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0094/2024 - Representações sociais dos adolescentes sobre o corpo: revisão sistemática de estudos qualitativos
Social representations of the body by adolescents: qualitative systematic review

Autor:

• Taciana Lima de Paula Black - Black, T. L. P. - <taciana.lima@upe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5766-337X

Coautor(es):

• Iraneide Nascimento dos Santos - Santos, I. N. - <iraneide.nascimento@upe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8449-7840

• Gerbson da Silva Lima - Lima, G. S. - <gerbson.slima@upe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5991-311X

• Carolina da Franca Bandeira Ferreira Santos - Santos, C. F. B. F. - <carolina.franca@upe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7365-2806

• Kalina Vanderlei da Silva - Silva, K. V. - <kalina.silva@upe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8370-1894



Resumo:

Este artigo tem como objetivo identificar as representações sociais dos adolescentes acerca do corpo e como a temática dos corpos negros tem sido discutida. Trata-se de uma revisão sistemática cujas buscas ocorreram em agosto de 2023 nas bases de dados PubMed/MEDLINE, SciELO, Scopus, Web of Science, PsycInfo, PePSIC, BVS e nos portais BDTD e OATD. Os dez estudos incluídos apontaram um corpo que tem como constituinte central a aparência corporal, a valorização pelos adolescentes de padrões estéticos hegemônicos, a influência do corpo na aceitação entre os pares e a busca pelo corpo desejado. Assim como, foi verificado o incipiente debate acerca da questão racial em torno das representações sobre o corpo. Dois estudos aprofundam a discussão sobre essa questão, expondo a exaltação da miscigenação e o sexismo presentes nos estereótipos em torno do corpo de mulheres negras. Assim, evidencia-se que o corpo é concebido pelos jovens como um importante mediador de comportamentos, relações sociais e instrumento de expressão de identidades. Diante destas expectativas sociais, os adolescentes almejam o corpo branco, magro, curvilíneo e torneado. Bem como, há uma lacuna sobre características e valores associados ao corpo negro.

Palavras-chave:

Fatores raciais; Imagem Corporal; Adolescente; Representação Social; Revisão Sistemática.

Abstract:

The scope of this article is to identify adolescents\' social representations of the body and how the issue of black bodies has been discussed. This is a systematic review whose searches took place in August 2023 in PubMed/MEDLINE, SciELO, Scopus, Web of Science, PsycInfo, PePSIC, BVS, and in the BDTD and OATD portals. The ten studies included pointed to a body whose central constituent is body appearance, the adolescents’ appreciation of hegemonic aesthetic standards, the influence of the body on acceptance among peers, and the search for the desired body. As well as the incipient debate about the racial issue around the representations of the body was verified. Two studies deepen the discussion on this issue, exposing the exaltation of miscegenation and sexism present in stereotypes around the body of black women. Thus, it is clear that the body is conceived by young people as an important mediator of behavior, social relations and an instrument for expressing identities Given these social expectations, teenagers desire a white, thin, curvy and toned body. As well, there is a gap regarding characteristics and values associated with the black body.

Keywords:

Race Factors; Body Image; Adolescent; Social Representation; Systematic Review.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
O corpo como mediador do lugar social onde o indivíduo está inserido1 torna-se um objeto de enunciação das maneiras singulares e coletivas de como os sujeitos interpretam o mundo e agem sobre ele. As representações sociais sobre o corpo ganham importância na medida em que este se constitui como referência do conhecimento de si e do outro frente às relações sociais, principalmente na sociedade contemporânea, marcada pela valorização da imagem corporal ideal, embora existam diversidades2. Assim, compreender como os grupos concebem o corpo revela significados a ele atribuídos e como estes modulam comportamentos. Diante disso, a adolescência surge como uma fase vulnerável em que os jovens lidam com a imagem corporal em meio a influências sociais complexas3 em um processo complexo de emancipação.
A representação mental do próprio corpo envolve aspectos afetivos, físicos e sociais, destacando os padrões hegemônicos estabelecidos em torno de um corpo eurocêntrico que perpetuam estereótipos e preconceitos sobre o corpo negro. Neste contexto, o racismo distinguiu e hierarquizou seres humanos com base no fenótipo, tornando o corpo uma ferramenta de opressão e poder na sociedade ocidental4. Entretanto, toma importância o fato de que este corpo pode ser concebido como um espaço de luta, afirmação e resistência, relacionado à identidade e ao território5. Assim, as características corporais dos sujeitos, como cabelos, traços faciais e cor da pele, determinam mo¬delos de pensamento e de comportamento a ele relacionados.
Neste cenário, durante a adolescência, as vivências e interações sociais em um contexto racista podem impactar na construção das subjetividades e o olhar construído sobre os corpos negros e suas representações frente ao padrão de beleza hegemônico e valores a eles atribuídos. Diante da relevância desse enfoque, torna-se fundamental a realização de revisões de literatura que explorassem a temática. Nesta perspectiva, esta revisão sistemática teve como objetivo identificar as representações sociais dos adolescentes acerca do corpo e como a temática dos corpos negros tem sido discutida.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura que seguiu as recomendações da Declaração PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses)6. O protocolo da revisão foi registrado na plataforma International prospective register of systematic reviews (PROSPERO) sob o número CRD42023402757. Utilizou-se o acrônimo SPIDER (S- Sample; P- Phenomen of Interest; D- Design; E- Evaluation; R- Research design)7 para guiar a pergunta de pesquisa: “Quais as representações sociais de adolescentes sobre o corpo em pesquisas qualitativas?”.
A busca foi conduzida por dois autores independentes no mês de agosto de 2023, nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) via US National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Web of Science, Scopus, SciELO, PePSIC, PsycInfo e bases indexadas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), acessados através do Portal de Periódicos da CAPES. De forma complementar, foi realizada uma busca na literatura cinzenta por meio dos portais Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e Open Access Theses and Dissertations (OATD), e a busca manual em listas de referências dos artigos selecionados e de revisões sistemáticas. Os operadores booleanos “AND” e “OR” e os termos “adolescent”, “social representations”, “body” e “body image”, foram utilizados para customizar a estratégia de pesquisa de acordo com as especificidades de cada base de dados (Quadro 01). Não houve restrição na busca quanto à data de publicação ou local de pesquisa. A ausência de um período específico na definição dessa busca se deve à intenção de abranger uma ampla variedade de datas, a fim de assegurar a inclusão do maior número de evidências relevantes disponíveis.
Os critérios de elegibilidade para a seleção dos artigos foram: estudos qualitativos que utilizaram a Teoria das Representações Sociais com adolescentes e escritos em inglês, português ou espanhol. Os critérios de exclusão foram: estudos fora do objetivo; artigos de revisão, cartas ao editor/editoriais, opiniões pessoais, capítulos de livros, livros, relatórios e resumos de conferências. Para a seleção dos estudos, os resultados obtidos foram exportados para a ferramenta Rayyan® onde, inicialmente, procedeu-se à eliminação de duplicatas. O processo de semi-automação proporcionado pelo programa acelera a triagem e aumenta a fidedignidade desta etapa8. Em seguida, foi realizada uma triagem dos estudos, onde dois revisores analisaram metodicamente todos os títulos e resumos dos estudos, independentemente com a aplicação inicial dos critérios de exclusão mencionados acima. Os revisores não cegaram os nomes dos autores e periódicos. Títulos e resumos não relacionados ao tópico foram excluídos nesta fase. Logo após, os estudos preliminares elegíveis tiveram seus textos completos avaliados para se verificar se preenchiam os critérios de elegibilidade. Quando os dois revisores discordaram, um terceiro foi consultado para tomar uma decisão final. Os estudos excluídos foram registrados em um banco de dados separado, explicando os motivos da exclusão.
A extração dos dados de interesse foi realizada por dois autores independentes na qual foram extraídos dados, tais como: informações do estudo (ano de publicação, autores, periódico, fonte de financiamento e conflitos de interesse, desenho metodológico, fundamentação teórica); dados descritivos (tamanho da amostra, idade, sexo/ gênero); fenômenos de interesse (representação social do corpo; significados, experiências, sentimentos, raça/cor, repercussões na saúde); análise dos dados; principais resultados; e conclusões do estudo. Tais dados foram inseridos em uma planilha Excel®.
A qualidade dos estudos incluídos no presente estudo foi analisada de forma independente por dois revisores utilizando os critérios da ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ), que se constitui em um checklist de pontuação entre 1 e 32 itens e que compõe os três domínios: domínio um (Equipe de pesquisa e reflexividade), domínio dois (Conceito do estudo) e domínio três (Análise e resultados)9. Devido à quantidade limitada de pesquisas disponíveis nesta área, os artigos não foram excluídos desta revisão com base em sua pontuação de avaliação de qualidade.
RESULTADOS
Este estudo constituiu uma amostra de dez estudos que atenderam aos critérios para inclusão na revisão. Todo o processo de identificação, triagem e inclusão dos estudos está descrito na Figura 01.
Os resultados da busca da literatura sobre as representações sociais por adolescentes sobre o corpo resultaram em dez estudos elegíveis referentes ao tema. Os estudos selecionados foram publicados entre 2006 e 2018. Dois estudos tiveram amostras exclusivamente femininas, enquanto os demais conduziram suas pesquisas com participantes de ambos os gêneros, feminino e masculino. As pesquisas foram conduzidas em Portugal e no Brasil, sendo a maioria dos estudos realizados neste último. Quanto ao tipo de publicação, foram duas dissertações, bem como oito artigos científicos publicados em seis periódicos brasileiros e em dois internacionais, a Psychologica e o International Education Journal. No tocante à formação acadêmica dos primeiros autores das publicações, foi evidenciado graduação em Nutrição, Educação Física, Economia Doméstica e Psicologia, sendo esta última majoritária. As particularidades dos estudos incluídos estão descritas no Quadro 02.
Os estudos utilizaram diversas metodologias e técnicas para a coleta e análise de dados. As técnicas de coleta mais frequentemente utilizadas incluíram a entrevista semiestruturada, a observação participante e os grupos focais. Quanto à análise dos dados, sete estudos aplicaram softwares para auxiliar nessa etapa, sendo a Análise de Conteúdo a metodologia analítica mais citada pela maioria dos estudos. Ao analisar os estudos, constataram-se informações semelhantes nos resultados (quadro 03) e discussões, permitindo a categorização dos estudos selecionados em três temas que serão apresentados na discussão, a saber: o corpo adolescente diante de padrões hegemônicos da imagem corporal; consequências do não enquadramento nos padrões idealizados e estratégias de mudança relatadas pelos adolescentes e, por fim, a (in)visibilidade da questão racial nas publicações sobre representações sociais do corpo na adolescência.
DISCUSSÃO
O corpo adolescente diante de padrões hegemônicos da imagem corporal
Nos estudos elegíveis, as representações sociais sobre o corpo, a partir da concepção dos adolescentes, atravessam o corpo biológico e destacam a aparência como instrumento de uma beleza corporal, sobretudo, a feminina, alicerçada em padrões eurocêntricos. Como também, de maneira amplamente associada à saúde e com consequências nas relações sociais. Entretanto, um corpo em que se sente, experimenta e vive ainda não é evidenciado nos estudos. Ao contrário, ele continua a ser percebido, externamente, por meio de sua aparência, sendo este fato um indicativo de como os adolescentes entendem os seus próprios corpos14. Assim sendo, no estudo de Santiago et al.16 o corpo se constitui dividido em dois segmentos de importância: o corpo físico, instrumento para as atividades cotidianas, e a aparência corporal, como forma de se estar no mundo. Este corpo, segundo os autores, traz uma relação tensa entre a construção de uma identidade própria conduzida por valores corporais éticos e estéticos, com ênfase na categoria de corpo ideal passível de modificação, que é visto, que se vê e que é valorizado. Diante disso, o corpo relatado pelos adolescentes valoriza a educação ética e moral transmitida pela família e pela escola, mas que ao mesmo tempo não ignora os valores estéticos tão valorizados pela sociedade ocidental e disseminados pela comunicação social.
A pesquisa de Dias18 destaca que a beleza padronizada é central nas representações do corpo de adolescentes mulheres, influenciada pelos ideais de beleza difundidos pelas mídias e que essas representações desempenham papel relevante na formação da identidade pessoal e social das jovens. Corroborando com os estudos citados, Stenzel et al.10 evidenciaram que os adolescentes, quando questionados sobre o corpo, prontamente direcionaram seus discursos para a aparência corporal fracionada entre a aparência ‘problemática’ e a ‘ideal’, e como estas resultam em consequência social dos benefícios ou custos da condição corporal, e em vista disso, as representações sociais que emergem sobre o corpo atravessam a fronteira entre ele e a sociedade.
A aparência corporal torna-se instrumento para a construção da imagem corporal, uma vez que esta consiste no resultado da criação mental do próprio corpo e sua aparência20. Como objeto de estudo, a imagem corporal tem ganhado relevância na pesquisa científica nacional e internacional, pois sua representação abrange aspectos físicos, afetivos, subjetivos e sociais, influenciados pelas experiências vividas ao longo da vida dentro de um contexto histórico, cultural e social. Neste aspecto, segundo Gama e Baptista21, a preocupação com a imagem corporal pode ser influenciada por padrões estéticos estabelecidos socialmente, entre eles, os impostos pela indústria cultural, que podem provocar a insatisfação com as características do corpo e com a sua beleza natural, além de provocar a busca incessante por ideais, por vezes, inatingíveis. Quanto aos sentimentos em relação ao corpo, Borralho e Oliveira14 revelam uma dicotomia entre os adolescentes, como agrado, mal-estar, dor, tristeza e beleza. O estudo aponta que as representações do corpo entre meninas e meninos são opostas: as meninas têm sentimentos negativos em relação ao corpo, enquanto os meninos têm uma relação mais positiva. Além disso, o estudo destaca diferenças no grupo etário, onde os mais jovens apresentam características positivas e negativas em relação ao corpo, enquanto os mais velhos mostram maior satisfação.
Considerando a adolescência como um período caracterizado por diversas transformações, incluindo aquelas de natureza biológica que se manifestam durante a puberdade, a busca pelo corpo tido como perfeito pelas mídias, sociedade e família torna-se relevante, uma vez que nessa etapa de vida há uma maior vulnerabilidade para a edificação de sentimentos e comportamentos referentes ao seu próprio corpo. Por esse ângulo, a partir das representações sociais sobre o corpo, os estudos selecionados indicam padrões estéticos comuns aos adolescentes. Conforme Braga et al.15, os adolescentes, tanto meninos quanto meninas, idealizam qualificadores físicos para o corpo, buscando proporcionalidade, normalidade e perfeição, influenciados pela mídia. Os meninos valorizam corpos definidos e musculosos, enquanto as meninas exaltam a magreza e a definição. Corroborando com o estudo realizado com adolescentes do Rio de Janeiro17, onde destaca a busca por corpos musculosos entre os meninos e corpos magros e torneados entre as meninas, bem como por Conti et al.12 que evidenciaram entre as meninas, a idealização do corpo magro e entre os meninos o desejo de diminuir certas áreas corporais e adquirir massa muscular, resultando em elevada insatisfação corporal com desejo de mudança, principalmente entre o gênero feminino.
Neste sentido, Santiago et al.16 descrevem o corpo ideal feminino da mesma forma que aquele mencionado por Passos et al.17, entretanto com destaque para a importância do rosto. Já para os homens, o corpo ideal é musculado, elegante e com boa preparação física e saúde. A relação entre beleza corporal e saúde é destaque no estudo de Ribeiro19 onde evidencia como padrões estéticos hegemônicos influenciam a percepção de um corpo saudável entre jovens mulheres. Passos et al.17 também enunciaram que adolescentes associam beleza e saúde ao conceito de corpo, sendo esta última relacionada ao bem-estar psicológico. No mesmo sentido, Borralho e Oliveira14 adicionam a vivência do corpo adolescente como vinculada ao aprazível, à sexualidade, à beleza e às práticas desportivas.
Ribeiro19 mostra que, na perspectiva das adolescentes do gênero feminino, o bem-estar com o corpo é alcançado através de características como beleza, magreza, curvas e ausência de flacidez, incluindo também rosto e cabelos. No entanto, existem corpos rejeitados pelas jovens, como os envelhecidos, estranhos (este descrito como pessoas portadoras de patologias), excessivamente musculosos e com peso considerado exagerado. Dias18 valida esses achados, defendendo a existência de um padrão corporal desejado pelas jovens, que enfatiza a beleza padronizada por meio de aspectos físicos. Com forte influência da idealização do peso corporal, Stenzel et al.10 enfatizam que as adolescentes ao serem questionadas sobre seus corpos, focam muito no aspecto da aparência e dimensões físicas, mencionando "ser gorda" ou "ser magra", mesmo sem serem questionadas especificamente sobre o peso. Além disso, as adolescentes usam estereótipos e expressões negativas ao descrever pessoas com excesso de peso, atribuindo a elas a responsabilidade por essa condição.
Em um estudo com adolescentes de classes populares15, foi ratificada a importância da alteridade na constituição do ideal de beleza, destacando a representação de que um corpo considerado bonito pertence frequentemente a outra pessoa, seja alguém próximo ou uma celebridade da mídia. Fato também evidenciado por Stenzel et al.10, que descrevem que as adolescentes associam seus próprios corpos aos corpos de outras pessoas para fazer distinções e definições, relacionando problemas corporais a si mesmas e o corpo ideal aos outros. Dias18 demonstrou a forte influência midiática na divulgação de padrões corporais hegemônicos e sua associação com sucesso e felicidade para as adolescentes, A possível influência da mídia no que tange à divulgação de padrões corporais firmados em preceitos produzidos historicamente e apoiados no gênero, além de sua associação com sucesso e felicidade para as adolescentes, também foi demonstrado por Dias18, resultando em uma busca pela beleza inatingível e insatisfação corporal, conforme corroborado por Fortes et al.22 e Lira et al.23.
Farias24 conduziu um estudo com pré-adolescentes de 9 a 12 anos e encontrou influência significativa das mídias na percepção dos corpos femininos. As representações da imagem feminina foram construídas com base nas mensagens midiáticas e no curso de modelo oferecido a essas jovens de baixa renda em regiões interioranas. Essas meninas enfrentavam desigualdades econômicas, impossibilitando alcançar os padrões de beleza impostos, mas também influenciando suas ações em relação ao corpo e suas escolhas de consumo. Diante disso, esses estudos destacam o papel relevante da mídia na definição das qualidades estéticas corporais, que seguem os padrões ditados pelos meios de publicidade e comunicação. Na dissertação de Ribeiro19, as adolescentes reconhecem o padrão midiático que inclui características como pele clara e pouco peso para o corpo feminino, porém sentem que esse padrão não reflete suas identidades e ainda destacam a preferência por modelos brancas e de cabelos lisos pelas campanhas publicitárias. O discernimento pelos adolescentes sobre a relação do papel da mídia e o corpo também foi verificado por Conti et al.13, onde quase a totalidade das ideias centrais das representações sociais constataram uma relação negativa que cobra um ideal físico para ambos os gêneros que pode levar a patologias e sentimentos negativos.
A mídia, juntamente com pais e amigos, toma importância enquanto influência sobre os comportamentos na adolescência, especialmente devido ao uso intensivo das redes sociais como fonte de comunicação e informação, o que impacta significativamente a concepção da imagem corporal nessa população23. Evidencia-se, ao mesmo tempo, uma desproporcionalidade dessas concepções idealizadas para as adolescentes do gênero feminino, revelando desse modo as opressões intersecionais, enquanto um conjunto de opressões cruzadas e sobrepostas, além de exigir dessas jovens o alcance de um corpo aparentemente inatingível a partir de imagens de controle reproduzidas em vários âmbitos da sociedade ocidental. Segundo Patricia Hill Collins25 estas imagens podem ser aplicadas a toda uma gama interseccional de identidades sociais e são fundamentais para a compreensão das relações de poder. Por fim, os estudos demonstraram que as representações sobre o corpo dos sujeitos pesquisados estão ancoradas nos preceitos culturalmente estabelecidos, nos quais imperam, principalmente, a beleza feminina expressa em um corpo magro, curvilíneo e com cabelos lisos.

Consequências do não enquadramento nos padrões idealizados e estratégias de mudança relatadas pelos adolescentes
Os estudos incluídos apresentam dados sobre as estratégias de mudanças que os adolescentes adotam ou desejam para se enquadrarem nos padrões hegemônicos de beleza, bem como as consequências possíveis caso não atinjam tais padrões. A tendência grupal na adolescência pode levar à exclusão social dos grupos desejados devido à aparência corporal, o que pode gerar frustração, insatisfação e uma busca pelo corpo ideal. No estudo de Braga et al.15, a exclusão social foi apontada tanto por adolescentes do gênero feminino quanto masculino como uma das consequências de não possuir um corpo ideal, juntamente com doenças, infelicidade, dificuldades nas relações afetivas e até mesmo risco de morte, destacando o impacto negativo da incessante busca por um corpo considerado adequado aos padrões socialmente estabelecidos.
Stenzel et al.10 encontraram que o peso corporal afeta as relações sociais dos estudantes, determinando inclusão ou exclusão em grupos. Os adolescentes relataram que devem atender a critérios relacionados à imagem corporal para serem aceitos em seus círculos sociais, sendo o peso corporal um fator crucial nesse processo, em que ser magro é visto como garantia de inclusão, fortalecimento e sucesso nas relações. Essa percepção afeta a autoestima dos adolescentes, levando-os a adotar comportamentos de controle de peso para se sentirem confortáveis com seus corpos e serem aceitos pelos grupos. Os autores concluem que relações sociais assimétricas, como exclusão, competição entre pares e sentimentos de superioridade, são associadas pelos adolescentes às condições do corpo. Na pesquisa de Passos et al.17 os adolescentes experimentam sentimentos de discriminação e preconceito quando não se enquadram nos padrões sociais, levando-os a buscar um corpo que corresponda às expectativas estabelecidas. Além disso, a pesquisa destacou que a aceitação pelos outros também está ligada à moralidade, com os jovens percebendo que sua aparência física, incluindo o tamanho e a combinação de roupas usadas, pode ser julgada positiva ou negativamente. Conforme observado por Souza26 em sua análise de imagens de adolescentes que escreviam para uma revista teen, o corpo desejado está associado a outros elementos, como a forma de vestir, que contribuem para a construção da beleza. Esses elementos também estão relacionados à constituição do corpo e à sociabilidade adolescente, permitindo a identificação com grupos específicos e a atribuição de valores.
A necessidade e o desejo de serem bem-vistas e bem-aceitas pelo grupo ou pelos amigos, similarmente, foram demonstrados no estudo de Dias18 com adolescentes do gênero feminino, destacando a importância do pertencimento social para essas jovens. A pesquisa revelou que, para estabelecer amizades na escola, a aparência física, incluindo aspectos corporais e uso de acessórios, desempenha um papel significativo, sendo fonte de julgamentos realizados pelos adolescentes que afirmam conhecer outras pessoas na escola apenas pela observação. Segundo a autora, essa imagem corporal possivelmente orienta as atitudes e valores das estudantes, e é fundamental para a estruturação da identidade e aceitação delas em um grupo social ao qual pertencem ou desejam pertencer.
Em um estudo realizado em Portugal16, foi observada uma diferença na reação em relação à opinião dos pares entre os gêneros feminino e masculino. As meninas afirmam atribuir importância ao julgamento dos pares, enquanto os meninos referem não dar tanta relevância a eles, mas tendem a agredi-los ou ignorá-los quando segregados. Essa reação violenta por parte dos jovens do sexo masculino mostra que a imagem do corpo e valores externos desempenham um papel significativo em suas relações sociais. Como resultado, o risco de ser discriminado pelo grupo social com quem se relacionam e a aspiração pelo padrão de corpo ideal conduz a muito jovens a estratégias para modificar seus corpos. No estudo de Dias18, embora a maioria das adolescentes negasse a necessidade de mudar para serem aceitas socialmente, muitas admitiram ter cedido à pressão dos estereótipos corporais para se encaixarem em grupos, buscando uma aparência física que as tornasse interessantes e aceitas. Ribeiro19 também evidenciou relatos de desconforto com o corpo e do possível uso de intervenções, como cirurgias, cuidados estéticos com a pele, dietas e exercícios físicos, entre adolescentes do sexo feminino. Santos et al.27 observaram que essas práticas refletem um novo ideal de corpo apolíneo emergente na contemporaneidade, regulado por padrões socioculturais.
Como agravante, Ribeiro19 observou que as adolescentes assumem a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso em atingir o padrão valorizado de corpo, justificando intervenções como melhorias na saúde e aumento da autoestima. Mulheres que não seguem esse ideal são consideradas malsucedidas. Essa convicção reflete a concepção de capital corporal, conforme abordado por Pierre Bourdieu28, onde as propriedades corporais são vistas como capital para obter benefícios sociais, levando as jovens a investirem no corpo para melhorar suas relações na sociedade. Além disso, o conceito de capital erótico de Catherine Hakim29 destaca a importância da atratividade física, especialmente para as mulheres, como um fator para o sucesso social. A aplicação de recursos e esforços pelas adolescentes para alcançar um corpo que sirva como instrumento de ascensão social revela uma vulnerabilidade maior a adotar valores sociais atravessados por relações desiguais de poder, levando-as a buscar modificações físicas.
Entre as estratégias utilizadas para a mudança corporal por adolescentes de ambos os gêneros, Conti11 constatou a presença de ideias descritas como “fazer regime”, “usar medicação” e “me cuidar bastante” como parte do repertório vivencial de parte dos adolescentes estudados. Esses resultados corroboram com Passos et al.17, onde os jovens apontaram a necessidade de disciplina nos procedimentos de modificação corporal para alcançar o corpo desejado e saudável, incluindo exercícios, cuidados com a pele, alimentação, restrição de álcool e outras drogas, e visitas regulares ao médico. Essas práticas de autoexame e controle refletem mecanismos de dominação e normatização dos corpos exercidos pelos próprios adolescentes, caracterizados por um cunho disciplinar e vigilante30.
Farias24 destaca que em um curso de modelos, normas e regulamentos são transmitidos a pré-adolescentes e adolescentes, envolvendo configurações corporais, expressões faciais, posturas, roupas, movimentos e comportamentos socialmente exigidos, buscando constituir um padrão de feminilidade através do corpo e da moda. Essa abordagem visa moldar o corpo adolescente de forma obediente e dócil, com o objetivo de seguir regras profissionais e manter o padrão de beleza imposto. Nesse contexto, os adolescentes, especialmente as meninas, são vulneráveis à disciplinarização dos corpos30, pois estão construindo suas referências identitárias e desejam inclusão e aceitação nas relações sociais nessa fase da vida, levando-os a conformar-se com os moldes preconizados e hegemônicos de beleza.

A (in)visibilidade da questão racial nas publicações sobre representações sociais do corpo na adolescência
Os corpos são atravessados por dinâmicas estruturantes que beneficiam alguns e excluem outros, sendo constituídos simbolicamente através de significados e associações culturais e históricas31. Diante disso, o "corpo negro" deve ser compreendido como uma estrutura semiótica moldada pelas influências do espaço e do tempo32. Conforme apresentado por Frantz Fanon33, o termo “negro” se refere a uma imagem de um corpo à qual um conjunto de significados raciais é atribuído e que, por sua vez, torna-o reconhecível como o de uma pessoa “negra” dentro de um contexto histórico e social específico. Nesta conjuntura, a imagem corporal é uma das instâncias em que o racismo opera, visto que está vinculada ao padrão eurocêntrico e ao efeito da centralidade da branquitude nos processos de categorização racial, exercendo influência sobre comportamentos coletivos e individuais.
Nos estudos incluídos, as representações do corpo segundo os adolescentes mostram uma lacuna na abordagem da constituição fenotípica negra e as implicações do racismo e especificidades étnico-raciais na formação da autoimagem corporal. Assim, dois estudos18,19 discutem mais profundamente as questões raciais nesse processo, ambos realizados no Brasil. A questão racial, quando mencionada nos estudos, geralmente está associada a falas sobre insatisfação corporal, oposição ao belo e o desejo de realizar mudanças físicas para alcançar o corpo idealizado, que é o padrão branco.
Para Braga et al.15, as adolescentes apontaram modificações corporais desejadas alinhadas ao padrão de estética da sociedade, como ter cabelos mais lisos: “Meu cabelo [risos], que ele fosse um pouco mais liso”. No entanto, a questão racial e os estereótipos em torno dos cabelos cacheados ou crespos não foram abordados nesse estudo. Caso semelhante foi evidenciado na pesquisa de Stenzel et al.10, onde os autores destacam partes corporais que são alvo de um padrão idealizado de beleza, como o nariz e o cabelo, evidenciado pelas falas de diferentes adolescentes: “Eu odeio meu nariz! (o grupo começa a rir) É porque é plano...” e “Eu odeio meu cabelo!”, como também no estudo de Conti et al.12 que revela entre as meninas e meninos o desejo de mudança nos cabelos e nos olhos: “Nunca tá perfeito, né? Não gosto muito assim, se pudesse teria um outro tipo de cabelo, outro tom e liso, ou alisar. [...] e a cor do olho, gostaria que fosse verde” e “Mudaria o cabelo, a textura, porque é muito grosso, a cor e o tamanho. Teria os olhos da cor verde [...]”.
Entretanto, os estudos não abordam fisicamente os adolescentes nem mencionam como o racismo afeta a aceitação de fenótipos tipicamente negros, como traços faciais e textura dos cabelos. Perante o exposto, a cor, raça e discriminação compõem juntos um complexo de concepções fundamentais para o enfrentamento das questões raciais e de seus desdobramentos nocivos na formação de adolescentes34, constituindo marcadores sociais importantes para melhor compreensão das dinâmicas presentes nas relações humanas e suas repercussões nas concepções de corpo e subjetividades adolescentes, mas são frequentemente invisibilizados ou subestimados. Conforme Nancy Krieger35, é essencial refletir sobre a possibilidade de desigualdades serem ignoradas e ocultadas caso os dados não sejam coletados, seja por intenção consciente ou por negligência inconsciente. Fato que aponta para uma dominação epistemológica que ignora as demandas raciais e inviabiliza o racismo como um determinante social de saúde.
No estudo de Ribeiro19, a rejeição aos corpos negros e identidades negras foi evidenciada, com algumas adolescentes nomeando a pele negra como "morena", destacando sua beleza: “Porque a pele morena é muito linda, e cachos, cachos me chamam atenção”, “Um corpo magro, moreno” e “A cor da pele, eu gosto de pele morena e negra”. Dias18 também revela que, ao serem questionadas sobre a cor do corpo, as adolescentes escolheram as cores marrom e morena para descrever sua cor de pele, sendo consideradas por elas um aspecto físico satisfatório do corpo: “Marrom. Porque está relacionada a minha cor e não mudaria.”; “Morena. A cor do Brasil.” Neste aspecto, vale ressaltar a nomeação morena para designar peles negras, e até a presença de um slogan “a cor do Brasil” para exaltá-la. Neste estudo, a cor branca foi associada pelas adolescentes à paz e tranquilidade. Observa-se nos discursos uma valorização da mestiçagem representada pelo termo "morena", considerada símbolo da identidade brasileira, e uma rejeição à afirmação de uma identidade negra. Farias24 também aponta que algumas adolescentes utilizaram a terminologia "morena clara" como eufemismo para descrever sua descendência afro-brasileira, evidenciando as tensões nas relações inter-raciais no contexto do curso de modelos e entre as jovens. A discriminação racial e os estereótipos sobre corpos negros propagados pela mídia levam as adolescentes a preferirem camuflar ou minimizar os efeitos sociais ligados à negritude, especialmente no mundo da beleza e da moda, onde estão inseridas, temendo possíveis impactos em suas imagens se assumirem a identidade negra.
O ideal de uma cor de pele mais clara reflete a suposta brasilidade mestiça e a mitológica democracia racial propagada desde o século XX. Contudo, a miscigenação no Brasil tem raízes na ideologia do branqueamento, que promoveu uma identidade nacional baseada na herança branca europeia, inferiorizando a origem africana36. Logo, fica evidente o aniquilamento do corpo negro em detrimento de um ideal branco construído pelos ideais dominantes37,33. Tal processo legitimou a rejeição aos corpos negros e torna árduo o processo de afirmação de uma identidade negra frente às representações negativas consolidadas nas estruturas da sociedade, bem como permite a dissimulação das desigualdades raciais. Neste sentido, Farias24 ainda acrescenta em sua pesquisa que o processo de formação de manequim torna-se conturbado, uma vez que esbarra em demarcadores sociais como cor da pele e tipo de cabelo, onde a indústria da moda e a sociedade em geral privilegiam a pele clara e cabelos lisos, e ao afirmar sua ascendência negra, as modelos podem enfrentar obstáculos na carreira. Corroborando a isto, Passos38 ressalta que a moda e a publicidade influenciam profundamente as adolescentes, valorizando certos tipos étnicos como padrão de beleza, ignorando a diversidade existente, tornando-se um processo excludente e ofensivo para as jovens mesmo com o crescente debate em torno do racismo e a favor da diversidade na indústria da moda.
De maneira mais agravante, o estudo de Passos et al.17 fez uma breve menção à associação do corpo a valores, como caráter, sem aprofundar a questão. Diante disso, considerando que em uma sociedade que estigmatiza corpos negros como portadores de características criminosas, a definição de um corpo com "bom caráter" ou "ruim" pode ser problemática. A violência, praticada e legitimada por meio da “necropolítica”, ou seja, pelo “poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”39 (p.05), incide sobre sujeitos, portadores de fenótipos derivados de uma ancestralidade negra e africana, com ênfase para a cor de pele preta ou parda, traços faciais como nariz achatado e cabelos crespos somados a marcadores sociais como ser morador de periferias urbanas.
Destaque entre os estudos elegíveis, a pesquisa de Ribeiro19 aborda a influência do marcador racial na estética corporal de adolescentes. As participantes se identificaram e se compararam com imagens de mulheres negras, valorizando características fenotípicas como a cor da pele e cabelos cacheados ou crespos. O estudo ressalta o enaltecimento desses atributos pelas jovens, que consideraram os cabelos crespos belos, naturais e representativos da raça/etnia negra. A autora discute a valorização da beleza feminina negra, associada à disponibilidade de produtos estéticos, inclusão no mercado da moda afro e mudanças sociais promovidas pelos movimentos negros. Entretanto, ela destaca a preocupação com a persistente exotização da mulher negra e a sua suposta hipersexualização na cultura brasileira.
De fato, no Brasil, ainda persiste a ideologia que estigmatiza as mulheres negras, como "imagens de controle" associadas aos estereótipos de mulata, doméstica e mãe preta40,41, perpetuando a desumanização e objetificação de seus corpos e uma violência sexista, sendo esta uma pauta importante na agenda do feminismo negro contemporâneo. Especificamente, o termo "mulata" evoca a sexualização do corpo das mulheres negras, apresentando-as como livres de normas e controle social42. Esse estereótipo ganhou notoriedade internacional a partir da década de 1970, quando órgãos vinculados ao Estado, especialmente no turismo, difundiram um discurso exotizante e erotizado sobre a cultura e as mulheres negras brasileiras43. Não obstante, esta memória ainda é legitimada e reforçada pelo imaginário atual.
O estudo de Ribeiro19 ainda traz o reconhecimento pelas adolescentes da valorização do corpo ideal como branco/claro, excluindo corpos negros, indígenas e de outras etnias, em áreas como publicidade, artes cênicas e jornalismo. De acordo com Lélia Gonzalez41, a lógica da desigualdade racial era mantida através do código da "boa aparência", que privilegiava uma estética branca e minava as oportunidades de ascensão social para a população negra, especialmente as mulheres. Ribeiro19 também identifica estereótipos associados ao corpo negro mencionados pelas adolescentes, como a associação da pele negra à sujeira ou maus cuidados, enquanto a pele branca é vista como limpa: “A pele dessa bem clarinha, bem limpinha”, e quando ao falar sobre uma característica considerada pela adolescente como um problema na imagem corporal, como o peso corporal, relativizam o suposto problema ao elogiar o cabelo liso da modelo: “a barriga dela eu não gostei, mas o cabelo é bonito (liso)”. A autora destaca o corpo negro presente no antagonismo do branco/preto que simbolizam limpo/sujo, bom/mau e o bonito/feio e a presença no discurso de um tipo de cabelo valorizado socialmente.
Diante do exposto, mesmo quando há valorização do corpo negro e suas características pelos adolescentes, ainda surge fortemente o ideal de um corpo branco valorizado culturalmente e que conduz a privilégios sociais. Aos portadores de outros corpos resta a exclusão e o enfrentamento cotidiano de representações negativas em torno destes. No entanto, diante de uma literatura escassa, os dados e discussões em torno da questão racial e seus reflexos no conjunto de conhecimentos, opiniões e imagens sobre os corpos negros na adolescência, bem como comportamentos a eles vinculados ainda são poucos explorados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar os estudos referentes à produção científica acerca das representações sociais construídas pelos adolescentes sobre o corpo, verificou-se que estas evidenciam a importância da aparência, influenciada pelos padrões de beleza midiáticos e ao mesmo tempo legitimada como determinante nos relacionamentos interpessoais, o que resulta na busca pelo corpo branco, magro, curvilíneo e torneado, a fim da aceitação entre os pares. Também foi observada a ausência do debate na maioria dos estudos em torno das características e valores projetados no corpo negro como mediadores do lugar social, de comportamentos e subjetividades no período da adolescência. Dessa forma, torna-se evidente que os jovens concebem o corpo como um mediador significativo de condutas, relações sociais e expressão de identidades, resultando na busca de padrões de beleza idealizados.
Dada a relevância das representações sociais do corpo para a saúde física e mental dos adolescentes, são necessárias iniciativas que possam contribuir para uma visão mais saudável e positiva do corpo. Tais iniciativas englobam a promoção da autoestima e aceitação do próprio corpo, com ênfase na diversidade de tipos corporais e estilos, independentemente de padrões externos. Adicionalmente, ressalta-se a importância de reconhecer e exaltar uma pluralidade de representações de corpos em uma ampla gama de contextos, como eventos, publicidade e diversos setores da sociedade. A implementação de programas educacionais nas escolas, organizações comunitárias e no espaço online também se revela fundamental, visando a desconstrução de estereótipos prejudiciais ainda durante a adolescência.

REFERÊNCIAS
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Black, T. L. P., Santos, I. N., Lima, G. S., Santos, C. F. B. F., Silva, K. V.. Representações sociais dos adolescentes sobre o corpo: revisão sistemática de estudos qualitativos. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Mar). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/representacoes-sociais-dos-adolescentes-sobre-o-corpo-revisao-sistematica-de-estudos-qualitativos/19142?id=19142&id=19142

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