsabilidades dos atores envolvidos, fiscalização e regulação dos serviços, dentre outros aspectos 8,10. As PPMSB consistem em importante instrumento de gestão, regulação e fiscalização dos serviços, definindo o modelo jurídico institucional do setor com vistas à promoção do controle social e da participação cidadã à medida em que busca alcançar os princípios básicos definidos no marco legal do setor e a integração entre as políticas de desenvolvimento 8,10,11.
A importância dos instrumentos de planejamento a nível municipal para a majoração dos índices de acesso aos serviços e recebimento de recursos federais motivaram alguns estudos a esse respeito, como as análises sobre os próprios planos ou políticas municipais de saneamento, a exemplo de Pereira e Heller 12 e Nunes e Borja 13. Também se destacam as tentativas de compreensão dos fatores que interferem no planejamento municipal, conforme Lisboa et al. 14 e Alves Filho 15.
Além disso, considerando os efeitos do saneamento sobre a saúde pública, Bayer et al. 16 tentaram relacionar a existência das PPMSB com a probabilidade de ocorrência de doenças, mas verificaram que não havia relação significativa. As PPMSB somente exerceriam efeito sobre as condições de saúde no caso de o município estar cercado por outros municípios com PPMSB, ensejando uma reflexão sobre o processo de planejamento dos serviços de saneamento hoje vigente. Corroborando com esta discussão, Oliveira e Soares 17 questionaram a própria capacidade dos municípios de prover os serviços de saneamento básico, uma vez que localidades pequenas teriam uma grande dificuldade para universalizar os serviços, tendo em vista sua capacidade estatal limitada. Como consequência dessas vulnerabilidades geográficas, muitos objetivos podem não ser atingidos, como é o caso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que preveem alcançar o desenvolvimento integrado, considerando-se as necessidades humanas e do ambiente 18.
Dado o exposto, é fundamental aprofundar a compreensão sobre o processo de planejamento a nível municipal e se ele vem, de fato, sendo efetivo. Visando contribuir para aprofundar esta reflexão, questiona-se: qual o impacto dos instrumentos municipais de planejamento sobre os indicadores de acesso ao saneamento? Assim, este estudo tem como objetivo compreender o impacto das políticas e planos municipais de saneamento básico sobre a taxa de acesso aos serviços de água potável e esgotamento sanitário em Minas Gerais.
Como diferencial deste estudo, tem-se a atualidade dos dados e a abrangência da análise, contemplando os instrumentos de planejamento (planos e políticas) de cada um dos municípios do estado. Busca-se, com este estudo, fornecer evidências empíricas sobre a efetividade do planejamento do saneamento básico conforme ele é estabelecido atualmente e sua capacidade de impactar nos indicadores de acesso aos serviços de água e esgotamento sanitário. Além de contribuir para a identificação da efetividade do planejamento realizado atualmente, este estudo colabora, também, para a identificação de falhas nos planos e políticas de saneamento que, por sua vez, impactam indiretamente na saúde coletiva e qualidade de vida da população.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Unidade de análise e variáveis utilizadas

A unidade de análise adotada neste estudo consiste nos 853 municípios do estado de Minas Gerais, em razão de sua heterogeneidade em termos de modernidade, indicadores socioeconômicos e desenvolvimento 19. Em vistas disso, será possível a compreensão do impacto das políticas e planos de saneamento considerando municípios bastante diversos, o que se assemelha à própria conjuntura nacional uma vez que as disparidades estão presentes no território como um todo.
Os dados empregados foram coletados em diversas bases oficiais de acesso aberto, a saber: Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística (IBGE), Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS) e Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O ano a que eles se referem corresponde ao período mais atual com dados disponível, sendo 2019 para a maioria das variáveis, com exceção do PIB cujos dados mais atuais eram de 2018. O Quadro 1 contém a descrição de todas as variáveis utilizadas no estudo.

Quadro 1

Para as variáveis observáveis, que são importantes no processo de cálculo da probabilidade de exposição ao tratamento (que será discutido a seguir), foram consideradas aquelas que podem influenciar na probabilidade de elaboração das políticas e planos de saneamento sem que, entretanto, fossem diretamente afetadas por eles. Variáveis específicas do setor de saneamento, tais como receitas, despesas, número de funcionários ou capacidade técnica não foram incluídas no modelo, uma vez que seriam diretamente afetadas pelo planejamento e, consequentemente, pela expansão do acesso aos serviços de saneamento.
Justificativa similar vale para a não inclusão de outros indicadores de saúde, tais como mortalidade infantil e internações por condições sensíveis ao saneamento ambiental inadequado, uma vez que seriam diretamente afetadas pelo melhor planejamento e provimento do saneamento. Dessa forma, considera-se que afetam na capacidade de elaboração dos instrumentos de planejamento a condição socioeconômica local, aspectos demográficos e a vulnerabilidade social dos cidadãos, uma vez que a capacidade de pagamento pelos serviços também é um aspecto importante.

2.2. Técnicas empregadas

Primeiramente foi realizada uma análise exploratória dos dados coletados, a fim de evidenciar os valores de média, desvio-padrão, valores máximo e mínimo. Para a análise da diferença nos índices de acesso ao saneamento quando se compara municípios com e sem políticas (ou com e sem planos de saneamento) foi realizado o teste t de diferença entre médias.
Utilizando uma metodologia mais robusta, com o intuito de verificar o impacto das políticas e planos de saneamento sobre os indicadores de acesso à água e esgotamento sanitário, foi empregada a técnica de Propensity Score Matching (PSM). Nesta etapa, o grupo tratado correspondia aos municípios que informaram possuir política (ou plano) municipal de saneamento em consonância com a Lei 11.445/2007 e os demais formavam o grupo de controle.
Na técnica PSM é computada a probabilidade (escore de propensão) do município não tratado receber a intervenção pública com bases nas características observáveis selecionadas (covariáveis). Os municípios do grupo tratado são pareados com os municípios do grupo controle que tenham o escore de propensão mais próximo (critério utilizado neste estudo) ou outro método de pareamento. A diferença média na variável de resultado quando se compara o grupo tratado com seu contrafactual representa o impacto da intervenção 20.
Esta técnica é comumente utilizada para a realização de análises de impacto, uma vez que a realização do pareamento permite comparar unidades de análise similares, produzindo resultados mais robustos. Além disso, como as políticas e planos de saneamento não são perenes no tempo, ou seja, municípios podem dispor destes instrumentos em um ano e não em outro, técnicas que comparem antes e depois da intervenção (como o diferenças em diferenças) não seriam as mais adequadas ao estudo. Como limitação do PSM, tem-se a suposição de que não há características não observáveis afetando simultaneamente a probabilidade de exposição ao tratamento e os resultados de interesse, o que não pode ser estatisticamente comprovado 20.
Como covariáveis para o pareamento foram escolhidas as variáveis referentes ao produto interno bruto, índice de envelhecimento da população, taxa de urbanização, densidade populacional, valor médio repassado aos beneficiários do Bolsa Família e rendimento médio no setor formal. Tais variáveis, que correspondem às características observáveis dos municípios, podem influenciar na probabilidade de realização das políticas e planos de saneamento, mas não são afetadas diretamente pela intervenção pública.
De fato, a literatura aponta que são necessários diversos recursos para o provimento e planejamento do saneamento básico, como corpo técnico especializado, financiamento e capacidade de pagamento pelas tarifas 21,22. Estes aspectos estão relacionados ao contexto local, de forma que podem estar associados às características socioeconômicas dos municípios, tais como PIB, rendimento da população e vulnerabilidade social do local. Já a variável acerca do envelhecimento da população foi inserida pelo fato de que ela enseja a reorientação do provimento de saúde em localidades onde a população é mais idosa, visando uma assistência mais prolongada 23. Ademais, outros fatores também facilitam que os serviços sejam prestados, como a taxa de urbanização e a densidade populacional 22,24.
É válido ressaltar que as variáveis de resultado utilizadas correspondem aos níveis de atendimento total e urbano dos serviços de água e esgoto. Apesar de o saneamento englobar também outras categorias de serviços (limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e manejo e drenagem de águas pluviais urbanas), somente os serviços de água e esgoto possuem metas explícitas de universalização até 2033 conforme o novo marco legal.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 O impacto das políticas e planos municipais de saneamento sobre os indicadores de acesso ao abastecimento de água e esgotamento sanitário

Inicialmente, conforme Tabela 1, foram calculadas as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas no estudo, com o intuito de explorar os dados para melhor conhecê-los. Para as variáveis contínuas com desvio-padrão superior à média foram reportados os valores referentes aos 1º, 2º e 3º quartis, dada a grande heterogeneidade dos dados.
Chamou a atenção o fato de que aproximadamente 65% dos municípios com dados disponíveis haviam elaborado os planos de saneamento, sendo que cerca de 49% deles implementaram as políticas municipais. Logo, percebe-se uma lacuna entre a realização do planejamento e a elaboração das políticas, ensejando uma análise mais profunda acerca das razões que motivam os gestores públicos a realizarem tanto os planos de saneamento quanto a implementação das políticas públicas.
Dada a importância dessas políticas, onde são indicadas metas, os atores responsáveis, dentre outros aspectos, é importante que estas sejam, de fato, formuladas em consonância com o que determina a legislação. Somente após isso, pode-se esperar que os objetivos das políticas sejam atingidos em sua plenitude, ocasionando a minimização de problemas sociais e ambientais resultantes do crescimento das cidades, pois elas refletirão todo o planejamento estratégico realizado e estabelecerão os responsáveis por fiscalizar e regularizar os serviços 10.

Tab.1

Também é relevante destacar as iniquidades nos índices de atendimento dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Os dados indicam uma maior capacidade de provimento dos serviços em ambientes urbanos, o que enseja a necessidade de formulação de estratégias ou novas políticas públicas que visem à expansão dos serviços para o âmbito rural. De fato, a literatura evidencia que o provimento do saneamento é facilitado em ambientes mais urbanizados, uma vez que a concentração da população no meio urbano ocasiona maiores investimentos e melhoria da infraestrutura, facilitando o provimento dos serviços nestes locais 24.
Para alcance das metas de universalização em termos de atendimento, é necessária a criação de estratégias de ampliação dos serviços, principalmente de esgotamento sanitário que persiste com os menores índices de atendimento. Galvão Junior 2 ressalta o déficit nos serviços de coleta e tratamento de esgoto, principalmente na zuna rural e em locais periféricos, onde predomina a população mais pobre. Além disso, é importante ressaltar que os indicadores de atendimento não refletem a qualidade dos serviços prestados, podendo haver ainda problemas na continuidade do acesso por parte da população mais carente 2.
Também é relevante compreender se municípios com políticas públicas e planos municipais de saneamento possuem maiores níveis de atendimento dos serviços em questão. Para esta verificação, primeiramente foi executado um teste t de diferença entre médias, comparando-se os municípios com planos e/ou políticas (grupo 1) com os que não dispõem destes mecanismos (grupo 0). Os resultados estão evidenciados na Tabela 2.

Tab.2

Percebeu-se que os municípios com planos de saneamento possuíam maiores níveis de atendimento para os serviços de abastecimento de água total e esgotamento (urbano e total). No entanto, o atendimento de água urbano era ligeiramente menor em municípios com tais planos. Isso pode significar que localidades que tenham ainda níveis insatisfatórios de acesso urbano ao abastecimento de água estejam agora elaborando seus planos, não havendo ainda tempo hábil para comprovação de efeitos positivos.
Em relação à existência das políticas de saneamento, verificou-se que as médias eram diferentes e estatisticamente significativas somente para o atendimento de água e esgoto totais. Assim, pode haver indícios de efetividade de tais políticas para a expansão do acesso aos serviços em âmbito rural, uma vez que não houve diferença para o atendimento urbano.
Tendo em vista as limitações do teste t de diferença entre médias, que considera apenas as diferenças entre os grupos, procedemos à utilização do Propensity Score Matching. Os municípios com políticas ou planos de saneamento foram considerados grupo tratado, enquanto os demais formavam o grupo de controle. Para cálculo da probabilidade de exposição ao tratamento foram consideradas como variáveis observáveis: PIB, taxa de envelhecimento, urbanização, densidade populacional, valores do Bolsa Família e rendimento médio da população. Os municípios tratados e controles foram então pareados conforme o vizinho mais próximo. Assim, o PSM produz resultados mais robustos, uma vez que pareia grupo tratado e seu contrafactual, calculando os resultados atribuíveis à intervenção. A Tabela 3 contém os resultados obtidos.
Apesar das diferenças entre as médias, os resultados do PSM indicaram que, na verdade, o atendimento total de água não vem sendo impactado nem pelos planos e nem pelas políticas de saneamento básico. Neste aspecto se percebe ainda a ineficácia destes instrumentos de planejamento, o que pode ser atribuído também a uma recente utilização destes mecanismos. Logo, é necessário um monitoramento mais profundo acerca da elaboração dos planos e políticas de saneamento e seu efeito no abastecimento total de água.

Tab.3

Já em relação ao índice de atendimento urbano de água, os resultados foram diferentes do esperado. Enquanto houve uma atribuição de impacto negativo à elaboração dos planos de saneamento, as políticas não exerceram nenhum impacto sobre o referido indicador. Isso novamente leva a crer que haja uma elaboração tardia do plano de saneamento por parte de municípios com baixos indicadores de abastecimento de água. Se isso realmente ocorre, ainda não haveria tempo hábil para a identificação de impacto das políticas de saneamento, uma vez que estas necessitam da conclusão do plano para que sejam criadas.
De fato, a literatura evidencia a dificuldade na gestão da água, atualmente marcada principalmente pela deterioração na qualidade da água potável, comprometendo a saúde humana 25. Principalmente nos países em desenvolvimento, um dos maiores desafios é a capacidade a longo prazo de tratamento das águas residuais, o que acarreta a ineficácia dos projetos da área 26,27. Também é frequente a limitação na capacidade de formulação e implementação das políticas, que requerem um ambiente institucional apropriado e a compreensão de como os diversos níveis de instituições atuam 28.
Para garantir a infraestrutura necessária aos projetos de saneamento, cuja carência é aguda nos países em desenvolvimento, esforços nacionais e internacionais têm sido empregados 29. Não obstante, ainda conforme o autor, é preciso atenção à trajetória política e institucional local e não somente replicar ações já desenvolvidas em outros locais com diferentes contextos.
Em estudo envolvendo 73 países durante o período de 2000-2012, Luh e Bartram 30 verificaram o progresso destes rumo à universalização do acesso à água potável e saneamento. Os autores observaram que a majoração dos indicadores de acesso nesses locais estava ainda muito inferior do máximo atingível, o que poderia estar atrelado às variações nas políticas adotadas e aos diferentes níveis de capacidade institucional, que influenciam na capacidade de execução eficaz das políticas. Ademais, apesar das autoridades internacionais serem dotadas de autoridade para fiscalizar o cumprimento por parte dos Estados acerca do direito humano à água e ao saneamento, as ferramentas para isso ainda não estão plenamente disponíveis 31.
Lippi et al.32 também chamam a atenção para o fato de que uma regulamentação nacional comum para a política não garante o sucesso da mesma. Dessa forma, fatores locais e a rede de atores envolvidos podem afetar a forma de implementação da política e, consequentemente, seus resultados.
Por isso, reitera-se a necessidade de estudos sobre esta temática, além do monitoramento in loco da realização das políticas e planos de saneamento. Podem ser necessários, também, outros incentivos aos gestores para que efetuem o processo de planejamento, além da garantia de capacidade técnico-institucional para sua realização. Estudos qualitativos sobre a temática seriam de grande importância para a compreensão destes aspectos e dos desafios à elaboração do planejamento do saneamento nestes municípios.
No que tange ao impacto atribuível aos planos e políticas de saneamento sobre os indicadores de esgotamento sanitário (total e urbano) os resultados foram bastante promissores, uma vez que foram constatados impactos positivos para todos eles. Assim, confirma-se que os indicadores de acesso ao serviço de esgotamento sanitário são realmente superiores quando os municípios elaboram seus planos e políticas municipais de saneamento. Este resultado é de grande importância por indicar a efetividade do planejamento sobre esta classe de serviços, revelando que, de fato, há um efeito positivo atribuível à realização dos planos e políticas.
A literatura evidencia que uma parcela representativa da população mundial ainda não dispõe de condições de esgotamento sanitário adequadas. Como exemplo, cerca de 20% da população da África Subsaariana ainda pratica defecação a céu aberto, o que compromete a qualidade dos recursos naturais e ameaça a saúde dessa população 33. Em 2020, cerca de 4,2 bilhões de pessoas no mundo não dispunham de esgotamento sanitário adequado, enquanto mais de meio bilhão sequer dispunha de um banheiro 34.
Essa situação se agrava diante da falta de atratividade dos projetos de esgotamento sanitário se comparados aos do setor de água, devido à carência de financiamento, aos curtos prazos dos projetos e falta de interesse de muitos profissionais 35. Ainda, apesar de uma vasta literatura acerca da forma como o saneamento deve ser provido pelos governos, pouco se discute acerca da necessidade de acesso sustentável a esses serviços, em que se deve atentar para as questões socioeconômicas, técnicas e institucionais 36.
Diante disso, os resultados obtidos neste estudo trazem à tona outros questionamentos sobre os serviços de água e esgoto. Tendo em vista que o acesso ao abastecimento de água já é superior, uma dúvida seria a eficácia dos planos e políticas sobre este serviço. Apesar da existência do plano condicionar o acesso a recursos federais para o setor 15, talvez sejam necessários outros meios para o alcance da universalização dos serviços. Além do que, é necessário compreender se as outras metas previstas estão sendo cumpridas, uma vez que se pretendia a maior eficiência e qualidade dos serviços prestados.
Por outro lado, a literatura evidencia que o maior desafio seria a universalização do serviço de esgotamento sanitário, ou seja, seria o serviço que concentra menor acesso. Assim, por já ter menores indicadores de atendimento talvez esta tipologia de serviço seja mais sensível à elaboração adequada do planejamento municipal. No entanto, ainda é preciso se atentar para a velocidade com que esses indicadores de acesso foram incrementados. Apesar das metas de universalização do acesso ao saneamento, caso a velocidade do acréscimo nos indicadores de acesso se mantenha só seria possível atingir essa meta no século XXII 34.
Outro aspecto que deve ser analisado se refere às atividades previstas para a elaboração do planejamento do saneamento, além da integração, neste processo, dos atores envolvidos no setor. Logo, o não atingimento da meta de ampliação do acesso ao abastecimento de água pode estar, na verdade, sendo dificultada por outros aspectos não inclusos neste estudo. Estas hipóteses, se confirmadas, justificariam o impacto positivo verificado para o esgotamento sanitário, mas não para o abastecimento de água. Diante disso, verifica-se a necessidade de estudos sobre o tema a fim de compreender de forma mais profunda as estratégias para ampliação do acesso aos serviços e, consequentemente, propiciar o alcance da universalização prevista nos marcos legais do saneamento básico.
Diante do exposto, constata-se a também a relevância dos estudos avaliativos, uma vez que permitem gerar contribuições para a sociedade e para os gestores públicos por meio da constatação da (ine)eficácia das políticas públicas implementadas. Logo, o objetivo maior de tais estudos seria justamente gerar valor para a sociedade, contribuindo para o alcance do bem-estar social. Por meio deste estudo, não só se pôde constatar o efeito atribuível aos planos e políticas de saneamento como também mensurar seu impacto ao bem-estar da sociedade, representado pelo acesso aos serviços de água e esgotamento sanitário. Além disso, os resultados possibilitaram o estabelecimento de uma nova agenda de pesquisas, possibilitando aprofundar o conhecimento sobre a temática e contribuir para o alcance da universalização do saneamento.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo evidenciaram aspectos importantes sobre o planejamento do saneamento básico e o atingimento das metas de ampliação do acesso à água potável e esgotamento sanitário. Inicialmente, destacou-se o fato de que muitos municípios realizaram o plano, mas não elaboraram as políticas de saneamento. Dos municípios analisados, cerca de 35% não possuíam o plano municipal de saneamento, ou seja, não dispunham de instrumentos formais de planejamento conforme dispõe o marco legal.
Além disso, somente para as variáveis de acesso ao serviço de esgotamento (tanto total quanto urbano) foi constatado um impacto positivo significativo, sendo este atribuível tanto aos planos de saneamento quando às políticas. Assim, percebe-se que os instrumentos de planejamento do saneamento permitem o acréscimo no provimento dos serviços de esgotamento sanitário, mas não no acesso à água potável. No entanto, isto pode estar relacionado a uma elaboração tardia dos planos e políticas de saneamento em municípios com baixos níveis de provimento dos serviços de abastecimento de água, não sendo possível ainda a obtenção de impactos positivos.
Logo, este estudo avançou em relação à literatura por indicar a eficácia do planejamento, pelo menos no corte temporal analisado, somente para o esgotamento sanitário. Diante disso, é necessário compreender mais sobre este resultado, ensejando estudos que tenham como objetivo a análise dos condicionantes da elaboração das políticas e planos de saneamento e a percepção do seu efeito sobre os indicadores de acesso ao saneamento por parte dos gestores. É necessário, então, entender os fatores que motivam os gestores a elaborarem os planos e políticas de saneamento, além das barreiras que podem existir neste processo.


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Araújo, J.M, Silveira, S.F.R, Ferreira, M.A.M. Impacto das Políticas e Planos Municipais sobre os Indicadores de Acesso ao Saneamento Básico. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/out). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/impacto-das-politicas-e-planos-municipais-sobre-os-indicadores-de-acesso-ao-saneamento-basico/18932?id=18932&id=18932

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