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Artigos

0324/2023 - Interação entre poluente e temperatura e internação de crianças em Cuiabá, MT
Interaction between pollutant and temperature and hospitalization of children in Cuiabá, MT.

Autor:

• Luiz Fernando Costa Nascimento - Nascimento, L.F.C - <fernando.nascimento@unesp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9793-750X

Coautor(es):

• Ana Cristina Gobbo César - César, A.C,G - <anacristinagobbo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8618-8654

• João Andrade de Carvalho Jr - Carvalho Jr, J.A - <ja.carvalho@unesp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5599-9611



Resumo:

Este estudo avaliou o papel da temperatura e material particulado fino em internações de crianças residentes em Cuiabá, MT, obtidas do DATASUS, entre 01/01/2016 e 31/12/2018. Concentrações diárias do poluente material particulado fino foram estimadas pelo modelo matemático CAMS, disponibilizado pelo CPTEC. Foram incluídos diagnósticos de traqueíte e laringite, pneumonias, bronquite, bronquiolite e asma. INMET forneceu dados de temperaturas máxima e mínima e umidade relativa do ar. Foi realizada análise estatística com três modelos aditivo generalizado da regressão de Poisson, sendo um deles somente com a temperatura mínima, outro incluindo o poluente e o último com uma variável de interação. Foram 1612 internações no período; no modelo multivariado foram identificadas associações entre temperatura mínima e internações nos lags 1 a 5; o efeito do aumento da temperatura mínima em 4°C refletiu na elevação do risco de internações em 18%; atribuem-se 15,2% das internações a este aumento e um excesso de ? US $ 68,000.00 nos gastos para o sistema de saúde, durante o período avaliado. Além dos efeitos conhecidos da exposição aos poluentes na saúde, foi possível identificar que elevação na temperatura mínima diária pode causar danos à saúde da criança.

Palavras-chave:

temperatura; saúde infantil; doenças do aparelho respiratório; mudanças climáticas

Abstract:

This study evaluated the role of temperature and fine particulate matter in hospitalizations of children living in Cuiabá, MT, obtainedDATASUS, between 01/01/2016 and 12/31/2018. Daily concentrations of the fine particulate matter pollutant were estimated by the CAMS mathematical model, provided by CPTEC. Diagnoses of tracheitis and laryngitis, pneumonia, bronchitis, bronchiolitis and asthma were included. INMET provided data on maximum and minimum temperatures and relative humidity. Statistical analysis was performed with three generalized additive Poisson regression models, one of them with only the minimum temperature, another including the pollutant and the last one with an interaction variable. There were 1612 admissions; in the multivariate model, associations were identified between minimum temperature and hospitalizations in lags 1 to 5; the effect of increasing the minimum temperature by 4°C was reflected in an increase in the risk of hospitalizations by 18%; 15.2% of admissions are attributed to this increase and an excess of  US $ 68,000.00 in health system expenditures during the period evaluated. In addition to the known effects of exposure to pollutants on health, it was possible to identify that an increase in the minimum daily temperature can cause harm to the child\'s health.

Keywords:

temperature, child health, respiratory diseases, climate change.

Conteúdo:

Introdução
No Brasil, a temperatura média vem subindo 25% mais rápido do que a média global desde 1910, o que implica que a população pode estar particularmente exposta aos efeitos do aumento da temperatura em relação a outras populações. (1) Dentre estes efeitos podem estar doenças do aparelho respiratório (capítulo X da CID 10a revisão) em crianças, que em 2019 corresponderam a 450 mil internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil com despesa de R$ 380 milhões. Apenas no estado do Mato Grosso foram 8500 internações que geraram uma despesa de R$ 8,5 milhões. gerados pelas internações no estado do Mato Grosso. (2)
Análises epidemiológicas recentes sobre os efeitos da temperatura na saúde incluíram medidas de poluição do ar como variáveis explicativas na análise, estimativas de efeitos de temperatura que são ajustadas para poluição do ar..(3) Em alguns casos, os dados e abordagens de modelagem usadas inicialmente para investigações epidemiológicas de poluição do ar foram posteriormente usados para investigações de temperatura ambiente. Embora o ajuste para a poluição do ar em estudos de temperatura tenha se tornado comum, essa prática nem sempre é adequada. (4) A temperatura tem sido descrita como modificadora dos efeitos da exposição aos poluentes do ar, em especial, ao material particulado, com comportamento não é linear, mas sim algo próximo do formato de U. (4-6)
Estudo realizado em 1814 cidades brasileiras identificou que para cada de 5°C de aumento na temperatura média diária durante as estações quentes de 2000-2015, o risco estimado de hospitalização durante o intervalo de 0 a 7 dias aumentou 4,0%, sendo atribuídas 132 internações por 100.000 residentes à exposição ao calor. A taxa atribuível foi maior em crianças <5 anos. (7)
Aumento de 6°C (10°F) na temperatura esteve associado a aumentos de casos de todas as doenças respiratórias com destaque para a pneumonia, representando um excesso de risco no mesmo dia da exposição que pode atingir até 15% em crianças com idade entre 0 e 5 anos de idade e até 5% em pessoas com idade superior a 65 anos. (8)
A variação da temperatura entre o dia atual e a do dia anterior, isto é, queda abrupta da temperatura, pode também estar associada a efeitos adversos na saúde da criança como pneumonias, sendo mais associada que a amplitude térmica diária, diferença entre as temperaturas máxima e mínima. (9) No caso da asma em crianças, a amplitude térmica diária esteve associada ao desencadeamento das crises, sendo que aumentos de 5°C nesta amplitude, de forma cumulativa em nove dias estiveram associados a um aumento de 31% dos casos de asma. (10)
Devido às características fisiológicas, metabólicas e comportamentais, as crianças são mais sensíveis às temperaturas altas e baixas do que adultos. Crianças com menos de um ano de idade apresentam alto risco de mortalidade relacionada ao calor. Extremos de temperatura são propensos a causar mais morbidade entre crianças em relação a doenças infecciosas e doenças alérgicas. (11)
O objetivo deste estudo é identificar o papel da temperatura mínima e seu aumento nas internações por algumas doenças respiratórias em crianças residentes em Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, nos anos de 2016 a 2018 e a possível interação da exposição ao material particulado fino neste papel.
Métodos:
Local de estudo:
Cuiabá tem uma população de aproximados 600.000 habitantes. Está localizada no centro da América do Sul, a 15° 36'S e 56° 06'W, sendo o clima tropical. A estação das chuvas ocorre de outubro a abril, o clima do resto do ano é muito seco. Frentes frias inibem a formação de nuvens, o que causa incêndios florestais constantes. Este município apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,785 e possui 14 hospitais privados e 11 hospitais com cerca de 1600 leitos de internação sendo cerca de 1100 destinados aos atendimentos pelo SUS (disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?cnes/cnv/estabmt.def) . Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)(12), no mês mais quente, a temperatura pode chegar a 40°C com média de 26°C e no inverno, a temperatura pode cair abaixo de 10°C devido à entrada de massas polares que chegam do sul do continente; esta queda na temperatura é conhecida como “friagem”.
Os níveis de poluição em Cuiabá são determinados principalmente pelas emissões das indústrias locais, bem como um grande número de incêndios florestais registrados por ano e a grande frota de veículos acima de 400.000, além da queima de lixo urbano e, também, do transporte de poluentes do ar provenientes da queima de biomassa e emissões industriais de cidades vizinhas.
Tipo de estudo:
Foi desenvolvido estudo ecológico de séries temporais com dados de internação de crianças com até 10 anos de idade e residentes em Cuiabá, MT, no período entre 01.01.2016 e 31.12.2018 segundo exposição a poluente do ar. Os dados de internação foram obtidos do DATASUS e se referem aos diagnósticos, segundo a CID-10a revisão, de laringite e traqueíte agudas (código J04), pneumonias (J12 a J18), bronquite aguda e bronquiolite (J20 e J21) e asma (J45).
Os dados diários das concentrações estimadas do material particulado fino (PM2,5) foram obtidos do portal do CPTEC-INPE (4) segundo o modelo Copernicus Atmosphere Monitoring Service (CAMS): CAMS-Reanalysis (2019) e CAMS-Nrealtime (2019) do centro europeu European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF) (13); estes os dados foram baixados com resolução espacial de 0,125 graus (aproximadamente 12,5 Km) para os anos de 2003 até 2018 e resolução temporal adquirida de 6 horas.
As informações sobre valores mínimos diários para temperatura do ar e os valores médios para a umidade relativa do ar foram obtidas da estação em Cuiabá (MT) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) (12).
Foram construídas tabelas com os valores médios e respectivos desvios padrão, valores máximos e mínimos para a concentração do PM2,5, temperatura mínima, umdade relativa do ar e número de internações e estimada a diferença interquartil para os valores da temperatura mínima (DIQ). Foram obtidos os coeficientes de correlação de Pearson entre estas variáveis.
A análise estatística utilizou a classe do modelo aditivo generalizado (GAM), com regressão de Poisson, assumindo nível de significância de 5%. Optou-se por usar o modelo GAM, pois não é necessário definir a priori as relações e estruturas entre o indicador de saúde e as variáveis explicativas. O modelo de regressão de Poisson, com função de ligação logarítmica, foi escolhido porque a distribuição de probabilidade de Poisson é a que mais se aproxima da frequência de internações, já que se trata de uma contagem, com excesso de zeros e distribuição assimétrica e assintótica.
Analisaram-se, inicialmente, os valores diários de internação, segundo valores da temperatura mínima, com defasagens de 0 a 5 dias (lag 0 – lag 5) pois os efeitos das exposições na saúde podem ocorrer dias após estas exposições, umidade relativa do ar (UR), controladas por dia da semana (tendência de curta duração - DS) e por dia calendário (tendência de longa duração - DC) como a equação abaixo:
Log [µ] = ? + ?1(Tmin) + ?2(UR) + ?3(DS) + ?4(DC) (eq 1)
Em seguida, foi construído um modelo incluindo as concentrações diárias do PM2,5 para identificar o possível papel deste poluente nos efeitos da temperatura mínima quanto ao risco de internações.

Log [µ] = ? + ?1(Tmin) + ?2(PM2,5) + ?3(UR) + ?4(DS) + ?5(DC) (eq 2)

Foi construída uma variável de interação entre o PM2,5 e a temperatura mínima (Tmin * PM2,5), sendo que as concentrações de PM2,5 foram categorizadas em valores binários segundo a mediana das concentrações do PM2,5 sendo atribuído o valor zero para concentrações menores que o valor da mediana e 1 para valores iguais ou maiores que a mediana. (14)

Log [µ] = ? + ?1(Tmin) + ?2(Tmin* PM2,5) + ?3(UR) + ?4(DS) + ?5(DC) (eq 3)

Sob estas condições foram construídos 3 modelos de regressão de Poisson.
Os efeitos estimados para a exposição à temperatura mínima foram comparados e obtidos os intervalos de confiança de 95 % segundo a expressão:
1 - 2 ) ± 1,96? [SÊ1)2 + (SÊ2)2] , onde 1 e 2 são as estimativas das duas categorias e (SÊ1)2 + (SÊ2)2 são as respectivas variâncias que são fornecidos pelos modelos como coeficientes e erros padrão respectivamente.
Os coeficientes ?i fornecidos pelo modelo para as concentrações da temperatura mínima (Tmin) que apresentassem p-valor <0,05 foram incluídos no modelo final e transformados em aumento percentual do risco relativo (RR), segundo a expressão RR = [exp(?i* ?Tmin) – 1]*100, onde ?Tmin é a diferença interquartil para a temperatura mínima. Foram estimadas a razão atribuível proporcional (RAP) dada pela expressão RAP = 1 – (1/RR) e a fração atribuível populacional (FAP) dada pela expressão FAP = RAP*N, onde N é o total do desfecho estudado, neste caso, internações por doenças respiratórias em crianças. Foram estimados os custos destas internações para o sistema público de saúde. Estas informações também estão disponibilizadas no mesmo endereço que fornece informações sobre as internações: “morbidade hospitalar – por local de residência – conteúdo – valor médio da internação”.
A análise foi realizada pelo programa computacional Statistica™ [(StatSoft, Inc. (2004)(15).
Por se tratar de estudo com dados secundários disponibilizados publicamente pelo DATASUS e com informações sem possibilidade de identificação do sujeito, não foi necessária submissão a Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS:
Resultados: Foram 1612 internações no período com média diária de 1,47 (± 1,54), variando entre zero e nove internações. Predominaram as internações com diagnósticos de pneumonias (1451) e bronquite e bronquiolite (116) que correspondem a 97,2% das internações e aquelas com diagnósticos de asma, traqueíte e laringite somaram 45 internações, 2,8% do total. A média de idade foi 3.59 anos (±2,81) e as internações predominaram no sexo masculino - 910 casos (56,5%).
A análise descritiva das variáveis do estudo, com valores médios e respectivos desvios padrão, valores máximos e mínimos estão na tabela 1. Os valores das concentrações de PM2,5 atingiram valores bem acima daqueles aceitáveis pela OMS; o menor valor da temperatura mínima foi 8,6ºC possivelmente causado pelo fenômeno chamado friagem que ocorre pela penetração de frentes frias vindo do sul do país. A distribuição diária dos valores da temperatura mínima, umidade relativa do ar e dos casos estão na Figura 1 (A – C).
A matriz de correlação de Pearson (tabela 2) identificou correlações não significativas entre internações e as variáveis temperatura mínima e umidade mas correlacionadas negativamente com o poluente PM2,5.
Os resultados dos coeficientes e seus respectivos desvios padrão para cada defasagem segundo os modelos analisados estão na tabela 3.
O modelo 1 contendo os valores da temperatura mínima e umidade relativa do ar, além das variáveis dias da semana e de tendências de longa duração, (equação 1) identificou associação significativa entre a exposição às temperaturas mínimas e internações nos lags 1, 3 e 4 sendo o valor maior no lag 3; o RR e seu IC 95% correspondentes a essa defasagem são RR = 1.033 (IC95% 1.017 – 1.051). Com o aumento de 4ºC (DIQ) os valores do RR e seu IC95% foram RR = 1.141 (1.068 – 1.218); nesta situação a RAP correspondente é 12.3% e a FAP = 198.9, isto é, ao aumento da temperatura mínima em 4ºC corresponderia um excesso de 198.9 internações com excesso de despesa da ordem de R$ 200 mil (? US $ 52,000.00) para o SUS, considerando o valor médio 1 US$ = R$ 3,85, nos três anos avaliados, sendo o custo médio de R$ 1060,00 (? US $ 275,00).
No caso dos resultados fornecidos pelo modelo 2 (com a inclusão do PM2.5) .apontam associações positivas entre exposição às temperaturas mínimas e internações por doenças respiratórias, após um, dois, três, quatro e cinco dias após as exposições, estão na tabela 3. O maior risco foi identificado no lag 3 do modelo contendo as concentrações do PM2,5 sendo que o aumento de 4ºC resultaria num RR = 1,179 (IC 95%; 1,105 – 1,259).
Estes resultados indicam que podem ser atribuídos 15,2% das internações a este aumento, que essas 244 internações corresponderam a excesso de despesa da ordem de R$ 260 mil (? US $ 68,000.00) para o SUS, nos três anos avaliados, sendo o custo médio de R$ 1060,00 (? US $ 275,00). .
Com os dados fornecidos pelo modelo 3, as associações ocorreram nas mesmas defasagens do modelo 2, porém o maior efeito foi no lag 4 com risco relativo após aumento de 4ºC RR = 1.173 (IC95% 1.097 – 1.254), valores um pouco abaixo dos encontrados no modelo 2, correspondendo a um RAP = 0.148 e FAP = 237 internações com custo da ordem de R$ 252 mil (? US $ 65,000.00).
Discussão:
Até onde é de nosso conhecimento, trata-se do primeiro estudo realizado em cidade de porte médio do Brasil que estima o efeito de aumento de temperatura, neste caso a temperatura mínima, na elevação do risco de internação por doenças respiratórias em crianças. É também o primeiro estudo nacional realizado com dados estimados por modelagem matemática oriundos da plataforma CAMS. Os riscos mais elevados estão associados à inclusão do PM2.5 no e também com a inclusão da variável correspondente à interação PM2.5 X Temperatura mínima. Foi possível identificar que a inclusão do PM2.5 na análise potencializa a exposição à temperatura mínima. Por outro lado, o fator de interação (modelo 3) apresentou um efeito próximo, mas inferior, ao do encontrado no modelo 2. Também não foram utilizados modelos polinomiais não lineares de defasagens (PDNLM).
A plataforma CAMS substitui a plataforma CCATT-BRAMS utilizada anteriormente para este tipo de estudo (16)
Estudo recente, que incluiu mais de 1800 municípios que contêm cerca de 80% da população do Brasil, identificou associação entre ondas de calor e risco de hospitalizações por nove diferentes causas de internação. Os autores identificaram que crianças com até 10 anos de idade e idosos com idade acima de 70 anos foram os grupos mais suscetíveis nas situações quando as temperaturas diárias eram mais elevadas e tinham uma longa duração, sendo que os riscos para internações foram menores nas regiões mais quentes. (17)
Também analisando os efeitos da exposição a temperaturas elevadas, Xu et al. (18) com dados de cidades brasileiras, identificaram que aquelas menos desenvolvidas exibiram associações mais fortes entre a exposição ao calor e hospitalizações por todas as causas e certos tipos de hospitalizações por causa específica no Brasil. O aumento de 5ºC na temperatura média na estação quente foi associado a 5,1% dos óbitos por todas as causas nas populações mais vulneráveis, aquelas de baixa renda, e 2,6% quando eram pessoas com maior renda. Parece que isso pode ser exacerbado pela qualidade do atendimento à saúde existente nestas cidades e as desigualdades socioeconômicas sob os efeitos de mudanças climáticas.
A maior amplitude térmica diária também se mostrou associada à mortalidade em um estudo multicêntrico realizado em 445 comunidades de 20 países. Se não houver uma atenuação desta amplitude, aumentos entre 0,4 e 1,6ºC resultariam num excesso de mortalidade projetado entre 0,2 e 7,4% em algumas regiões como os EUA, centro-sul da Europa, México e África do Sul. (19)
Estudo realizado em Taiwan concluiu que os riscos para a mortalidade por todas as causas e consultas ambulatoriais eram mais elevados com temperaturas mais baixas, enquanto que o risco de atendimento na sala de emergência foi mais elevado com altas temperaturas, sendo que certos fatores socioeconômicos poderiam modificar significativamente os riscos de mortalidade relacionados à baixa temperatura, incluindo o número de populações empregadas, idosos morando sozinhos em famílias de baixa renda, acesso a serviços públicos e números de médicos. (20)
A amplitude térmica diária esteve associada ao desencadeamento de asma em crianças sendo que os efeitos eram mais evidentes com a amplitude acima de 10ºC em um estudo desenvolvido na Austrália, com mais de 13 mil internações. Os aumentos de 5ºC nesta amplitude foram responsáveis pela elevação de 31% de internações de urgência comprometendo crianças entre cinco e nove anos de idade, ainda se desconhecendo as razões para esta faixa etária ser mais suscetível, e preferencialmente em meninos que contribuem com cerca de 20% dos casos de asma na Austrália. O motivo para esta participação do sexo masculino pode ser explicado pelas taxas de crescimento diferenciais dos pulmões e tamanho das vias aéreas, juntamente com diferenças imunológicas; estes efeitos eram mais evidentes com abordagem cumulativa entre 0 e 9 dias. (21)
Embora o ajuste para a poluição do ar em estudos de temperatura tenha se tornado comum, essa prática nem sempre é apropriada. Em estudos sobre os efeitos da temperatura na saúde, a justificativa para o ajuste da poluição do ar às vezes é descrita como preocupação com possíveis fatores de confusão. Nosso estudo inclui uma interação entre temperatura e poluente, no caso PM2.5, segundo metodologia utilizada por He et al. (12)
Estes estudos mostram que, ainda, não há um consenso sobre os efeitos da temperatura na saúde da criança. Este fato mostra a dificuldade de se compararem os achados em Cuiabá, efeitos da temperatura mínima nas internações por doenças respiratórias em crianças, com outros estudos que abordaram, especificamente, a temperatura mínima.
A temperatura mínima se mostrou como fator de proteção em um estudo realizado na República dos Camarões envolvendo 1306 crianças internadas com doenças respiratórias e com idade entre dois meses e 18 anos, sendo RR = 0,72 (IC 95%; 0,59 – 0,87) ao contrário dos achados neste estudo, RR = 1,031 (IC 95%; 1,014 – 1,049). (22)
Estudo realizado no Japão envolvendo 3427 crianças com idade até 12 anos identificou que alterações diárias da temperatura para menos apresentavam OR = 1,033 (IC95%; 1,005-1,063) e OR = 1,027 (IC95%; 0,995-1,060) para aumento na temperatura diária, concluindo que mudanças maiores nos valores da temperatura, independentemente da direção, estavam relacionadas a uma maior chance de hospitalização por asma, mas a temperatura ambiente em si não foi associada a este tipo de internação. O mecanismo exato do efeito da temperatura ainda não é conhecido, mas este resultado sugere que a flutuação na temperatura diária tem um impacto maior na condição dos pacientes com asma do que a própria temperatura. (23)
Os achados em Cuiabá mostram o efeito da associação da temperatura mínima nestas internações. Geralmente o papel da temperatura, e também da umidade relativa do ar nas séries temporais, é ajustar os efeitos da exposição aos poluentes do ar nos riscos para internações por doenças respiratórias. É comum observar que os valores da temperatura costumam estar associados negativamente às internações, isto é, quanto mais alta a temperatura menor o risco para internação. Estas informações sobre a temperatura não costumam ser incluídas nestes estudos de série temporal onde a concentração dos poluentes é o foco. (3-6)
A suscetibilidade de crianças muito pequenas a doenças respiratórias durante altas temperaturas pode ser devida, em parte, ao sistema respiratório subdesenvolvido e às fracas habilidades de adaptação Essa vulnerabilidade é consistente com a imaturidade dos sistemas termorregulatórios de crianças. Compreender como as altas temperaturas influenciam as doenças respiratórias é uma área em que mais pesquisas e desenvolvimento são claramente necessários, porque se espera que a carga de tais doenças possa aumentar nos países desenvolvidos. (24)
O excesso de risco de internação em Cuiabá foi de 15.2 % segundo aumento de 4ºC na temperatura mínima (diferença interquartil) sendo atribuíveis 245 internações que geraram uma despesa adicional de aproximados R$ 260 mil nestes três anos de estudo (? US $ 68,000.00). O valor financeiro estimado poderia, se não houvesse mudança na temperatura mínima, ser direcionado para outras atividades ligadas à saúde; por outro lado o custo social destas internações em excesso não pode ser estimado, infelizmente.
Este estudo pode ter limitações como qualquer estudo ecológico, pois não é possível a conexão de exposição individual aos poluentes e às mudanças na temperatura com a internação. Erros nos diagnósticos podendo levar a subestimação ou superestimação das causas; falha no endereço de residência, que pode ser em outra cidade vizinha, mas informado em Cuiabá em busca de um melhor atendimento. Também não foram contempladas possíveis comorbidades como presença de fumantes na residência e nem as condições de moradia por não serem informações disponíveis nos bancos de dados do SUS que têm, basicamente, finalidade contábil, mas são amplamente utilizados neste tipo de estudo. Pacientes inicialmente tratados em regime de ambulatório e aqueles atendidos por planos de saúde, convênios e particulares. Outra possível limitação é decorrente dos poluentes analisados terem sido estimados por modelagem matemática, mas fica a possibilidade de utilização deste tipo de dados em cidades onde não haja monitoramento ambiental.
Apesar das possíveis limitações, foi possível identificar que o aumento da temperatura mínima pode estar associado à elevação do risco de internação por doenças respiratórias em crianças em Cuiabá.

Agradecimentos: Luiz Fernando Costa Nascimento agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela Bolsa de Produtividade processo 305656/2017-1




Referências.
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Nascimento, L.F.C, César, A.C,G, Carvalho Jr, J.A. Interação entre poluente e temperatura e internação de crianças em Cuiabá, MT. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/out). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/interacao-entre-poluente-e-temperatura-e-internacao-de-criancas-em-cuiaba-mt/18950?id=18950

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