0149/2024 - Procedimentos odontológicos e custos hospitalares para Pacientes com Necessidades Especiais no Brasil
Dental procedures and hospital costs in Brazil
Autor:
• Elza Cristina Farias de Araújo - de Araújo, E. C. F. - <ecfaraujo@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8303-8914
Coautor(es):
• Rênnis Oliveira da Silva - da Silva, R. O. - <rennisilva@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8413-8071
• Isis Teixeira de Oliveira - Oliveira, I. T. - <isisoliveira83@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5353-8830
• Aldelany Ramalho Freire - Freire, A. R. - <aldelanyramalho@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8082-5883
• Deborah Ellen Wanderley Gomes Freire - Freire, D. E. W. G - <ellenwg.d@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0001-7430
• Simone Alves de Sousa - Sousa, S. A. - <simonealvess.sousa@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3254-9036
• Edson Hilan Gomes de Lucena - Lucena, E. H. G. - <ehglucena@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3431-115X
• Yuri Wanderley Cavalcanti - Cavalcanti, Y. W. - <yuri.wanderley@yahoo.com.br, yuri@ccs.ufpb.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3570-9904
Resumo:
O estudo analisou fatores ligados aos procedimentos e custos para assistência odontológica a Pacientes com Necessidades Especiais (PNE) no Brasil. Foi um estudo transversal com dados do Sistema de Informações Hospitalares sobre Autorização de Internação Hospitalar (AIH) de tratamento odontológico para PNE, de 2010 a 2018. Foram coletados dados sobre número e custo de procedimentos odontológicos hospitalares, custo das AIH, IDH, Índice de Gini, cobertura de saúde bucal na atenção básica, número de leitos hospitalares, dentistas clínicos e buco-maxilo-faciais. A análise incluiu correlação de Spearman e regressão múltipla de Tweedie (pPalavras-chave:
Pessoa com Necessidade Especial. Atenção terciária à saúde. Sistemas de Informação Hospitalar.Abstract:
The study examined factors related to procedures and costs for dental care for Patients with Special Needs (PNE) in Brazil. It was a cross-sectional study using datathe Hospital Information System on Hospitalization Authorization (AIH) for dental treatment for PNE,2010 to 2018. Data were collected on the number and cost of hospital dental procedures, AIH cost, HDI, Gini Index, oral health coverage in primary care, number of hospital beds, clinical dentists, and oral and maxillofacial surgeons. The analysis included Spearman correlation and Tweedie\'s multiple regression (pKeywords:
Disabled Persons. Tertiary Healthcare. Hospital Information SystemsConteúdo:
A atuação do cirurgião-dentista em ambiente hospitalar pode envolver a abordagem eletiva ou de urgência, assim como o atendimento ambulatorial ou em unidade de terapia intensiva (UTI)1. Durante a abordagem eletiva em nível ambulatorial, o cirurgião-dentista frequentemente presta assistência a Pacientes com Necessidades Especiais (PNE). O atendimento a esse grupo de pacientes é regulamentado pela Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência2 e pela Portaria Ministerial Nº 1.032/20103. PNE são todos os indivíduos que possuem uma ou mais limitações que o impeçam de ser submetidos ao atendimento odontológico convencional4. Esses indivíduos são considerados PNE quando apresentam limitações temporárias ou permanentes, deficiência mental ou física, anomalias congênitas, distúrbios comportamentais, transtornos psiquiátricos, distúrbios sensoriais e de comunicação, doenças sistêmicas crônicas, como diabetes, hipertensão e demência, doenças infectocontagiosas e condições, como mulheres grávidas 5,6,7.
Conforme o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45 milhões de brasileiros, ou 23,9% da população total, apresentam algum tipo de limitação visual, auditiva, motora e mental ou intelectual8. Isso mostra um aumento de quase 10% no número de indivíduos com algum tipo de deficiência, quando compara ao senso de 20005. Diante desses números, é necessário reconhecer a importância do atendimento odontológico a PNE em ambiente hospitalar. Quanto a esta modalidade de atendimento, são executados diferentes tipos de procedimentos que podem possibilitar a manutenção do estado de saúde dos indivíduos afetados9,10,11.
De acordo com o sistema público de saúde brasileiro, o atendimento odontológico prestado ao PNE deve ser preferencialmente ofertado na Atenção Primária ou nos Centros de Especialidades Odontológicas, com exceção para os casos de indivíduos que necessitam de sedação ou anestesia geral6. Assim, a assistência odontológica a PNE em nível hospitalar foi garantida com a criação da Portaria Ministerial Nº 1.032/2010, a qual incluiu os procedimentos odontológicos na Tabela de Procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) para os PNE que precisam ser atendidos em ambiente hospitalar9. Isso possibilitou que os hospitais recebessem recursos para realização dessas ações. Além disso, houve uma adequação de centros cirúrgicos e equipes para aumentar o acesso às urgências e emergências odontológicas, bem como ao atendimento sob sedação ou anestesia geral, necessários para PNE que apresentam comportamentos de ansiedade, medo e falta de cooperação na hora do atendimento odontológico, conforme a Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 201712,13.
Fatores organizacionais dos municípios, bem como características relativas à rede de serviços do SUS, como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), índice de GINI e cobertura de saúde bucal, podem influenciar diretamente no acesso aos serviços de saúde e na proporção de procedimentos odontológicos realizados no serviço público de saúde, pois desigualdades municipais, na população e no acesso aos serviços de saúde podem se traduzir em piores condições de saúde desses indivíduos14,15. Com isso, avaliar fatores relacionados ao atendimento odontológico no nível hospitalar de PNE pode fornecer subsídios para colaborar com a organização e gestão de rede saúde, pois irá mostrar como esses fatores podem estar associados à dificuldade de acesso e atendimento desses indivíduos.
Face ao exposto, o objetivo desse trabalho foi identificar os fatores relacionados ao número de procedimentos odontológicos e custos em nível hospitalar para o atendimento odontológico de PNE no Brasil. Conhecer estes aspectos pode ajudar a qualificar a rede de serviços oferecidos ao PNE no país.
Métodos
Trata-se de um estudo exploratório, observacional, transversal e retrospectivo, no qual utilizou dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do DATASUS (https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/producao-hospitalar-sih-sus/). Foram incluídos os dados de cada município do Brasil que apresentou informações sobre a Autorização de Internação Hospitalar (AIH) de tratamento odontológico para pacientes com necessidades especiais (PNE), entre 2010 e 2018, conforme a disponibilidade dos dados.
As variáveis dependentes coletadas no estudo foram: número de procedimentos odontológicos hospitalares, custo de procedimentos odontológicos hospitalares e custo total das AIH, referentes ao ano em que os dados foram coletados. Os dados referentes aos custos foram obtidos através da plataforma TABNET (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?idb2012/e11.def) Além disso, informações das AIH foram obtidas a partir da lei de acesso a informação, sendo consideradas as AIH específicas de tratamento odontológico de PNE. Essa lei regula o acesso a informações, sendo possível fazer a solicitação de dados para serem utilizados para fins de pesquisa16. Os dados foram solicitados ao Ministério da Saúde, sendo enviado um banco de dados com todas as informações solicitadas. Foram extraídos dados segundo o local de atendimento (unidade hospitalar), considerando a unidade de análise do estudo como sendo cada AIH.
Como variáveis independentes do estudo, foram coletados o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o Índice de desigualdade de GINI, no site do IBGE (https://www.ibge.gov.br/). Dados a respeito da cobertura de saúde bucal na atenção básica foram extraídos do histórico de cobertura de saúde bucal na atenção básica, do portal e-gestor AB(https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaSB.xhtml). O número de leitos hospitalares, número de cirurgiões-dentistas clínicos e número de cirurgiões-dentistas especialistas em cirurgia buco-maxilo-facial foram coletados de acordo com o número de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), na plataforma TABNET (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/leiintbr.def). Todos os dados coletados das variáveis independentes do estudo foram referentes ao período de 2010 a 2018, conforme a disponibilidade.
Os dados foram tabulados no software Microsoft Excel (Microsoft Corp, Estados Unidos) e analisados no software Statistical Package for Social Sciences (IBM-SPSS, v.24, IBM, Chicago, IL). Análises descritivas foram realizadas, sendo calculado a média de procedimentos odontológicos hospitalares por AIH, dividindo o número de procedimentos odontológicos pelo número de AIH, bem como o custo médio de cada AIH por paciente, dividindo o custo total pelo número total de pacientes.
Análises bivariadas foram conduzidas por meio da correlação de Spearman para constatar se houve relação entre as variáveis dependentes e independentes. Regressões simples de Tweedie foram utilizadas para verificar associação entre as variáveis estudadas. Em seguida, um modelo de regressão múltipla de Tweedie foi construído para determinar os fatores associados à quantidade de procedimentos odontológicos hospitalares, ao custo dos procedimentos odontológicos hospitalares, e ao custo total das AIH. A regressão de Tweedie é um tipo de Modelo Linear Generalizado e foi escolhida pois ela permite acomodar variáveis que possuem um comportamento assimétrico, tendo como vantagem permitir que a variável independente assuma o valor 0. O modelo múltiplo bruto incluiu todas as variáveis independentes. O modelo ajustado foi obtido pela remoção progressiva de variáveis com valor de p>0,20. O ajuste das variáveis independentes foi verificado pelo teste de Omnibus (p<0,05) e a qualidade de ajustamento do modelo foi avaliado pelo Critério de Informações de Aikaike. Em todas as análises de regressão, a razão entre o número de AIH por unidade hospitalar foi utilizado como variável de ponderação do modelo. Esse aspecto foi necessário para reduzir as discrepâncias entre as frequências observadas para as diferentes unidades hospitalares do banco de dados. Foi considerada uma significância estatística de 5%, sendo obtido os valores do coeficiente de regressão com intervalo de confiança de 95%.
Resultados
No período de 2010 a 2018, foram coletados dados de 144 municípios (2,58% do total de municípios do Brasil), sendo a maioria (n=73; 50,7%) da região Sudeste, que corresponde à 4,37% do total de municípios da região, seguido pela região Sul (n=35; 24,3%), que corresponde à 2,93% dos municípios da região, Nordeste (n=15; 10,4%), que corresponde à 0,83% do total de municípios da região, Centro-oeste (n=12; 8,3%), que corresponde à 2,56% do total de municípios da região e Norte (n=9; 6,3%), que corresponde à 2,0% dos municípios da região. Durante esse período, foram assistidas 14.802 pessoas, sendo realizados 122.206 procedimentos odontológicos em nível hospitalar. Em média, a maioria dos procedimentos foram realizados nos estados de Alagoas e Paraná, como mostra a figura 1A. A média de procedimentos odontológicos hospitalares por AIH foi de 8,25 e o custo médio de cada AIH por paciente foi de R$375,33. A média do custo dos procedimentos foi maior no estado no Rio Grande do Norte (figura 1B), já a média de custo por AIH foi maior nos estados do Rio Grande do Norte e de Alagoas (figura 1C). O número de procedimentos odontológicos hospitalares e o custo total das AIH apresentou correlação bivariada significativa com o todas as variáveis independentes (p<0,05) (Tabela 1).
A regressão ajustada demonstrou que um maior IDH, maior cobertura de saúde bucal na atenção básica e maior número de dentistas clínicos nos hospitais foram associados ao menor quantitativo de procedimentos odontológicos hospitalares (p=0,004; B=-18,672; p=0,032; B=-0,024; p=0,009; B=-0,003), menor custo nos procedimentos odontológicos hospitalares (p=0,001; B=-23,662; p<0,001; B=-0,066; p=0,016; B=-0,010) e menor custo das AIH (p=0,010; B=-15,733; p=0,013; B=-0,025; p=0,003; B=-0,006), expostos nas Tabelas 2 e 3. Maior índice de Gini está associado à um maior número de procedimentos hospitalares (p<0,001; B=7,043) (Tabela 2) e maior custo de AIH (p<0,001; B=8,362) (Tabela 4).
Discussão
Os resultados deste estudo demonstraram que variáveis contextuais, bem como características da rede de serviços do SUS, apresentaram associação estatisticamente significante com o número de procedimentos odontológicos e com o custo da assistência odontológica hospitalar ofertada a PNE no Brasil, entre os anos 2010 e 2018.
Verificou-se que a maior parte dos municípios são provenientes da região Sudeste, que pode ser explicado pelo fato dessa macrorregião ser a mais populosa17, bem como ter a maior concentração de hospitais no Brasil18. O número total de municípios com informações de AIH disponíveis no período de 2010 a 2018 foi consideravelmente baixo, levando em consideração a quantidade total de municípios no Brasil. Isso pode ocorrer pois há um maior número de hospitais concentrado em capitais e municípios de grande porte18, recebendo a demanda de pacientes das demais cidades.
O atendimento odontológico de PNE deve ser realizado preferencialmente na Atenção Primária e nos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), contanto que esses estabelecimentos estejam fisicamente adequados e as equipes de saúde capacitadas para realizar o atendimento20. A assistência desses pacientes a nível hospitalar deve ser restrita para casos mais complexos de procedimentos, que podem necessitar de sedação ou anestesia geral4,7,19. Consequentemente, uma melhor estruturação da rede de atenção básica e CEO irá ocasionar uma maior cobertura e acesso integral à saúde20, diminuindo o número de procedimentos e o custo da assistência hospitalar.
Existe uma associação entre um maior IDH e maior cobertura de saúde bucal na atenção básica com a diminuição do número de procedimentos odontológicos, do custo de procedimentos hospitalares, e do custo das AIH. Regiões mais desenvolvidas, usualmente, apresentam serviços de saúde melhor estruturados e resolutivos, tendo uma maior integração da saúde nos diferentes níveis de atenção21. Por terem uma melhor provisão e estruturação da saúde, municípios com maior IDH também apresentam maior proporção de primeira consulta odontológica na atenção primária14. Além disso, o atendimento de pacientes oriundos de outras localizações nessas cidades com maior IDH pode dificultar a organização e gestão dos serviços de saúde nos diferentes níveis de atenção6.
A Política Nacional de Saúde Bucal, implantada no Brasil a partir de 2004, propôs uma oferta de assistência à saúde bucal estruturada e hierarquizada nos três níveis de atenção22. Isso resultou na expansão da cobertura dos serviços públicos de saúde bucal através da implantação do atendimento odontológico especializado na atenção secundária e terciária, bem como no aumento do acesso à saúde bucal na atenção primária22,23. Há evidências que mostram que o aumento da cobertura de saúde na atenção básica contribui também para a redução de hospitalizações evitáveis24-26.
Em contrapartida, uma maior desigualdade de renda dos municípios, medida através do índice de GINI, demonstrou estar relacionada com maior número de procedimentos odontológicos hospitalares e custo das AIH. Cidades que apresentam uma maior desigualdade tendem a ter uma população mais dependente do SUS e com condições orais mais precárias, consequentemente aumentando a necessidade de atendimento nos diferentes níveis de atenção à saúde27,28. Essas cidades com maiores desvantagens socioeconômicas podem apresentar uma tendência a favorecer o acesso à atenção à saúde, aumentando o quantitativo e custo dos procedimentos29. Com isso, pode-se sugerir que há uma “tendência de equidade”, termo utilizado para explicar a associação a favor de locais com desvantagens socioeconômicas14,29.
Um maior número de cirurgiões-dentistas clínicos atuando no nível terciário está correlacionado com a diminuição do número e custo de procedimentos odontológicos hospitalares e AIH. É importante destacar que a presença de cirurgiões-dentistas clínicos nos hospitais não significa que necessariamente mais procedimentos serão realizados. Um estudo realizado na Região Metropolitana da Grande Vitória do Espírito Santo mostrou que o ambiente hospitalar de unidades de grande porte oferece maiores oportunidades para a especialidade de cirurgia buco-maxilo-facial, sendo a maioria dos procedimentos realizados por CD dessa especialidade30. Isso também corrobora com o achado de que o número de cirurgiões-dentistas especialistas em cirurgia buco-maxilo-facial apresentou correlação com as variáveis independentes, o qual mostra uma maior atuação desses profissionais nos hospitais. Em contrapartida, uma investigação realizada com dados das AIH do estado de Minas Gerais mostrou que a maior parte dos registros dessas autorizações para PNE ocorreu por CD clínicos gerais, seguido por CD buco-maxilo-faciais6.
Muitas vezes, a atenção terciária é contemplada apenas com a presença de CD buco-maxilo-faciais, os quais têm perfil de atuação mais direcionados para a área de traumatologia e serviços de urgência e emergência. Poucos são os hospitais que incluem cirurgiões-dentistas nas equipes multidisciplinares31. Apesar disso, é importante ressaltar que a presença de CD clínicos visa a inter-relação dos profissionais da equipe para a saúde integral do paciente hospitalizado32.
Apesar dos avanços, ainda existem dificuldades que permeiam o atendimento de PNE na rede hospitalar. Muitos profissionais de saúde se sentem incapazes de atendê-los, encaminhando esses pacientes para os serviços especializados e de maior complexidade33. Isso resulta no aumento do número de procedimentos em níveis de maior complexidade que poderiam ser feitos na Atenção Básica21,22. Além disso, algumas mudanças são necessárias para garantir o acesso à assistência à saúde de PNE, como por exemplo a ampliação da cobertura em saúde, distribuição regional equitativa e justa dos serviços de saúde e a eliminação de barreiras físicas para garantir a acessibilidade universal21.
O presente estudo apresenta algumas limitações, como o uso de dados secundários provenientes de um sistema de informação, diminuindo o controle dos pesquisadores quanto ao seu registro. Além disso, o preenchimento das Autorizações de Internação Hospitalar pode variar nos diferentes municípios, o que pode interferir na forma como os dados são computados/registrados. Outro aspecto relevante a ser mencionado é que a análise foi baseada na oferta de serviços, e não na demanda ou necessidade de atendimento odontológico de PNE. O dimensionamento da demanda poderia ser estimado com base na análise de dados de regulação, tempo de espera para atendimento, ou outros parâmetros, que poderiam subsidiar uma análise acerca da demanda existente e capacidade hospitalar instalada. O modelo apresentado neste estudo não considerou esses aspectos, sendo feita análise exploratória das unidades que ofertaram atendimento nesse período. É possível que a rede de cuidado em nível hospitalar seja maior do que o dimensionado neste estudo, visto que unidades que não ofertaram atendimento no período não foram incluídas na análise.
Ainda, a análise feita no estudo considerou os municípios em que os indivíduos foram atendidos e não seu município de residência, sem também considerar a regionalização do serviço. Ao considerar o local de atendimento como fonte de informação, foram considerados apenas os municípios das unidades hospitalares, sem considerar o contexto onde vivem os pacientes atendidos. Por se tratar de um estudo exploratório, que considerou a estrutura hospitalar disponível, em termos de número de leitos e quantitativo de profissionais, consideramos que o resultado deste estudo pode ajudar a compreender algumas características acerca dos serviços que ofertam assistência odontológica à PNE, em nível hospitalar.
Apesar de tais limitações, este estudo apontou que municípios com melhores condições socioeconômicas (mais desenvolvidos e menos desiguais) e com rede de saúde mais estruturada (maior cobertura) possuem menor número e menor custo de procedimentos odontológicos hospitalares voltados a PNE. Observou-se que ainda o maior número de leitos e o número de cirurgiões dentistas especialistas não contribuiu para o cuidado hospitalar de PNE, em termos de custo e quantitativo de procedimentos odontológicos. Esses achados reforçam o papel dos determinantes sociais na saúde e ilustram como a estruturação de redes de atenção a saúde em nível municipal contribui para maior eficiência dos serviços. A estruturação hospitalar, nesse caso, não influenciou a oferta dos procedimentos.
Ressalta-se que o período de análise deste estudo é anterior à pandemia de COVID-19, quando pode ter ocorrido modificações na disponibilidade de infraestrutura hospitalar, do número de leitos e profissionais disponíveis, bem como do registro dos procedimentos. Além disso, a PNAB 2017 pode ter contribuído para mudanças na rede de serviços de saúde bucal no âmbito do SUS34, o que poderia ter influenciado os resultados da análise.
Portanto, o presente estudo conclui que municípios mais desenvolvidos e menos desiguais favorecem um menor número e menor custo de procedimentos odontológicos em nível hospitalar para PNE. Maior cobertura de saúde bucal na atenção básica e o maior número de cirurgiões-dentistas clínicos favorece a redução do número de procedimentos odontológicos e do custo da assistência odontológica hospitalar ofertada a PNE.
Referências
1. Silva IO, Amaral FR, da-Cruz PM, Sales TO. A importância do cirurgião-dentista em ambiente hospitalar. Rev Med Minas Gerais. 2017;27:e-1888.
2. Brasil. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_pessoa_com_deficiencia.pdf Acessado em: 10/06/2023.
3. Brasil. Portaria nº 1.032, de 05 de maio de 2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt1032_05_05_2010.html Acessado em: 10/06/2023.
4. Brasil. Guia de Atenção à Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência. Ministério da Saúde 2019. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_atencao_saude_bucal_pessoa_deficiencia.pdf Acessado em: 15/02/2023.
5. Savanheimo Nora, Sundberg Sari A, Virtanen Jorma I, et al. Dental care and treatments provided under general anaesthesia in the Helsinki Public Dental Service. BMC Oral Health 2012; 12(45).
6. Santos JS, Valle DA, Palmier AC, Amaral JHL, Abreu MHNG. Availability of hospital dental care services under sedation or general anesthesia for individuals with special needs in the Unified Health System for the State of Minas Gerais (SUS-MG), Brazil. Cienc Saude Colet 2015; 20(2):515-524.
7. Andrade APP, Eleutélio ASL. Pacientes portadores de necessidades especiais: abordagem odontológica e anestesia geral. Rev. bras. odontol. 2015;72(1/2):66-9.
8. Brasil. Cartilha do Censo 2010. Trata sobre os direitos das pessoas com deficiência e dados do censo demográfico no Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR 2012. Disponível em: https://inclusao.enap.gov.br/wp-content/uploads/2018/05/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido-original-eleitoral.pdf Acessado em: 15/02/2023.
9. Castro AM, Marchesoti MGN, Oliveira FS, Novaes MSP. Analysis of dental treatment provided under general anesthesia in patients with special needs. Rev Odontol UNESP. 2010; 39(3):137-142.
10. Brasil. Gabinete do Ministro da Saúde. Portaria nº 1.032, de 05 de maio de 2010. Inclui procedimento odontológico na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde - SUS, para atendimento às pessoas com necessidades especiais. Seção 1, p. 50-1. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 2010, 6 maio. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt1032_05_05_2010.html Acessado em: 15/02/2023.
11. Schardosim LR, Costa JRS, Azevedo MS. Abordagem Odontológica de Pacientes Com Necessidades Especiais em um Centro de Referência no Sul do Brasil. Rev ACBO 2015; 4(2).
12. Brasil. Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Seção Suplemento, p. 192-288. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 2017, 3 out. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017.html Acessado em: 15/02/2023.
13. Fischer TK, Peres KG, KUPEK E, Peres MA. Indicadores de atenção básica em saúde bucal: associação com as condições socioeconômicas, provisão de serviços, fluoretação de águas e a estratégia de saúde da família no Sul do Brasil. Rev Bras Epidemiol 2010; 13(1):126-38.
14. Appukuttan DP. Strategies to manage patients with dental anxiety and dental phobia: literature review. Clin Cosmet Investig Dent 2016;10(8):35-50.
15. Freire DEWG, Freire AR, Lucena EHG, Cavalcanti YW. Acesso em saúde bucal no Brasil: análise das iniquidades e não acesso na perspectiva do usuário, segundo o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, 2014 e 2018. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30(3):e2020444.
16. Brasil. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 2011, 18 nov. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm Acessado em: 17/12/2023.
17. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo demográfico 2010: Características da População e dos Domicílios. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf Acessado em: 15/02/2023.
18. Federação Brasileira de Hospitais. Relatório da Situação dos Hospitais Privados no Brasil. São Paulo, 2019. Disponível em: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/05/CenarioDosHospitaisNoBrasil2019CNSaudeFBH.pdf Acessado em: 15/02/2023.
19. Condessa AM, Lucena EHG, Figueiredo N, Goes PSA, Hilgert JB. Atenção odontológica especializada para pessoas com deficiência no Brasil: perfil dos centros de especialidades odontológicas, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(5):e2018154.
20. Rocha LL, Saintrain MVL, Vieira-Meyer APGF. Access to dental public services by disabled persons. BMC Oral Health 2015; 15:35.
21. Medeiros CRG, Gerhardt TE. Avaliação da Rede de Atenção à Saúde de pequenos municípios na ótica das equipes gestoras. Saúde Debate 2015; 39(spe):160-170.
22. Brasil. Departamento de Atenção Primária. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Ministério da Saúde 2004. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf Acessado em: 15/02/2023.
23. Chaves SCL, Almeida AMFL, Rossi TRA, Santana SF, Barros SG, Santos CML. Oral health policy in Brazil between 2003 and 2014: scenarios, proposals, actions, and outcomes. Cienc Saude Colet 2017; 22(6):1791-1803.
24. Ely HC, Abegg C, Celeste RK, Pattussi MP. Impacto das equipes de saúde bucal da Estratégia da Saúde da Família na saúde bucal de adolescentes do sul do Brasil. Cienc Saude Colet 2016; 21(5):1607-16.
25. Neves RG, Flores TR, Duro SMS, Nunes BP, Tomasi E. Time trend of Family Health Strategy coverage in Brazil, its Regions and Federative Units, 2006-2016. Epidemiol Serv Saude 2018; 27(3):e2017170.
26. Neves M, Giordani JMA, Hugo FN. Primary dental healthcare in Brazil: the work process of oral health teams. Cienc Saude Colet 2019; 24(5):1809-1820.
27. Queiroz RCS, Ribeiro AGA, Tonello AS, Pinheiro ACM, Aquino Júnior J, Rocha TAH, et al. Is there a fair distribution of the structure of dental services in the capitals of the Brazilian Federative Units? Int J Equity Health 2019; 18(1):5.
28. Lucena EHG, Lucena CDRX, Alemán JAS, Pucca Junior GA, Pereira AC, Cavalcanti YW. Monitoramento das equipes de saúde bucal após a Política Nacional de Atenção Básica 2017. Rev Saude Publica 2020; 54:99.
29. Fernandes JKB, Pinho JRO, Queiroz RCS, Thomaz EBAF. Avaliação dos indicadores de saúde bucal no Brasil: tendência evolutiva pró-equidade? Cad Saude Publica 2016; 32(2):e00021115.
30. Gonçalves CL, Silva Junior MF, Andrade LS, Miclos PV, Gomes MJ. Hospital odontology in large hospitals in the Great Vitoria metropolitan region, Espírito Santo. Rev Bras Pesq Saude 2014; 16(1):75-81.
31. Blum DFC, Silva JAS, Baeder FM, Bona AD. A atuação da Odontologia em unidades de terapiaintensiva no Brasil. Rev Bras Ter Intensiva 2018; 30(3):327-332.
32. Lim MAWT, Liberali SAC, Borromeo GL. Utilisation of dental services for people with special health care needs in Australia. BMC Oral Health 2020; 20(1):360.
33. Porto VA, Gellen PVB, Santos MA, Benigno MBS, Borges TS. Percepção do acadêmico frente ao atendimento odontológico de pacientes com necessidades especiais. Rev ABENO 2022; 22(2):1027.
34. Lucena EHG, Lucena CDRX, Alemán JAS, Pucca Júnior GA, Pereira AC, Cavalcanti YW. Monitoring of oral health teams after National Primary Care Policy 2017. Rev Saude Publica. 2020;54:99.