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0421/2024 - POLÍTICAS DE INDENIZAÇÃO PELOS CRIMES NAZISTAS E SAÚDE MENTAL NO PÓS-GUERRA
INDEMNIFICATION POLICIES FOR NAZI CRIMES AND POST-WAR MENTAL HEALTH

Autor:

• Diego Luiz dos Santos - Santos, D.L - <santos.diegoluiz@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9965-253X



Resumo:

O artigo tem como objeto as leis promulgadas pela República Federal da Alemanha após a II Guerra Mundial (1939-1945) para indenizar os sobreviventes do nazismo que tinham sofrido perdas materiais e danos à saúde física e mental durante o regime. Mais especificamente, analisa o contexto no qual a psicoterapia floresceu como uma das formas de indenização possíveis aos horrores do nazismo. Lançando um olhar sobre o cenário do pós-guerra no Ocidente, o artigo demonstra que a atenção à saúde psíquica das vítimas surge em meio a uma confluência de fatores: a valorização da sociedade de trabalho e consumo fortalecida pelos valores do bloco capitalista da Guerra Fria; os esforços para promoção de saúde global empreendidos por entidades como a Organização Mundial da Saúde; e a popularização dos saberes psi que atinge seu auge em meados do século XX a partir dos movimentos de higiene mental e da demanda por especialistas em saúde mental na esfera militar. Tais eventos contribuíram para a construção da atmosfera na qual a psicoterapia exerceria um importante papel no mundo pós-guerra. Pensar o trauma de sobreviventes de situações-limite e o papel do Estado nesta esfera é faz relevante por permitir a reflexão sobre as necessidades de cuidado com a saúde mental e com o direito à dignidade daqueles que sobrevivem.

Palavras-chave:

história do trauma; políticas de indenização; fascismo

Abstract:

The paper focuses on the laws enacted by the Federal Republic of Germany after the Second World War (1939-1945) to denounce survivors of Nazism who suffered material losses and damage to physical and mental health during the nazi regime. More specifically, it analyzes the context in which psychotherapy flourished as one of the possible forms of indemnification for the horrors of Nazism. Taking a look at the post-war scenario in the West, the paper demonstrates that attention to the psychological health of victims arises between a confluence of factors: the valorization of the society of work and consumption strengthened by the values of the Cold War capitalist bloc; the efforts to promote global health included by entities such as the World Health Organization; and the popularization of psi knowledge that reached its peak in the mid-20th century following the mental hygiene movements and the demand for mental health specialists in the military sphere. Such events developed to build the atmosphere in which psychotherapy would play an important role in the post-war world. Thinking about the trauma of survivors of extreme situations and the role of the State in this sphere is relevant to allow reflection on the needs for mental health care and the right to dignity of people who survived.

Keywords:

history of trauma; indemnification policies; fascism.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda as leis promulgadas pela República Federal da Alemanha (RFA) após a II Guerra Mundial (1939-1945) para indenizar os sobreviventes do nazismo que tinham sofrido perdas materiais e danos à saúde física e mental durante o regime. Mais especificamente, apresenta as negociações que levaram à promulgação da lei de reparação (Wiedergutmachung) de 1952 e propõe uma reflexão sobre a Lei Federal de Compensação (Bundesentschädigungsgesetz) de 1956, lançando um olhar sobre seu foco nos danos à saúde psíquica sofridos pelas vítimas da Shoah. Em 1965 há uma nova alteração e passa a vigorar a chamada Lei Final de Compensação Federal (BEG Schlussgesetz), que estabelecia um novo prazo para que as vítimas solicitassem a indenização. Se na versão anterior os requerentes tinham até 01 de abril de 1958 para a solicitação, a partir da nova lei, os pedidos poderiam ser realizados até 31 de dezembro de 1969. As alterações da BEG-SG tinham como principal objetivo contemplar as vítimas que viviam nos países comunistas do Pacto de Varsóvia e que só conseguiram deixar a Europa Oriental após o fim do prazo estabelecido anteriormente¹.
As leis em questão foram resultado do Acordo de Luxemburgo – ou acordo de reparações – firmado em 1952 entre a RFA, o Estado de Israel e a Claims Conference, uma organização que representava os indivíduos de origem judia que foram perseguidos pelo nazismo.
A investigação aqui apresentada mantém o foco nas duas primeiras leis e foi construída com vistas a responder à seguinte pergunta: de que maneira se fertilizou o solo no qual a psicoterapia floresce como uma possibilidade de trazer bem-estar e, de alguma maneira, servir como indenização possível aos horrores causados pela Alemanha nazista? Lançando um olhar sobre o cenário do pós-guerra entre os países Ocidentais, o artigo sugere que a atenção à saúde psíquica das vítimas do nazismo surge em meio a uma confluência de fatores que atravessavam a sociedade que se levantava após a devastação deixada pela guerra. Entre estes fatores, a valorização da sociedade de trabalho e consumo fortalecida pelos valores do bloco capitalista da Guerra Fria; os esforços para promoção de saúde global empreendidos por entidades como a Organização Mundial da Saúde; e a popularização dos saberes sobre o psíquico que atinge seu auge em meados do século XX a partir dos movimentos de higiene mental e da demanda por especialistas em saúde mental na esfera militar. Como o artigo demonstra, tais eventos contribuíram para a construção de uma atmosfera na qual a psicoterapia exerceria um importante papel no mundo pós-II Guerra Mundial.
Pensar a história das políticas de reparação entre Alemanha e Israel se faz relevante por se tratar de um reconhecimento oficial dos crimes cometidos pela Alemanha nazista frente àqueles que foram perseguidos e permite refletir também sobre a maneira pela quais as nações lidam com seu passado e assumem a responsabilidade por seus crimes contra os direitos humanos. O tema se faz relevante ainda por incitar o debate sobre as (im)possiblidades de reparar o mal e os limites da justiça em situações de extrema violência. Além disso, discutir as políticas de indenização se faz relevante permite uma reflexão sobre o papel do Estado no cuidado com a saúde mental e no direito à dignidade daqueles que sobrevivem. O artigo parte da premissa de que - parafraseando a médica e filósofa Joelle M. Abi-Rached1 - a reconstrução de sociedades devastadas pela catástrofe deve ser alcançada através da reconstrução, em primeiro lugar, do indivíduo despedaçado.
A literatura histórica sobre as políticas de reparação é vasta e, cabe destacar aqui a contribuição de autores como Christian Pross2, Svenja Goltermann3, Dan Diner4 e Johannes Kaspar5, que abordam a controversa relação entre RFA e Israel na construção e execução do acordo de reparação. Além destes, pesquisadoras como Alexandra Lehmacher6 e Dagmar Herzog7 oferecem um olhar sobre o impacto de tais políticas nos debates sobre as raízes do sofrimento psíquico em meados do século XX. O presente artigo visa somar a esta bibliografia a partir de uma reflexão, ainda inédita, sobre a maneira pelas quais uma cultura de valorização aos saberes sobre o psíquico forneceu as condições de possibilidade para que o cuidado com a saúde mental ganhasse relevância na legislação acerca das políticas alemãs de reparação.
Como metodologia, a investigação que move esta pesquisa se apoia numa perspectiva da História Global, com foco no campo da História da Saúde que, conforme descreve o historiador Marcos Cueto, reflete acerca de “realidades de dimensões transnacionais”, por meio de um olhar sobre o processo histórico capaz de pensar “perspectivas comparativas e globais”8 (p.11). Apesar de as lentes do artigo apontarem especialmente para o caso da Alemanha, a dinâmica aqui investigada se trata de uma política que inspirou debates na Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo para as discussões sobre saúde global, cuidados com a saúde mental de sobreviventes e os cuidados com vítimas de violações dos direitos humanos.
Cabe mencionar que pouco foi escrito sobre o tema no Brasil e, por esta razão, o artigo apresenta ainda um breve um panorama sobre os processos históricos e políticos que atravessaram as negociações para a implementação de tais medidas. Com isso, pretende-se oferecer uma base para convidar os pesquisadores a discutirem os efeitos destas políticas no Brasil.
Vale mencionar ainda que o artigo foca apenas nas políticas relacionadas à RFA, também conhecida como Alemanha Ocidental. Isso porque, na República Democrática Alemã (RDA – ou Alemanha Oriental), as políticas de reparação definiram apenas as indenizações que deveriam ser pagas ao governo da União Soviética. Após 1953, quando estas indenizações foram quitadas, a RDA deu por concluídos todas as suas dívidas internacionais de reparação e se recusou a negociar novas compensações, seja com os "Estados irmãos" do Pacto de Varsóvia, seja com Israel ou a Claims Conference9. Além disso, De acordo com o historiador Hans Günter Hockerts9, além de rejeitar os pedidos de indenização de parte da comunidade judaica, a Alemanha Oriental foi integrada nas políticas anti-Israel da União Soviética que se posicionava a favor dos árabes. Outro ponto relevante é o fato de o Partido da Unidade Socialista da Alemanha apresentar a RDA como um novo estado antifascista e que não tinha qualquer responsabilidade internacional com “elementos onerosos da história alemã” 9.

UMA LUTA POR JUSTIÇA... MAS QUE TIPO JUSTIÇA?

Para uma melhor compreensão sobre esta história, faz-se necessário voltarmos a um momento logo após o fim da II Guerra Mundial, quando os líderes dos países aliados se reuniram em julho de 1945 na conferência de Potsdam, Alemanha, para decidirem o futuro daquele país após a derrota do nazismo. A conferência reuniu o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, o primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill e o primeiro-ministro da URSS, Josef Stalin. Já naquele momento, o desacordo entre Estados Unidos e URSS tornavam-se cada vez mais expressivos, o que, somado ao objetivo de impedir que a Alemanha voltasse a ameaçar o equilíbrio geopolítico europeu10, levou à divisão da Alemanha em quatro zonas militares, tuteladas pelas potências vitoriosas da guerra. Entre 1948 e 1949, contudo, cresce a tensão entre os países do bloco capitalista e a URSS, especialmente com o bloqueio soviético às vias ferroviárias, hidroviárias e rodoviárias que davam acesso à cidade de Berlim Ocidental. A chamada crise de Berlim, desencadeada a partir do bloqueio, consolidou a divisão política frente à Guerra Fria, resultando no surgimento de duas novas nações, a República Federal da Alemanha, no eixo Ocidental e a República Democrática Alemã, no eixo Oriental¹¹.
Além disso, em 1947, uma resolução da recém-criada ONU decidiu-se pela criação de um novo Estado no Oriente-Médio: o Estado de Israel, que havia se tornado o lar de muitos judeus expatriados durante o nazismo. A história desta resolução remete ao fim do século XIX, quando líderes judeus, especialmente Theodor Herzel, criaram a Organização Sionista Mundial, que organizou o sionismo político em torno da luta pela construção de um Estado Nacional judaico na região da Palestina, considerada a terra histórica dos judeus. Contudo, pesquisadores identificam o início do processo de criação do Estado de Israel a partir de 1917 quando o secretário britânico de assuntos estrangeiros, Arthur Balfour, assinou um documento destinado ao líder da comunidade judaica do Reino Unido, Barão Rothschild. O documento, conhecido como Declaração de Balfour, anunciava o apoio irrestrito do Reino Unido à causa sionista. Após a Segunda Guerra Mundial, a ONU tomou a frente nos debates sobre a causa, realizando uma Assembleia Geral sobre o assunto em 29 de novembro de 1947. Na Assembleia, a partilha da Palestina foi decidida num debate entre 56 estados que somaram 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções ¹².
O acordo sobre as indenizações aos perseguidos pelo nazismo, portanto, foi protagonizado por duas jovens nações que sequer existiam até o fim da II Guerra Mundial. As discussões sobre a dívida material legada pelo regime nazista, contudo tiveram início ainda durante o conflito.
Em discurso proferido em 1941, na Conferência Pan-Americana de Líderes Judeus organizada pelo World Jewish Congress nos Estados Unidos, o líder sionista Nahum Goldmann (1895–1982) questionou: “Quem pode duvidar que nós, judeus, temos todo o direito à ajuda internacional para os judeus europeus depois da guerra? Se as reparações devem ser pagas, somos os primeiros a reivindicá-las” ¹³ (p.372).
Naquele momento, muitos políticos e intelectuais judeus preocupavam-se com a questão da Herança Vacante, um princípio do direito segundo o qual, bens sem proprietários são apropriados pelo Estado. Para Nehemiah Robinson, especialista em direito internacional, era necessário impedir que, após a guerra, as propriedades de judeus que foram mortos sem deixar herdeiros fossem revertidas para o Estado alemão, principal responsável pela morte de milhões de judeus. Sua proposta era a de que, “dado que muitos judeus emigraram para outros países, onde ainda não conseguiram encontrar trabalho e vocações adequadas, e outros o seguirão, serão necessários grandes fundos para a sua colonização e fixação nesses ou noutros países ou regiões” 14 (p.256-257).
Com o fim da guerra, uma primeira lei de restituição de bens materiais foi assinada em 1947 na zona de ocupação estadunidense na Alemanha e tratava de propriedades reivindicadas por seus proprietários originais ou por seus herdeiros e de propriedades que não haviam sido reivindicadas. Leis semelhantes foram estabelecidas posteriormente nas zonas de ocupação francesa e britânica 15.
Estas leis, contudo, eram limitadas e poucos sobreviventes conseguiam se enquadrar, de fato, nos critérios elegíveis para a compensação. Na zona americana, por exemplo, apenas aqueles que viviam na Alemanha durante ou após o dia 1 de janeiro de 1947 poderiam ser contemplados. Da mesma forma, a zona britânica considerava como elegíveis apenas aqueles que estavam no país durante ou após o dia 1 de janeiro de 1948. Logo, quaisquer pessoas que tivessem buscado refúgio em outros países durante o auge da perseguição nazista ou que tivessem buscado uma nova pátria fora da Alemanha após o fim da guerra – e antes de 1947 – não poderiam solicitar a restituição. Vale mencionar também que na zona britânica, as leis de reparação foram estabelecidas apenas em 1949. Em primeiro lugar, por conta da fraca economia de sua zona de ocupação 15 (p.269), e em segundo lugar, porque os britânicos acreditavam que o principal responsável em tratar das indenizações deveria ser a própria Alemanha e não os países aliados 16 (p.26). Além disso, os britânicos relutaram em oferecer um tratamento diferente às vítimas judias em relação aos não-judeus que também haviam sido perseguidos. De acordo com a historiadora Ayaka Takei, isso se dava também em razão da “questão Palestina” em curso15 (p.269).
Tais políticas, até então, haviam sido implantadas pelos governos dos aliados que ocupavam a Alemanha e eram voltadas somente aos bens materiais recuperáveis que foram roubados e confiscados pelo III Reich, “especialmente aqueles valores que tivessem caído nas mãos de beneficiários privados” 9. Para o pesquisador em Direito Johannes Kaspar, tais leis eram um meio para “restaurar uma ordem social civil e liberal”. Segundo ele, o objetivo se concentrava “na restauração de relações de propriedade ordenadas e na compensação por danos proporcionais à posição social perdida” 5.
As negociações diretas entre Israel e RFA tiveram início apenas em 1952 e, como veremos abaixo, foram atravessadas não apenas por questões morais, mas também por uma necessidade econômica enfrentada por Israel.

UMA LEI CONTROVERSA

No início da década de 1950, o Estado de Israel enfrentava uma grande dificuldade econômica e carecia de recursos para garantir alimento, emprego e condições de vida para sua população que mais do que duplicou desde sua criação. Se em 1948 o novo país possuía 650 mil habitantes, em 1951 a população chegava a 1.324.000. Além da falta de matéria-prima e de energia elétrica que prejudicavam o funcionamento das fábricas, o índice de importações era muito maior que o de exportações 17 (p.22-23).
Foi em meio a esta conjuntura que as maiores autoridades de Israel, como o diretor geral do Ministério das Finanças, David Horowitz, o Ministro das Relações Exteriores, Moshe Sharet e o então Primeiro-Ministro David Ben Gurion decidiram se reunir com a RFA afim de reivindicar uma indenização pelos horrores sofridos na guerra. Uma decisão, “altamente política”, como descreveu o cientista político Michael Brecher 18 (p.76).
O assunto, contudo, era carregado de significados sensíveis para os judeus naquele momento. Estabelecer uma política de indenização era também construir uma relação entre judeus e RFA, sendo esta última, considerada por muitos como uma a república herdeira da Alemanha nazista. Negociar com a RFA era como perdoar a Shoah ou, mais que isso, era como vender este perdão 4 (p.07). O poeta Hersh Leivick, por exemplo, popularizou a ideia de que as indenizações não passavam de “dinheiro de sangue dos alemães” 19 (p.14-15).
Ainda assim, representantes das duas nações se encontraram secretamente em Paris, em maio de 1951, onde uma condição indiscutível foi apresentada pela delegação de Israel aos representantes da RFA: nenhuma negociação se iniciaria antes de a Alemanha emitir um reconhecimento formal de culpa sobre os crimes cometidos contra o povo judeu 20 (p.57).
Diante disso, no dia 27 de setembro de 1951, o Bundestag, parlamento da RFA, foi palco de um discurso no qual o Chanceler daquele país, Konrad Adenauer, reconhecia os crimes da Alemanha contra os judeus e afirmava, diante da imprensa de todo o mundo, o compromisso em ressarcir as perdas materiais dos judeus durante a Shoah. Em seu discurso, afirmou:

Crimes indescritíveis foram, no entanto, cometidos em nome da nação alemã e tornam obrigatórias as reparações morais e materiais, tanto no que diz respeito aos danos individuais sofridos pelos judeus, como no que diz respeito à propriedade judaica, pela qual os requerentes individuais não podem mais estar vivos. Nesta matéria foram dados os primeiros passos, mas ainda há muito a fazer. O Governo Federal fará com que a legislação de reparações seja rapidamente aprovada e executada com justiça (...) 21 (p.59-60).

Meses após a declaração, uma reunião entre Nahum Goldmann e representantes de 23 organizações judaicas de vários países na Organização Sionista Mundial de Nova Iorque, resultou na criação da Conference on Jewish Material Claims Against Germany (ou Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas Contra a Alemanha) 17 (p.27). Tendo o próprio Goldmann como presidente, a Claims Conference, como ficou conhecida, tornou-se representante dos interesses das principais instituições judaicas fora de Israel.
Entre março e agosto de 1952, delegações do Governo de Israel, da Claims Conference e do governo da RFA se reuniram em diversas ocasiões para negociar os termos da indenização. O acordo chega em sua forma final no dia 27 de agosto daquele ano, em Wassenaar, na Holanda. Conforme estabelecido, Israel receberia 3 bilhões de marcos alemães em produtos e serviços durante um período de doze anos. Já a Claims Conference, receberia 500 milhões de marcos alemães dos quais 450 milhões seriam pagos em mercadorias à Israel que, por sua vez, faria o pagamento à agência. Os 50 milhões restantes seriam pagos pela RFA como reparações aos convertidos cristãos de origem judaica que foram vítimas da perseguição nazista 13 (p.404).
A assinatura oficial do acordo se deu no Cercle Municipal de Luxemburgo, na manhã de 10 de setembro de 1952 num silencioso encontro entre delegações de Israel e Alemanha, sem qualquer discurso proferido por nenhuma das partes 4 (p.11).
Apesar de muitos posicionamentos contrários ao acordo, incluindo de membros da União Democrata Cristã, partido de Adenauer, o Tratado entre Israel e a RFA foi ratificado pelo Bundestag em 18 de março de 1953 por 239 votos a favor e 35 contra, com 86 abstenções.
O Acordo de Luxemburgo reverberou em todo o mundo, trazendo diversas opiniões. No Brasil, em uma pequena nota intitulada “Acordo de reparação germano-israelita”, publicada em 29 de novembro de 1952, o Jornal do Brasil revelava a insatisfação de alemães e árabes em relação ao acordo:
Cairo, 28 (APF) – O jornal “Al Ahram” publicou hoje um telegrama da “Associação dos Alemães Livres”, asseverando a opinião pública árabe que o acôrdo sobre as reparações germano-israelitas foi concluído sob a pressão das tropas anglo-americanas que agiam em nome do judaísmo internacional.
Ainda de acordo com o jornal, a Associação, que tem a sua sede no Brasil, qualificou aquele acordo de “traição com referência aos alemães, tanto quanto com referência aos árabes” e afirmou que, pelo contrário, o povo alemão é que têm direito a compensações relativas às atrocidades cometidas pelos judeus contra os prisioneiros de guerra e pelas destruições dos aliados.
Assim conclui a mensagem: “Se a Alemanha Ocidental quiser pagar reparações, deverá fazê-lo para beneficiar os refugiados da Palestina” 22.

Anos depois, em quatro de setembro de 1955, o periódico O Jornal publicou a matéria “Reparações da Alemanha Ocidental às vítimas dos esbulhos pelos nazistas: Redime-se o povo alemão numa campanha de humanidade e justiça – planejamento das compensações”. A matéria, além de esclarecer várias das regras das políticas em questão, conduz o leitor a construir uma nova imagem da Alemanha diferente daquela que existiu sob o III Reich. Isso pode ser observado no trecho abaixo, que traz uma citação de Walter Hallstein, então secretário de estado do Ministério do Exterior da Alemanha, apontando as reparações como um ato de redenção:

O acordo sobre Reparações entre a República Federal da Alemanha e Israel não pode eliminar o mal que se fez a muitos judeus. No entanto, representa uma tentativa sincera do povo alemão no sentido de uma redenção. Sentimo-nos felizes porque muitos judeus, sobretudo antigos judeus alemães, compreenderam e apreciaram devidamente a nossa atitude 23.

A citação acima reforça, de certa maneira, a teoria de historiadores como Svenja Goltermann 3 e Dan Diner 4, para quem o acordo de Luxemburgo representou uma estratégia para a RFA voltar a ser aceita entre as nações após a guerra. Cerca de 15 anos após o acordo, o próprio Nahum Goldmann publicou um texto no jornal O Estado de São Paulo apontando as políticas de reparação como essenciais para o “renascimento da Alemanha”:

Temos o caso de um regime que, sucessor de um regime criminoso, paga indenizações não somente às nações que saíram vitoriosas – velho costume – não somente a cidadãos prejudicados, mas a milhões de não-cidadãos e a um Estado como Israel, que nem sequer existia quando foram cometidos os crimes nazistas, pelo que lhe era impossível apresentar reclamações de lei. Trata-se, pois, de um ato de justiça, exemplar e da maior importância para o mundo, para as vítimas do nazismo, para a própria Alemanha 24.

Para o historiador da medicina Christian Pross, a RFA vivia ainda sob um clima social sobrecarregado por certos padrões do antissemitismo nazista e o projeto de indenizações não respondia a qualquer senso de justiça ou responsabilidade moral. Segundo ele “o povo alemão não gostava das vítimas e certamente não quis pagar por elas. Fazer as pazes foi um exercício cansativo e obrigatório ordenado pelos vencedores [da Guerra]”. 2 (p.24 – grifo meu).
Além disso, no início da década de 1950, ao adquirir autonomia política, o governo Adenauer promoveu um desmonte das iniciativas de desnazificação promovidas pelos Aliados com vistas a eliminar a ideologia nazista da cultura alemã e austríaca 25 (p.05). Sob a justificativa de priorizar a reconstrução social e econômica do país, a decisão é descrita pelo historiador Gustavo Monteiro como um esforço para “rejeitar o passado Nacional-Socialista ao mesmo tempo em que aponta para uma adoção de políticas oficiais com objetivos claros de ignorar ou diminuir a relevância de quaisquer abordagens que retomem esse tema” 26 (p.33).
Vestígios da permanência do antissemitismo na RFA, especialmente na administração do governo Adenauer, podem ser encontrados nas reações de Fritz Schäffer, chefe do Ministério das Finanças entre o período de 1949 a 1957. Schäffer se levantou fortemente contra o pagamento de indenizações sob a justificativa de que sobrecarregaria o sistema financeiro da RFA e, inevitavelmente, desvalorizaria o marco alemão. Em certa ocasião, chegou a afirmar: “Se os judeus querem dinheiro, eles próprios deveriam angariar dinheiro conseguindo um empréstimo estrangeiro” 7 (p.336).
A lei entrou em vigor no ano de 1953 e mesmo seu título atribuído na Alemanha - “Wiedergutmachung”, que se refere à noção de “reparação” - foi alvo de inúmeras críticas por suscitar a ideia de que o ato de indenizar poderia reparar ou desfazer o mal cometido pela Alemanha nazista. Em Israel, o termo escolhido foi “Shilumim” que, segundo o historiador Hans Hockerts, “significa nada mais do que ‘pagamentos’ e rejeita resolutamente conotações como reconciliação ou perdão”1. Hockerts lembra ainda que “se você folhear o dicionário de Grimm, você também aprenderá que ‘fazer o bem’ - ou ‘gutmachen’ - em alemão sempre significou ‘substituir, pagar, expiar’” 9.
Contudo, por se tratar de uma lei baseada na legislação anterior traçada nas zonas de ocupação e com foco em questões materiais, e por apresentar falhas em sua implementação prática, poucos anos depois, a lei passou por uma grande alteração9. É sobre esta alteração e seus desdobramentos no campo da saúde mental que falo a seguir.

A RECONSTRUÇÃO DOS SUJEITOS

Em 1955 a lei de indenizações sofreu uma alteração dando origem a uma nova lei que entraria em vigor no ano seguinte. A Lei Federal de Indenização (Bundesentschädigungsgesetz ou BEG) trazia diversas mudanças em relação à lei anterior, mas destacou-se especialmente pelo estabelecimento de indenizações para danos de saúde física e psíquica.
A partir da nova lei, além daqueles que tiveram seus bens confiscados pelo Nacional-Socialismo, qualquer pessoa perseguida pelo regime que tivesse sua “capacidade de ganho” reduzida em 25% ou mais atestada por um médico especialista, poderia solicitar a indenização27.
A atenção direcionada ao mental vai se revelando à medida em que a reparação dos danos à saúde psíquica é percebida como um dos objetivos da BEG, especialmente pela inclusão de serviços relacionados à cuidados psíquicos entre as possibilidades de indenização. No §29, por exemplo, a oferta de terapia, figura como o primeiro item – entre vários como pensão monetária, subsídios para reciclagem profissional, compensação de capital, e outros – entre as categorias de compensação apresentadas na legislação28.
Diante do exposto até aqui, cabe indagar: como se constituiu o cenário no qual a psicoterapia é vista como ferramenta capaz de trazer bem-estar e, ao mesmo tempo, indenizar as vítimas do nazismo pelo sofrimento que passaram? É importante mencionar que, em momento algum, a legislação alemã se propõe a desfazer o mal causado nos anos de Hitler, mas apresenta um conjunto de medidas que visam trazer algum conforto e a possibilidade para que as vítimas possam se reestabelecer – e a psicoterapia é uma destas medidas.
Para a historiadora Dagmar Herzog, a lei de 1956 fora construída para suprir as necessidades de “pessoas menores”, aquelas que sequer tinham bens materiais para reivindicar. Tratava-se de uma lei direcionada à:

(...) judeus mais pobres e, muitas vezes, judeus de territórios da Europa de Leste, incluindo partes da Polônia, que tinham feito parte do Reich alemão a partir de 1937. A única propriedade que tinham era, por assim dizer, a sua força de trabalho. Daí a necessidade de provar a diminuição de 25 por cento ou mais da capacidade de subsistência - em qualquer nova terra que se tornasse o seu refúgio 6 (p.94).

De certo modo, a afirmação da historiadora nos ajuda a pensar os objetivos desta lei como uma maneira de reabilitar estes sujeitos e torná-los aptos novamente ao mercado de trabalho. Isso se torna ainda mais claro no § 33, na qual lê-se a seguinte condição:
(1) O grau de redução e comprometimento da capacidade de ganho será avaliado com base na medida em que a vítima é mental e fisicamente capaz na vida profissional geral. Será tida em conta a profissão exercida antes do início da perseguição ou uma formação profissional já iniciada ou comprovadamente pretendida antes dessa data.
(2) Se a pessoa perseguida ainda não exercesse um emprego remunerado devido à sua idade antes do início da perseguição, a redução e a diminuição da capacidade de ganho serão medidas de acordo com o grau de deficiência física ou de saúde que resultaria em adultos com a mesmo grau de lesão 29.

Mesmo o já mencionado § 29, inserido no segundo título da lei, “Danos corporais ou de saúde”, inclui a possibilidade de “Subsídio de reconversão” ao apresentar as formas de compensações que seriam pagas, juntamente com outras como Terapia; Pensão; Compensação de capital; Dinheiro para casa; e Provisão para enlutados 28.
Logo, nota-se a construção de uma lei cujas bases foram firmadas a partir de uma noção na qual a saúde física ou psíquica estava totalmente relacionada à capacidade de trabalhar. Tais leis foram cunhadas num momento em que se desenvolviam teorias de mercado e o conceito de capital humano, pensado por economistas como Mincer 30, Schultz 31 e Becker 32. Como esclarece o jornalista e historiador Sérgio Gonçalves, nesta teoria os sujeitos são vistos como parte essencial do sistema de produção capitalista e o conceito de capital humano “prescreve que cada pessoa é um trabalhador e consumidor em potencial, e é em função destas qualidades que o sistema social da produção é projetado” 33 (p.23).
Falamos aqui de um período em que as grandes nações europeias se encontravam devastadas e os Estados Unidos da América despontava cada vez mais como uma grande potência capitalista, especialmente diante da rivalidade com o socialismo da URSS que colocava estas duas potências nos campos opostos da chamada Guerra Fria. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas tecnologias desenvolvidas em contexto militar foram aproveitadas e adaptadas ao uso doméstico de modo que, à medida que jatos militares se tornavam capazes de cruzar a barreira do som, carros modernos e velozes chegavam às lojas, viabilizando ideais de consumo das famílias de classe média 34 (p.256). Inserido neste contexto, o desenvolvimento da teoria de capital humano nos conduz a compreender que, assim como a educação passa a ser direcionada a formar cidadãos dedicados ao trabalho e ao consumo 33 (p.23), o direito à terapia expresso na BEG reflete um meio para tornar aqueles sujeitos em ruínas aptos novamente ao trabalho e ao consumo. As ciências do psiquismo, neste contexto, se tornaram uma ferramenta essencial para tais objetivos.
Além disso, apesar do sentimento de horror que acometera a sociedade após as atrocidades da guerra, vivia-se naquele momento a paradoxal sensação de esperança, que se iluminava a partir dos novos conhecimentos científicos e tecnológicos impulsionados pelo conflito 35. Esse sentimento de esperança refletia-se também na esfera da saúde. Com a criação da penicilina e de inseticidas como o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), era possível pensar na erradicação de doenças e uma maior promoção de saúde global. Este entusiasmo resultou na criação de entidades como a Organização Mundial da Saúde, que viria a ser um dos braços mais importantes da recém-criada Organização das Nações Unidas 35, disseminando o entendimento de que saúde se trata de “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade” 8 (p.30).
É neste contexto que vemos uma valorização das ciências que se dedicavam ao cuidado com o psíquico no meio político. Além disso, em meados do século XX, os saberes psi passavam por um momento em que gozavam de grande respaldo nos meios culturais das sociedades ocidentais36, o que nos leva a pensar na ideia de uma cultura psi37. Dois eventos teriam sido cruciais para o crescimento da popularidade da psicanálise nos Estados Unidos e para o início de seu processo de medicalização: o surgimento do Movimento de Higiene Mental e a Primeira Guerra Mundial38.
O movimento de Higiene Mental surgiu na primeira década do século XX reivindicando condições mais humanas nas instituições psiquiátricas. Contudo, logo passou a ganhar proporções cada vez maiores e sua influência foi muito além do espaço hospitalar, encontrando respaldo em meios políticos e sociais ao ser apropriada pelas elites em um projeto colonialista baseado em ideais eugênicos. Contudo, apesar de embasar medidas extremas de segregação racial em países como Estados Unidos e Alemanha, a higiene mental fez com que o tema da saúde/doença mental passasse a circular cada vez mais nos meios sociais e culturais, popularizando os saberes psi ao público em geral39. Ao tratar práticas higiênicas como a solução para questões psicológicas, situando-as no mesmo bojo que doenças físicas, a higiene mental acabou contribuindo para uma medicalização e objetificação cada vez maior das emoções. Uma vez que categorias de saúde e doença mentais passaram a ser objetivadas e quantificadas, tornou-se possível calcular o tempo e o dinheiro gasto em tratamentos psicológicos, construindo o “novo papel das psicoterapias no mercado capitalista do século XX” 38 (p. 153).
Frente aos horrores cometidos pela Alemanha nazista em nome dos ideais de higiene racial, o fim da II Guerra Mundial não só enfraqueceu os projetos de higiene mental como promoveu no Ocidente novas reflexões sobre a natureza humana. Noções como agressividade, violência, morte, influência e psicologia das massas passaram a ditar discussões sobre a superação de traumas psicológicos e o estabelecimento de políticas que promovessem a noção de saúde mental. Diante disso, a dinâmica das instituições psiquiátricas passou a ser cada vez mais comparada aos campos de concentração, popularizando cada vez mais os debates acerca da reforma psiquiátrica 40 (p.40). Somando-se a isso, o lançamento de drogas psiquiátricas como o lítio e as fenotiazinas nas décadas de 1940 e 1950 permitiu que muitos sujeitos tivessem uma vida livre, fora dos muros institucionais, por meio da psicoterapia e sob medicação contínua41 (p.205-206).
Além disso, desde o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), países como Estados Unidos e Inglaterra passaram a recrutar especialistas em saúde mental para atuarem juntamente aos exércitos, tanto na avaliação da aptidão mental e emocional dos soldados quanto para o tratamento de traumas pós-guerra 38 (p.153). Em resposta a esta demanda cada vez maior de profissionais nas áreas psi, os governos destes países financiaram diversos projetos relacionados ao Comitê Nacional de Higiene Mental, cujo resultado foi a expansão de programas de treinamento em universidades e campanhas de educação pública 38 (p.153). Tais medidas acabaram por promover uma forte circulação dos saberes sobre o psíquico para além dos muros institucionais, popularizando muitas das teorias sobre o funcionamento da mente entre o público em geral de modo a cruzar também fronteiras nacionais se tornando um fenômeno observável em grande parte do Ocidente.
É a isso que aqui chamamos de cultura psi. Um fenômeno descrito pelo psicólogo e pesquisador Sérvulo Figueira como aquele no qual os sujeitos de determinada sociedade aderem a ideias e teorias vindas dos saberes psi integrando-os a “quase todos os aspectos significativos da cultura” 37 (p.104). Neste processo, ideias e conceitos relacionados a este saber passam a ser apropriados nas mais diversas esferas sociais e culturais, como aquelas ligadas às artes, à política, à publicidade, à comunicação social, e outras, impactando também no funcionamento das instituições.
Na década de 1960, por exemplo, o sociólogo Peter Berger chegou a observar que a maneira como concepções vindas dos saberes psi – especialmente a psicanálise - estavam presentes na filosofia, nas relações domésticas, na religião e nos mais diversos aspectos da vida. Segundo ele, essa popularização convertia um conjunto de ideias até então debatidas entre especialistas num “fenômeno cultural, uma maneira de compreender a natureza do homem e de ordenar a experiência humana com base nesta compreensão” 42 (p.12). A relevância alcançada pela psicoterapia e pelo cuidado com a saúde mental nas leis de reparação, sob esta ótica, nos revelam, portanto, a influência da cultura psi também na esfera jurídica.
É nesta conjuntura que, após a Guerra, os saberes psi se apresentaram como um vetor capaz de traduzir as emoções não-ditas a partir de uma linguagem sobre o trauma psíquico e ofereceram, além disso, uma forma de superação do mal sofrido pelas vítimas do nazismo – uma superação que a indenização material não seria capaz de oferecer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo nos mostra como as primeiras políticas de indenização, até então voltadas a bens materiais, se mostraram insuficientes e abriram caminho para que a psicoterapia fosse compreendida como uma alternativa capaz de reparar o irreparável. A análise revela, portanto, o impacto de uma cultura psi sob as esferas política e jurídica da sociedade que testemunhou as atrocidades vividas pelo nazismo e pela II Guerra Mundial.
A promulgação da BEG se insere em um contexto no qual os anos do pós-guerra trouxeram à consciência do Ocidente a percepção de que, mais do que reconstruir às sociedades, era necessário reconstruir os sujeitos. A resolução 60/147 de 2005, adotada pela ONU, apresenta os princípios e diretrizes básicos a serem adotados em benefício de vítimas de violações dos direitos humanos. No ponto 19 de seu item IX, a resolução informa a necessidade de os Estados construírem uma política de restituição que “deve, sempre que possível, restabelecer a situação original da vítima antes das violações” 43 (p.459). Nos pontos 20 e 21 do mesmo item, a preocupação com danos físicos e mentais e a inclusão dos cuidados médicos e psicológicos como pontos essenciais no processo de indenização e reabilitação nos mostram como a saúde psíquica e o papel da psicoterapia se tornaram pontos-chave na discussão do cuidado e tratamento de vítimas de violações dos direitos humanos. Um legado da luta por indenizações travada pelos personagens deste artigo:

20. A indenização deve ser fornecida para qualquer dano economicamente qualificável, conforme apropriado e proporcional à gravidade da violação e às circunstâncias de cada caso, resultantes das violações graves ao Direito Internacional dos Direitos Humanos e ao Direito Internacional Humanitário, tais como:
a) dano físico ou mental;
b) oportunidades perdidas, inclusive empregos, benefícios sociais e educacionais;
c) danos materiais e perda de ganhos, incluindo perdas em potencial;
d) danos morais;
e) custos exigidos para assistência legal ou de peritos, medicamentos e serviços médicos e serviços psicológicos e sociais.
21. A reabilitação deve incluir cuidados médicos e psicológicos, bem como serviços legais e sociais43 (p.460).

Além disso, as políticas de indenização alcançadas após a cruzada de personalidades judias e de sobreviventes do Holocausto acabaram oferecendo as bases para outras formas de reparação à grupos políticos e sociais que passaram por alguma forma de injustiça ou violação. No Brasil, por exemplo, em fins de 2023, a lei 3023/2022 foi sancionada de modo a instituir uma indenização aos filhos de pessoas que foram isoladas de suas famílias na primeira metade do século XX por terem sido acometidas pela hanseníase44.
Pensar meios de buscar justiça e reparação é também pensar sobre os direitos humanos e sobre o enfrentamento das vulnerabilidades sociais e psíquicas que envolvem experiências traumáticas e condições de vida e saúde de vítimas de autoritarismos.

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Santos, D.L. POLÍTICAS DE INDENIZAÇÃO PELOS CRIMES NAZISTAS E SAÚDE MENTAL NO PÓS-GUERRA. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/dez). [Citado em 30/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/politicas-de-indenizacao-pelos-crimes-nazistas-e-saude-mental-no-posguerra/19469?id=19469&id=19469

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