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Artigos

0168/2024 - Infecção Latente pelo Mycobacterium Tuberculosis em Profissionais de Saúde da Atenção Primária à Saúde.
Latent Mycobacterium Tuberculosis Infection in Primary Health Care Professionals

Autor:

• Socorro Adriana de Sousa Meneses Brandão - Brandão, S. A. S. M. - <adrianamenesesbrandao@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6711-3515

Coautor(es):

• Telma Maria Evangelista de Araújo - Araújo, T. M. E. - <telmaevangelista@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5628-9577

• Arinete Véras Fontes Esteves - Esteves, A. V. F. - <arineteveras@ufam.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3827-6825

• LídyaTolstenko Nogueira - Nogueira, L. T. - <lidyatn@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000000349186531

• Elaine Maria Leite Rangel Andrade - Andrade, M. L. R. - <elairgel@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1772-7439

• Laura Maria Vidal Nogueira - Nogueira, L. M. V. - <lauramavidal@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0065-4509

• Paulo de Tarso Moura Borges - Borges, P. T. M. - <ptborges@gmail.com>
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2121-6156



Resumo:

O estudo objetiva analisar a ocorrência e fatores associados à infecção latente tuberculosa entre profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde. Estudo transversal analítico, com amostra aleatória de 280 participantes. Aplicou-se dois instrumentos, o primeiro para nortear o critério de exclusão e o segundo, específico sobre ILTB e previamente validado. Em seguida, realizou-se a prova tuberculínica. Os dados foram analisados com o Statistical Package for the Social Science versão 22. Após verificação do pressuposto de normalidade, utilizaram-se estatísticas descritivas e inferenciais, para determinar a freqüência da infecção latente tuberculosa e os fatores associados. Aplicou-se a razão de prevalência bruta, com os respectivos intervalos de confiança. Na seqüência, a Regressão de Poisson, estimou a razão de prevalência ajustada para cada variável significativa a 5%. A prevalência estimada de infecção latente tuberculosa foi de 21,8%. Tabagismo, ter contato com pacientes hospitalizados, freqüência inadequada e não uso dos equipamentos de proteção individual, mostraram associação estatisticamente significante da prevalência de positividade da prova tuberculínica. Sugerem-se mudanças nas ações de avaliação, monitoramento e tratamento adequado para profissionais sob o risco da infecção.

Palavras-chave:

Pessoal de Saúde; Tuberculose Latente; Atenção Primária à Saúde.

Abstract:

The study aims to analyze the occurrence and factors associated with latent tuberculosis infection among health professionals in Primary Health Care. Analytical cross-sectional study, with a random sample of 280 participants. Two instruments were applied, the first to guide the exclusion criteria and the second, specific on LTBI and previously validated. Then, the tuberculin skin test was performed. Data were analyzed using the Statistical Package for Social Science version 22. After checking the assumption of normality, descriptive and inferential statistics were used to determine the frequency of latent tuberculous infection and associated factors. The crude prevalence ratio was applied, with the respective confidence intervals. Next, Poisson Regression estimated the adjusted prevalence ratio for each significant variable at 5%. The estimated prevalence of latent tuberculous infection was 21.8%. Smoking, having contact with hospitalized patients, inadequate attendance and non-use of personal protective equipment showed a statistically significant association with the prevalence of positive tuberculin skin test. Changes in assessment, monitoring and appropriate treatment actions for professionals at risk of infection are suggested.

Keywords:

Health Personnel; Latent Tuberculosis; Primary Health Care.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

A Infecção Latente Tuberculosa (ILTB) ocorre quando uma pessoa se encontra infectada pelo Mycobacterium tuberculosis, sem manifestação da doença ativa. Em geral, as pessoas infectadas permanecem saudáveis por muitos anos, sem transmitir o bacilo, e com imunidade parcial à doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que um quarto da população mundial esteja infectada pelo Mycobacterium tuberculosis. Isso, todavia, não significa que todos os infectados adoecerão com a forma ativa da tuberculose (TB), mas que constituem reservatórios do bacilo que podem ser reativados sob condições de resposta imunológica alterada¹.
No período de 2015 a 2020, observou-se aumento da ocorrência de TB em populações mais vulneráveis ao adoecimento. A variação de casos nesse período, na população privada de liberdade, foi de 5.860 a 8.978; nos profissionais de saúde, de 837 a 1.043; em imigrantes, de 335 a 542; e na população em situação de rua, de 1.689 a 2.071².
No intuito de fortalecer cada vez mais o controle da doença no Brasil e acompanhar a estratégia mundial, o Ministério da Saúde elaborou, em 2017, o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, com objetivo de eliminá-la como problema de saúde pública. Esse plano está organizado em três pilares: prevenção e cuidado integrado centrados na pessoa com TB; políticas arrojadas e sistemas de apoio; intensificação da pesquisa e inovação. Em cada pilar, estão contemplados os objetivos e as estratégias que devem ser seguidos para o alcance das metas propostas (redução do coeficiente de incidência e de mortalidade e das famílias acometidas por custos catastróficos) 2.
Inserido no Pilar 1 do Plano de Nacional pelo Fim da Tuberculose no Brasil, está o objetivo de intensificar as ações de prevenção, que alberga as estratégias referentes ao aumento do rastreio, diagnóstico e tratamento da ILTB, bem como a implantação nacional da vigilância da ILTB, entendendo essa atividade como fundamental para o alcance das metas ³.
Em virtude da Atenção Primária à Saúde (APS) ser a principal porta de entrada do serviço de saúde e ter os protocolos para diagnóstico e tratamento da TB, os profissionais nela inseridos tem exposição elevada para infecção da tuberculose e infecção latente4.
Dentro da APS e mais especificamente da Estratégia Saúde da Família (ESF), existem profissionais de diferentes categorias e níveis de formação médio e superior, com atribuições diferentes, porém, em atendimento direto ao público e, consequentemente, com pessoas vivendo com TB. A equipe mínima da ESF é composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, dentista, auxiliar de saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Assim, a investigação adicional sobre esta problemática pode identificar questões importantes dentro do ambiente da prática profissional na APS, para formular estratégias que visam redução desse problema.
O estudo em questão é inédito, pois a população em estudo nunca foi investigada sobre ILTB, nem no exame admissional, nem na rotina do serviço. Embora o Plano Nacional pelo Fim da TB, o Ministério da Saúde disponha de protocolo de investigação da ILTB em profissionais de saúde. Em outros municípios nacionais e no cenário internacional os estudos já mostram a importância dessa investigação 4.
Esse estudo torna-se relevante, por investigar a ILTB nessa população, podendo constituir um marco na consolidação do programa de saúde do trabalhador no munícipio.
Os resultados do estudo contribuirão para a elaboração de políticas públicas que ampliem o conhecimento sobre a temática e fomentem o planejamento de ações de prevenção, rastreio e diagnóstico, com vistas ao tratamento da ILTB, incentivando gestores, profissionais de saúde e ensino na difusão de informações sobre a doença no ambiente social.
Portanto, este estudo teve como objetivo investigar a ocorrência de ILTB e os fatores associados entre profissionais de saúde da APS.

MÉTODOS
Estudo transversal analítico, norteado segundo as recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).
Realizou-se, no período de setembro a dezembro de 2021, nas Unidades de Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Teresina, capital do Piauí, cuja população estimada, em 2018, foi de 861.442 habitantes e densidade demográfica de 584.94 hab/Km² (IBGE, 2019). O município, atualmente, conta com rede de atenção composta por 263 equipes de Saúde da Família (242 urbanas e 21 rurais), inseridas em 90 unidades básicas de saúde, das quais, 72 urbanas e 18 rurais. Participaram profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde do município de Teresina-PI, que compõem a equipe mínima da ESF: nível superior: médicos, enfermeiros e cirurgiões dentista; nível médio: técnicos/auxiliares de enfermagem e auxiliares de saúde bucal.
Para o cálculo da amostra mínima necessária de profissionais, utilizou-se da amostragem aleatória simples, com o aporte de autores que utilizaram esse tipo de amostra5,6,7. Considerando o universo populacional de 1.277 profissionais, inseridos nas unidades de Saúde da Família do município de Teresina, e adotando-se prevalência de infecção tuberculosa de 20% entre os profissionais de saúde, uma vez que, na literatura, essa taxa variou de 10% a 40% 8, intervalo de confiança de 95% e erro de 5%, a amostra resultou em 245 participantes. Aplicando-se taxa de 10% para recomposição da amostra, presumindo-se perdas durante a pesquisa, teve-se a amostra final de 270 participantes, dos quais, 162 de nível superior e 108 de nível médio.
Quanto à distribuição, todas as regionais de saúde da Fundação Municipal de Saúde (FMS) participaram. As unidades de saúde foram aleatoriamente selecionadas, até atingir o quantitativo planejado de profissionais por regional, mantendo-se distribuição proporcional. Nas unidades selecionadas, as equipes puderam participar, até obter-se o quantitativo referido por regional. A randomização das UBS foi feita com o uso do Software R, versão 3.4.0.
Critérios de inclusão: profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde com mais de seis meses de atuação na ESF, já que o risco de adoecimento é maior nos dois primeiros anos após a primo-infecção.
Critério de exclusão: ter história de tratamento anterior para TB; ter feito BCG há menos de dois anos; e estar grávida.
Mediante o aceite do profissional, aplicou-se o instrumento de triagem, o qual contém perguntas sobre a história pregressa e atual de tuberculose ativa, seja na condição de doente ou comunicante; vacinação com o Bacille Calmette-Guerin (BCG) há menos de dois anos; teste tuberculínico ou reação de Mantoux (PPD) reator documentado; presença de sinais e sintomas sugestivos de TB; estar trabalhado na atenção primária há menos de seis meses e não estar grávida. Estes dados nortearam o critério de exclusão.
Em seguida, aplicou o segundo instrumento contendo as seções que seguem:1-Identificação-; 2-Caracterização socioeconômica; 3-Comportamento; 4-Conhecimentos sobre tuberculose; 5-Exposição prévia da tuberculose; 6-Exame de tuberculose latente. Por último, realizou-se a prova tuberculínica para avaliar a reação ao teste. Para o referido teste, utilizou-se o antígeno PPD RT23 2UT/0.1ml (State Serum Institute Copenhagen), injetado por via intradérmica na dose de 0,1 ml no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo, sendo aplicada por enfermeiros habilitados para essa atividade. Destaca-se que os testes tuberculínicos foram fornecidos pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Estado da Saúde. Utilizou-se a estratégia de aplicar os testes nas segundas e terças feiras para garantir a leitura em tempo hábil, nas quintas e sextas feiras, ou seja, com 72 horas.
Para a leitura, mediu-se o maior diâmetro transverso da área de enduração palpável, estabelecendo-se ponto de corte positivo de 10 mm de enduração na leitura feita 48 a 72 horas e com grau de concordância de leitura de 95%. As leituras foram feitas em pares pelos mesmos enfermeiros, especificamente treinados, e responsáveis pela aplicação dos PPD. Os resultados foram registrados em milímetros, inclusive quando não houve enduração, anotou-se zero mm. A seguir, apresenta-se o fluxograma utilizado na avaliação da ILTB, uma adaptação do fluxograma proposto pelo Ministério da Saúde, utilizado para profissionais de saúde.




Figura 1 - Fluxograma utilizado na avaliação da ILTB em profissionais de saúde.

A utilização dessa adaptação do fluxograma se fez necessária devido ao fato de os profissionais não terem realizado PT no exame admissional e a PT não ser realizada como exame periódico dentro da saúde do trabalhador da fundação municipal de saúde. O efeito de booster não foi avaliado por não se tratar de exame admissional, como é referenciado no fluxograma do Ministério da Saúde e de acordo com a “III Diretrizes para TB, da Sociedade Brasileira de Pneumologia (2009)”, corroborando com autores da área8,9.
Os participantes que, no decorrer da pesquisa, fizeram a conversão tuberculínica, e, portanto, apresentaram-se positivos para a Infecção Latente Tuberculosa, foram orientados a realizarem o tratamento para infecção latente na rotina do serviço com acompanhamento profissional, de acordo com as diretrizes para o controle da tuberculose do Ministério da Saúde, para que fossem submetidos ao protocolo de investigação do Ministério da Saúde, com intuito de afastar a possibilidade de tuberculose ativa. Aos participantes, que a PT foi menor que 10 mm, orientou-se repetir com um ano.
Os dados foram digitados em banco editado e analisados com a utilização do aplicativo Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 22.0. Após a checagem e limpeza do banco de dados, realizaram-se análises univariadas, por meio de estatísticas descritivas simples, com distribuição de frequências absolutas, percentuais simples e medidas de posição. Considerou-se variável dependente o resultado da Prova Tuberculínica, com os desfechos binários: Reator/Não Reator. As demais variáveis são independentes.
O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado nas variáveis numéricas contínuas para verificação do pressuposto de normalidade. Para determinar a frequência da ILTB e os fatores associados ao mesmo, empregaram-se estatísticas descritivas (proporções) e inferenciais. Na estatística inferencial, aplicou-se testes de hipóteses bivariados e multivariados. O teste bivariado de associação entre as variáveis qualitativas utilizado foi o teste qui-quadrado com razão de prevalência bruta (calculado intervalo de 95% de confiança). Assim, as variáveis que apresentaram significância a 20% foram candidatas a entrar no modelo multivariado.
Nesta sequência, o modelo multivariado aplicado foi a Regressão de Poisson, com variância robusta, na qual estimou-se a razão de prevalência ajustada para cada variável significativa a 5%, com vistas a evidenciar os possíveis fatores que podem explicar a ocorrência da ILTB nos profissionais de saúde.
O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da Fundação Municipal de Saúde e Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, com o parecer de número: 4.659.100. Os princípios norteadores da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados10. Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo uma entregue para o participante e outra ficando com o pesquisador.

RESULTADOS
As características sociodemográficas estão descritas na Tabela 1. Embora o cálculo amostral tenha redundado em um mínimo de 270 participantes, ao final da coleta, dez profissionais das UBS em estudo, que também atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa, solicitaram participação, perfazendo um total de 280 profissionais que responderam ao instrumento de coleta e realizaram a prova tuberculínica. Da população estudada, 83,6% eram mulheres, na faixa etária de 20-59 anos, com a média de idade de 43 anos (Dp=11,2 anos), 63,6% se auto denominaram da raça parda. Com relação à situação conjugal, 60% eram casados ou tinha união estável. Moravam no mesmo domicílio, em média, 3,54 pessoas (Dp=1,49 pessoas), e estes tinham em média, 6,25 cômodos (Dp=2,07).
A Tabela 2 traz as informações sobre a realização da PT, motivo de realização, tempo da realização e resultado da PT atual. Dentre os profissionais do estudo, 84,3% nunca tinham realizado a prova tuberculínica. E aqueles que já tinham realizado, tiveram como motivo atuarem como profissionais de saúde (83,7%), e o tempo decorrido foi em média 107,4 meses (Dp=123,5). A taxa de reatogenicidade foi de 7%. Com relação à PT realizada no presente estudo, obtiveram-se 21,8% de testes reatores.
Na associação entre o uso de bebidas, outras drogas e o resultado da PT, apenas ter fumado no último mês aumentou em sete vezes a prevalência de ser reator para ILTB (RPa=7,70) (tabela 3).
Não houve associação entre doenças ou condições de saúde e a condição de reator para ILTB. Ter contato com pessoas com tuberculose, sendo estes pacientes hospitalizados, a não utilização e a frequência inadequada de uso dos EPI ao cuidar dos pacientes com TB mostraram-se estatisticamente associadas à prevalência para ILTB (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Entre os avaliados, a expressiva maioria era do sexo feminino e de cor parda, corroborando com outros estudos11,12,9,13. A média de idade foi de 43 anos, a mesma descrita em estudo em 2017 8. Na área da saúde, o sexo feminino se faz presente em maior número, principalmente na enfermagem, considerando o histórico da profissão, inicialmente representado por mulheres e permanecendo por décadas com essa representação. Outro ponto é que as mulheres são maioria na população mundial 11 12.
A média de pessoas que compartilham o mesmo cômodo para dormir foi de, aproximadamente, duas pessoas. Estudos demonstram que a incidência de TB também está associada ao ambiente, como o número médio de pessoas por cômodo. Isso porque compartilhar diariamente o mesmo cômodo aumenta as chances de ILTB, visto que a concentração de bacilos se torna maior e ocasiona exposição mais intensa. Por isso, a investigação e abordagem imediata dos comunicantes também são consideradas essenciais para o controle da doença14.
Ao investigar o uso de fumo, álcool e outras drogas, observou-se que pequena parcela dos profissionais é fumante e usuária de outras drogas (1,1% cigarro comum e 0,7% cigarro eletrônico). O uso de álcool foi encontrado em grande parcela da amostra, porém, com frequência de uma vez por mês ou menos. Esses dados corroboram com um estudo de 2015 15, sobre a prevalência e o padrão de consumo de álcool e outras drogas entre profissionais de saúde, em que a droga com maior frequência de uso foi o álcool, por ser droga culturalmente aceita pela sociedade. O uso do álcool está classificado entre os cinco principais fatores de risco para doenças, incapacidades e morte, além de ser fator causal em mais de 200 doenças e danos à saúde, incluindo tuberculose, em todo o mundo16.
Ter fumado no último mês aumentou em até sete vezes a prevalência de ILTB. Já associação com álcool e outras drogas não foi observada no estudo. Os estudos de Cunha 17relatam essa forte relação entre TB e o consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas, sendo o tabagismo o mais expressivo, com 27% dos casos notificados de TB, elevando o risco de ILTB e, consequentemente, a progressão para TB ativa no futuro.
O tabagismo mais do que duplica o risco de transformar a tuberculose de um estado latente para um estado ativo, além de piorar a progressão natural da doença. Cerca de um quarto da população mundial possui tuberculose latente18. Considera-se a maneira de se obter a substância ativa, por meio da combustão do tabaco e da consequente inalação da fumaça, o papel fundamental para criar condições de desenvolvimento da TB no fumante, desde a perpetuação de disfunção ciliar, ocasionando resposta imune reduzida, a defeitos na resposta imune de macrófagos, ocorrendo com ou sem diminuição da contagem de CD4. Esses são alguns dos fatores estudados que justificam o aumento da suscetibilidade à infecção por Mycobacterium tuberculosis19,20.
Em 2017, estudo realizado com 21.008 participantes na China, usando o método IGRA, concluiu que o hábito de fumar foi significativamente associado à infecção por TB. Entre os fumantes, os anos de tabagismo foram identificados como fator de risco independente, fortemente relacionado à infecção por TB, de maneira dose-resposta, além de demonstrar correlação direta entre o histórico de tabagismo e o risco de tuberculose latente21. Pesquisas apontam que, na detecção de tuberculose latente com métodos de IFN-?, a proporção de resultados falso-negativos é maior entre fumantes do que entre não fumantes, e que essa resposta do IFN-? decorre do consumo de anos-maços de cigarro. Refere, também, que o tabagismo tem impacto negativo nos resultados do tratamento da tuberculose, atrasando a conversão da cultura de escarro durante o tratamento e estendendo o tempo de tratamento22. Do mesmo modo, a retirada de nicotina mostrou-se fortemente associada à conclusão bem-sucedida do tratamento para tuberculose latente23.
Estudo com 218 profissionais de saúde da atenção primária de Vitória relatou associação estatisticamente significante do tabagismo com o resultado positivo da prova tuberculínica, tanto para o ponto de coorte > 5 como >10, corroborando com este estudo8.
O tabagismo tem sido relatado como fator de associação significativa com o resultado positivo da PT24. Assim, reflete-se que os programas de cessação do tabagismo, em parceria com as Unidades Básicas de Saúde, devem criar estratégias para incluir nesses programas os próprios profissionais fumantes.
Quanto à realização da prova tuberculínica anterior ao estudo, 84% dos participantes nunca tinham realizado. E aqueles que relataram ter feito, o fizeram por serem profissionais de saúde. O tempo decorrido foi de, aproximadamente, nove anos. Acrescenta-se que 72,1% referiram não ter sido reator. Achados que contrariam o que preconiza o manual de recomendações para o controle da TB no Brasil, cuja orientação é que a investigação da infecção latente tuberculosa deve ser realizada em profissionais de saúde nos exames admissionais e periódicos (anuais) do trabalhador, por meio da prova tuberculínica1.
Ao serem testados por ocasião deste estudo, observou-se a prevalência de 21,8% (IC95%=17,0-26,1) de reatividade à prova tuberculínica dos participantes. Em pesquisa semelhante, também desenvolvida na Atenção Primária à Saúde, mas utilizando-se do IGRA13, encontrou-se prevalência de 27% (IC95% = 24%-31%). Em outros estudos realizados no Brasil, essa prevalência variou de 32,8% a 39,4%, ou seja, bem mais elevada. Possivelmente o estilo de vida e moradia dos participantes deste estudo tenham contribuído para esta taxa encontrada8,9,11.
Outra variável fortemente associada à prevalência de positividade da PT foi ter sido contato de pessoas doentes com tuberculose e esse contato ter ocorrido com doentes hospitalizados. Centers for Disease Control and Prevention 25 destaca que a probabilidade de uma pessoa exposta ao Mycobacterium Tuberculosis ficar infectada está relacionada com as características individuais do hospedeiro: idade, estado imunológico e nutricional, doenças intercorrentes e outras. E diretamente proporcional à concentração de partículas infectantes no ar e ao tempo de exposição. E que esse risco depende da intensidade, frequência e duração da exposição aos bacilos, o que merece atenção para o achado, considerando que, mesmo a Atenção Primária constituindo a porta de entrada desses pacientes, a maior duração da exposição dos bacilos se dá na área hospitalar, muitas vezes, sem tratamento imediato ou multirresistências. Por outro lado, há que se destacar que, embora o estudo tenha como lócus as UBS da APS, os profissionais de saúde com frequência têm mais de um vínculo empregatício, trabalhando tanto no âmbito ambulatorial quanto hospitalar.
O diagnóstico de ILTB em profissionais de saúde tem sido efetuado ao longo dos anos, por intermédio da PT. A TB é considerada doença profissional em trabalhadores, cuja atividade profissional implique exposição ao agente e à transmissão deste, nas instituições de saúde, constitui problema importante. Alguns serviços hospitalares poderão proporcionar maior risco de exposição, especialmente se as medidas de prevenção não estiverem devidamente implementadas26.
A não utilização e frequência inadequada de uso dos equipamentos de proteção respiratória pelos profissionais de saúde no contato/cuidado com os pacientes com TB foram fatores com associação significativa para a reação à PT. Em estudo com profissionais de saúde da Atenção Primária usando o IGRA, o uso inadequado de máscara N95 variou significantemente entre profissionais de saúde que foram ILTB positivo, quando comparados com aqueles que foram ILTB negativo13. Afirmou também que o uso de forma irregular foi fator associado à presença de ILTB, corroborando com este estudo.
Estudo sobre prevalência de ILTB em profissionais de saúde na Atenção Básica, em Vitória- ES, evidenciou que a maioria dos profissionais pesquisados não usam máscara com frequência nos atendimentos a pacientes suspeitos/confirmados de TB, mesmo reconhecendo a importância dessa proteção individual, justificado pela indisponibilidade do EPI no serviço8.
Coadunando com os resultados encontrados neste estudo, Matos27ao avaliarem a biossegurança no atendimento a pacientes com sintomas respiratórios da TB na Atenção Primária, revelaram lacunas na adesão das medidas de biossegurança, seja por falta de conhecimento ou falhas estruturais. Ademais, Cunha e colaboradores28, em estudo descritivo realizado em Belém - PA, sobre os riscos de contaminação por tuberculose durante a consulta de enfermagem, destacaram a negligência quanto à biossegurança, em específico, ao uso incorreto de EPI, como o risco principal para essa contaminação. Esse relato motiva a reflexão sobre a negligência ter sido a causa principal do uso e frequência incorretos dos EPI na amostra deste estudo, pois no item abordado sobre conhecimento, o resultado foi satisfatório.
As informações de biossegurança e a prática adequada são essenciais para o manejo da tuberculose. Essas medidas, em conjunto, são necessárias para assegurar que as pessoas com sintomas sugestivos de tuberculose possam ser prontamente identificadas e, caso estejam infectadas, possam ser atendidas em local e horário adequados e, subsequentemente, tratadas29, 30. Além disso, destaca-se que essas medidas, administrativas e ambientais, são consideradas as mais importantes para evitar a transmissão do M. tuberculosis31, 32.
Considerando o fato de o município do estudo não adotar estratégia de realização de exames admissionais nem periódicos dos profissionais de saúde em relação à ILTB, surgiram limitações para a avaliação dos profissionais, pois não foi possível seguir o fluxograma de avaliação da PT recomendado para o grupo de profissionais da saúde pelo Ministério da Saúde. Entretanto, não inviabilizou os resultados obtidos. Sugerem-se aos municípios adoção de ações de avaliação, monitoramento e tratamento adequado para os profissionais sob o risco de ILTB.
A prevalência estimada de infecção latente por M. tuberculosis entre os trabalhadores de saúde avaliados obteve taxa pouco menor do que da população em geral (21,8%). Observou-se que ser tabagista, ter contato com pacientes hospitalizados, não usar EPI ou fazer uso com frequência inadequada apresentaram associação estatisticamente significante com a infecção latente tuberculosa entre os profissionais da Atenção Primária à Saúde.
Uma limitação do estudo, foi o profissional não ter feito a prova tuberculínica no exame admissional. Dessa forma, recomenda-se que a prova tuberculínica ou IGRA seja incluída na rotina dos exames admissionais, assim como nos exames periódicos na atenção primária à saúde do município para a identificação e o acompanhamento dessa infecção entre esses profissionais, além do estabelecimento de medidas administrativas, ambientais e de proteção individual efetivas para prevenção da infecção em profissionais sob risco de exposição ao M. tuberculosis.

REFERÊNCIAS
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Brandão, S. A. S. M., Araújo, T. M. E., Esteves, A. V. F., Nogueira, L. T., Andrade, M. L. R., Nogueira, L. M. V., Borges, P. T. M.. Infecção Latente pelo Mycobacterium Tuberculosis em Profissionais de Saúde da Atenção Primária à Saúde.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/abr). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/infeccao-latente-pelo-mycobacterium-tuberculosis-em-profissionais-de-saude-da-atencao-primaria-a-saude/19216?id=19216

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