0155/2024 - TENDÊNCIA DA MORTALIDADE MATERNA NO PARANÁ E REGIONAIS DE SAÚDE, ENTRE 2005 E 2020
TREND OF MATERNAL MORTALITY IN PARANÁ AND HEALTH REGIONS, BETWEEN 2005 AND 2020
Autor:
• Maria Clara Serapião Ferreira - Ferreira, M. C. S. - <serapiaomariaclara@gmail.com, thiago.barbosa@unila.edu.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7589-7287
Coautor(es):
• Analucia Da’Campo Costa - Costa, A. Da\'C. - <anadacampo@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8510-1470
• Ludmila Mourão Xavier Gomes Andrade - Andrade, L. M. X. G. - <ludyxavier@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6442-5719
• Thiago Luis de Andrade Barbosa - Barbosa. T. L. de A. - <thiago.barbosa@unila.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6985-9548
Resumo:
Estudo de série temporal com objetivo de analisar a tendência de mortalidade materna, segundo os critérios de evitabilidade, no Paraná, Brasil, e em suas regionais de saúde, no período de 2005 a 2020. Foram analisadas as Razões de Mortalidade Materna (RMM) a partir do número de óbitos maternos de mulheres residentes no estado por 100 mil nascidos vivos no estado, conforme regional de saúde, faixa etária e grupos CID-10. Foram calculadas as variações das RMM por meio do modelo de auto-regressão de Prais-Winsten. Os resultados apontaram uma redução da RMM no estado, com destaque para as mulheres de 20 a 29 anos em óbitos que ocorreram no período puerperal. A maioria das regionais de saúde apresentou tendência à estabilidade. A magnitude da mortalidade materna no cenário atual apresenta-se como um grave problema de saúde pública das mulheres brasileiras que, apesar da significativa melhora, ainda se encontra em patamares alarmantes. Dessa forma, fazem-se necessárias ações e políticas de saúde pública mais eficientes no sentido de melhorar a qualidade de assistência à saúde às gestantes e puérperas.Palavras-chave:
Mortalidade Materna, Saúde da Mulher, Qualidade da Assistência à SaúdeAbstract:
This is a time series analysis that aimed to investigate the trend of maternal mortality, according to avoidability criteria, in Paraná, Brazil, and in its health regions,2005 to 2020. Maternal Mortality Ratios (MMR) were evaluated based on the number of maternal deaths of women residing in the state per 100,000 live births, and then analyzed according to health region, age group and ICD-10 groups. The variations of the MMR were calculated by the Prais-Winsten auto-regression model. The results pointed to a reduction in the MMR in the state, with emphasis on women aged 10 to 19 years and deaths that occurred in the puerperal period. Most of the health regions showed a tendency towards stability. The magnitude of maternal mortality in the current scenario presents itself as a serious public health problem for Brazilian women that, despite the significant improvement, it is still at alarming levels. Thus, more efficient public health actions and policies are needed to improve the quality of health care for pregnant and postpartum women.Keywords:
Maternal Mortality, Women’s Health, Health Care QualityConteúdo:
A mortalidade materna apresenta-se como melhor indicador da saúde da mulher, sendo ferramenta indispensável para avaliação do impacto das políticas públicas direcionadas à sua redução(1). O óbito de uma mulher no período gravídico, no parto ou no puerpério, demonstra falência nas diretrizes políticas, na equipe de saúde e, assim, em toda a população, tendo em vista que se apresenta como tragédia evitável em 92,0% dos casos(2-3).
Os fatores biológicos, o nível socioeconômico, a qualidade da assistência de saúde, a desigualdade entre gêneros e a determinação política de promoção da saúde pública são revelados pelo número de óbitos maternos. O monitoramento dos óbitos maternos utiliza como principal indicador a Razão de Mortalidade Materna (RMM) expressa em óbitos por 100 mil nascidos vivos (NV). Sob esse prisma, a elevada RMM reflete um importante problema de saúde pública, de forma que a busca de soluções para o enfrentamento anacrônico e persistente dessa questão mostra-se fundamental(4).
As principais causas de mortalidade materna incluem complicações durante a gestação, no parto e após o parto, incluindo: doenças hipertensivas gestacionais, hemorragias, infecções, complicações no parto e abortos inseguros. Nesse viés, grande parte dos óbitos maternos são considerados evitáveis, uma vez que se conhece as soluções de cuidados de saúde para prevenir ou controlar tais desordens(5).
As causas de mortes evitáveis ou reduzíveis podem ser conceituadas como aquelas preveníveis, de forma total ou parcial, por ações eficientes dos setores de saúde que estejam disponíveis em local e época específico(6). Nesse sentido, os óbitos maternos não deveriam ocorrer haja vista à possibilidade de prevenção e/ou tratamento do agravo ou condição que o determina. O óbito evitável pode ser visto como um “evento sentinela” para a vigilância em saúde, indicando a qualidade da atenção a ser melhorada em todos os níveis de prevenção(7).
No Brasil, a RMM passou de 141 óbitos por 100 mil NV, em 1990, para 64 óbitos por 100 mil NV, em 2011, demonstrando uma queda de 55,0%. Em 2018, a RMM no país reduziu ainda mais, encontrando um valor de 59,1 óbitos para cada 100 mil NV, sendo que a região Sul registrou menor RMM, com 38,2 óbitos por 100 mil NV, o que revelou uma tendência de decrescente nas últimas décadas. Contudo, esses valores são muito distantes dos 35 óbitos por 100 mil NV estipulados como meta nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas nos anos 2000 e do valor máximo admitido pela Orgranização Mundial da Saúde (OMS), que é de 20 óbitos por 100 mil NV. Tais achados relacionam-se à melhoria do acesso aos serviços de saúde, seja pelo aumento do número de consultas de pré-natal, seja pela assistência ao parto por profissionais qualificados, mas ainda aquém do recomendado por essa instituição(8-9).
Diante do exposto, torna-se evidente a necessidade de melhorar a saúde materna, uma vez que elas expressam falhas nas políticas de saúde, baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico e dificuldade de acesso aos serviços de saúde de qualidade. Além disso, nota-se a necessidade de se explorar a temática de mortalidade materna a fim de corroborar ações de saúde mais direcionadas e eficientes para enfrentar a problemática, principalmente no Paraná. Isso porque, nos últimos anos, este é o estado da região sul com maior RMM; em 2020, por exemplo, apresentou uma RMM de 52,0 por 100 mil NV, enquanto Santa Catarina e Rio Grande do Sul encontraram 31,6 e 41,3, respectivamente. Apesar de melhorias com a criação da Rede Mãe Paranaense, que objetiva promover uma ação conjunta de toda a assistência em saúde a fim de se reduzir a mortalidade materna, seus resultados ainda são inferiores aos estados vizinhos(10-12). Compreender esse cenário e considerando a carência de estudos relacionados à saúde da mulher no Brasil, principalmente no estado do Paraná, demonstra a indispensabilidade de pesquisas sobre o tema a fim de mitigar mortes evitáveis. Partindo desses pressupostos, o objetivo deste estudo foi analisar a tendência de mortalidade materna, segundo os critérios de evitabilidade, no Paraná e em suas regionais de saúde.
Métodos
Estudo de série temporal sobre a tendência de mortalidade materna, segundo critérios de evitabilidade, no Paraná e regionais de saúde, no período de 2005 a 2020. O estado está dividido em quatro macrorregionais de saúde: Leste, Oeste, Norte e Noroeste, que, por sua vez, estão subdivididas em 22 regionais de saúde. Na macrorregional leste, fazem parte as regionais de Paranaguá, a regional Metropolitana (Curitiba), de Ponta Grossa, Irati, Guarapuava, União da Vitória e Telêmaco Borba. A macrorregional oeste é composta pelas regionais de Pato Branco, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Cascavel e Toledo. Já na macrorregional norte, as regionais são Apucarana, Londrina, Cornélio Procópio, Jacarezinho e Ivaiporã. Na macrorregional noroeste estão as regionais de Campo Mourão, Umuarama, Cianorte, Paranavaí e Maringá.
Foram incluídos os óbitos maternos de mulheres residentes no estado do Paraná obtidos a partir de dados oficiais publicamente disponíveis pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) do Departamento de Informação, do Ministério da Saúde (Datasus). Tomou- se como base a Classificação Internacional de Doenças da 10ª revisão (CID-10) para registro dos óbitos maternos (O-00 a O-99). Os dados demográficos foram obtidos a partir de dados censitários e estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A RMM foi calculada pela razão do número de óbitos maternos por 100 mil NV, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. As RMM foram analisadas por regional de saúde, faixa etária (10 a 19 anos, 20 a 29 anos, 30 a 39 anos e 40 a 49 anos) e grupos da CID 10. Nesta variável, os óbitos maternos foram agrupados da seguinte forma: O00 a O02 - Complicações da gravidez; O03 a O26 - Complicações do parto; O29 a O99 - Complicações puerpério(7).
Para análise da tendência da mortalidade materna, as RMM foram empregadas como variáveis dependentes (Y - dependente), enquanto os anos sequenciais foram utilizados como variáveis independentes (X - independente). Foram calculadas as variações das RMM no período de 2005 a 2020. Esse intervalo foi analisado em dois recortes temporais, sendo o primeiros oito anos (2005 a 2012) e os oitos anos seguintes (2013 a 2020) como critério de comparabilidade da evolução desse indicador no estado do Paraná. Para tanto, foi aplicado o modelo de autoregressão de Prais-Winsten. O modelo adotado é indicado para corrigir a autocorrelação serial em séries temporais. A verificação da existência de autocorrelação da série foi determinada pelo teste de Durbin-Watson, cuja interpretação é estabelecida em uma escala de medida que varia de 0 a 4. Quando o valor do teste é próximo a zero, há a indicação da existência de uma máxima autocorrelação positiva, enquanto se o valor for próximo a 4, a autocorrelação serial é negativa e, quando o valor do teste é próximo a 2, não existe autocorrelação serial.
Para aplicação modelo de regressão escolhido, utilizou-se o método sugerido por Antunes e Cardoso(13). Primeiramente, foi realizada a transformação logarítmica dos valores de Y, seguida da aplicação do modelo autoregressivo de Prais-Winsten, para que fossem estimados os valores de b1 das taxas de mortalidade padronizadas, segundo sexo e total. Posteriormente, identificado as taxas de variação anual (do inglês Annual Percent Change - APC) a partir dos valores de b1 correspondentes a cada uma das taxas por meio da seguinte fórmula: APC= [-1+10b1]*100%
Na etapa final da modelagem, foram calculados os intervalos de confiança (IC) das medidas do estudo b1 e do APC, mediante a aplicação das seguintes fórmulas: IC95%= [-1+10b1 mínimo]*100%; [-1+10b1 máximo]*100%
Os valores de b1 mínimo e b1 máximo são captados no intervalo de confiança (IC) gerado pelo programa de análise estatística e são aplicados na fórmula. O valor de b1 mínimo correspondente ao ponto mínimo do IC e o valor de b1 máximo correspondente ao ponto máximo do IC.
O software Microsoft Excel 2019 foi utilizado para construção de indicadores, padronização e preparação de tabelas. Para análise da tendência da mortalidade materna, utilizou- se o software estatístico Bioestat 5.0 da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Tabwin for Windows do Datasus. Nesse estudo, foi adotado o nível de significância de 5%.
Resultados
No período analisado, foram notificados 3.456 óbitos maternos no estado. Dentre esses óbitos, 1.409 (40,8%) foram considerados evitáveis por complicações na gravidez, parto e puerpério. A Figura 01 mostra a evolução das RMM no estado do Paraná na comparação dos óbitos totais em relação aos óbitos por causas evitáveis. Para os óbitos totais houve redução do risco de 29,6% com coeficientes passando de 160,3 óbitos por 100 mil NV de 2005 para 112,8 óbitos por 100 mil NV em 2020. Observou-se redução de 15,7% no período de 2005 a 2012 e de 20,1% no período de 2013 a 2020. No caso dos óbitos por causas evitáveis, esses índices passaram de 76,1 óbitos por 100 mil NV em 2005 para 57,4, óbitos por 100 mil NV em 2020, implicando na retração de 24,6%. Constatou-se redução 45,3% no período de 2005 a 2012 e aumento de 29,6% no período de 2013 a 2020. Na série histórica é possível verificar, ainda, aumento de mortes por causas evitáveis em 2009, seguida de redução até 2014, com aumento em 2015 e ocilação nos anos seguintes do período analisado. Em relação à mortalidade total, houve redução desse indicador a partir do ano de 2009 até o final da série analisada.
A Tabela 01 apresenta o percentual de óbitos e as RMM, segundo faixa etária no estado do Paraná. As mulheres de 20 a 29 anos apresentaram as maiores proporções e RMM no período analisado, apesar de ter ocorrido alternâncias com a faixa de 30 a 39 anos. Naquele grupamento etário, as RMM passaram de 32,4 óbitos por 100 mil NV em 2005 para 21,9 óbitos por 100 mil NV em 2020 o que representou queda de 32,6%, todavia a maior redução foi detectada no grupamento etário de 10 a 19 anos com 52,9%. As mulheres na faixa etária de 40 a 49 anos apresentaram as menores proporções e razões variando de 5,6 óbitos por 100 mil NV em 2005 para 4,1 óbitos por 100 mil NV em 2020 com queda de 26,9 %. Contudo, o público feminino de 10 a 19 anos obteve as maiores reduções em todos os períodos analisados, sendo 53,0% de 2005 a 2020, de 55,4% de 2005 a 2012 e de 36,1% de 2013 a 2020, sendo esta a maior redução, segundo faixa etária. No entanto o grupamento de 20 a 29 anos mostraram aumento de 70,1% de 2013 a 2020.
Em relação às causas de óbito materno, observada na Tabela 02, destacou-se a de causas preveníveis para complicações relacionadas ao parto e ao puerpério. Na primeira causa, as taxas passaram de 21,2 óbitos por 100 mil NV em 2005 para 12,3 óbitos por 100 mil NV em 2020, representando redução de 42,0%. No caso das complicações relacionados ao puerpério, esses indicadores apresentaram as maiores proporções compondo mais de 60,0% dos óbitos evitáveis. Quanto às RMM para essa causa, observou um declínio passando de 54,3 óbitos por 100 mil NV em 2005 para 45,1 em 2020, representando redução de 16,9%. Nessa causa destacou o ano de 2009 com 56,3 óbitos/100 mil NV, sendo a mais alta do período. Destaca-se que as complicações na gestação aumentaram três vezes a RMM no período analisado.
A regional de saúde com maior número de óbitos por causas evitáveis do Paraná foi a Metropolitana com 386 óbitos (27,4%), e a menor foi a regional de União da Vitória com 16 óbitos (1,1%), conforme Tabela 03. Ao analisar a tendência da RMM segundo as regiões de saúde do Paraná, observou-se que a maioria apresentou estabilidade e apenas duas regiões apresentaram tendência decrescente. A regional Metropolitana (?= -0,019; R²= 0,461; APC= -4,28%; IC95% = -6,62 a -1,89; p=0,002) e a de Jacarezinho (?=-0,475; R²= 0,666; APC= -6,89%; IC95% = -12,25 a -1,20 p=0,020).
No Paraná, as RMM total tiveram tendência decrescente (?= -0,011; R²= 0,796; APC= -2,5%; IC95% = -2,89 a -2,02; p<0,001) assim como para as causas evitáveis (?= -0,013; R²= 0,287; APC= -2,9%; IC95% = -5,32 a -0,52; p=0,014) (Tabela 04). Em relação às complicações relacionadas ao parto, houve tendência decrescente (?= -0,016; R²= 0,344; APC= -3,62%; IC95% = -5,97 a -1,21; p=0,008) assim como as causas associadas ao puerpério (?=-0,011; R²=0,215; APC= -2,50%; IC95% = -4,88 a - 0,06 p=0,028). Em relação à idade, foi observado tendência decrescente na faixa etária de 10 a 39 anos, com destaque para as mulheres de 10 a 19 anos (?= -0,023; R²= 0,413; APC= -5,2%; IC95% = -7,93 a -2,31; p=0,004).
Discussão
Os achados do estudo revelaram a magnitude de mortalidade materna por causas evitáveis no Paraná e suas regionais de saúde no período analisado. Houve redução da RMM no estado, com destaque para as mulheres de 20 a 29 anos em óbitos que ocorreram, principalmente, no período puerperal.
Dentre o total de óbitos maternos registrados na série histórica, quase metade foi considerado evitável, alcançando o patamar de 40,8%. Constatou-se uma redução percentual semelhante entre os óbitos evitáveis em comparação aos óbitos totais, com uma diminuição de 24,6% e 29,6%, respectivamente. Vale destacar que, no período de 2013 a 2020, as mortes totais apresentaram queda, apesar do aumento dos óbitos evitáveis de quase 30,0%. Investigação realizada no Rio de Janeiro de 2006 a 2018 detectou a ocorrência de 2.192 óbitos maternos no período analisado(14). No presente estudo, apesar de o período de análise ser ligeiramente maior (03 anos), o Paraná exibiu 1.264 óbitos a mais do valor encontrado no Rio de Janeiro. Importante destacar não somente a diferença populacional dos estados, mas também as variações da qualidade assistencial em saúde para o público de gestantes e puérperas para a interpretação deste achado.
Outra questão a ser pontuada diante desses cenários consistiu na notificação oportuna e ao preenchimento correto da Declaração de Óbito (DO), tendo em vista os critérios de evitabilidade, principalmente após a ampliação dos Comitês de Mortalidade Materna. Sabe-se que esses comitês são decisivos para investigar as circunstâncias, as causas e as responsabilidades técnicas e administrativas de cada óbito, estabelecendo metas para remediar as irregularidades, promovendo ações educativas à comunidade e aos profissionais relacionados relativas à saúde feminina(15). Dessa forma, o preenchimento adequado dos campos destinados a óbitos de mulheres em idade fértil na DO permite qualificar as condições e causas que provocaram a morte, permitindo o monitoramento para o desenvolvimento e implementação de ações que reduzam sua ocorrência(16).
Apesar do contexto apresentado, os indicadores desta investigação sempre estiveram acima do valor estabelecido pela OMS para o Brasil, de 30 mortes maternas por 100 mil NV até o ano de 2030(17). No último ano da série histórica, em 2020, foi observado RMM total de 130,0 por 100 mil NV e por causas evitáveis de 60 por 100 mil NV, o que correspondeu a 4,3 e 2,0 vezes maior do que a meta estabelecida. Elevados valores de RMM podem revelar que a prestação de serviços de saúde a esse grupo encontra-se inadequada. Nesse sentido, ações que envolvem o planejamento familiar, assistência do pré-natal e puerpério devem ser avaliadas melhor com o monitoramento periódico desse indicador nos serviços para detecção de falhas na prestação da assistência(18).
Investigação nacional sobre a tendência da mortalidade materna no país e nas cinco regiões brasileiras no período de 2001 a 2012 apontou maior RMM em 2009 (77 por 100 mil NV) e menor em 2012 (65 por 100 mil NV), sendo que a região Sul foi a que apresentou RMM mais elevada juntamente com a Nordeste no período de 2001 a 2008(19). Contudo, a partir de 2009, a região Sul apresentou os valores de RMM mais baixos do país. Esse achado corrobora com o presente estudo, pois demonstra que a assistência em saúde às gestantes e puérperas eram ineficientes e, nos últimos anos, houve uma melhora importante nesse sentido, ainda que esteja longe do ideal. Ações que envolvem o acompanhamento pré-natal frequente, assistência hospitalar de qualidade e ações de visita puerperal constituem aspectos determinantes para mudança no cenário da mortalidade materna. Nesse sentido, a Portaria nº 1.153 do Ministério da Saúde, lançada em 2014, redefiniu os critério de habilitação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), a qual se apresenta como uma estratégia patrocinada pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas acerca de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à saúde integral da criança e da mulher, inlcuindo o cuidado respeitoso e humanizado a parturiente, direito de escolha ao acompanhante e a permanência durante 24 horas junto ao recém-nascio. No Paraná, são 21 unidades que possuem essa certificação nacional, representando o compromisso do estado para com o binômio materno-infantil(20).
Entre as regionais de saúde analisadas, houve redução percentual da mortalidade materna na maioria delas, destacando-se a região Metropolitana e a de Jacarezinho com tendência decrescente significativa da RMM. Na primeira regional, o maior contingente populacional pode estar relacionado à reestruturação importante dos serviços de atenção à mulher, com melhorias na oferta e acesso aos serviços de saúde juntamente com a assistência profissional mais qualificada. Tal fato pode ser corroborado pela maior concentração de estabelecimentos reconhecidos como Hospital Amigo da Criança na região Metropolitana do Paraná, contando com 09 hospitais dos 21 credenciados em todo o estado(21). No caso da regional de Jacarezinho, embora possua menor porte populacional, pôde-se evidenciar a estruturação de serviços de atenção primária à saúde na captação de gestante no primeiro trimestre, o que permite a identificação de possíveis fatores de risco e a instituição dos cuidados de pré-natal de forma precoce(22). Contudo, deve-se considerar que o planejamento de políticas públicas e do serviço de saúde que envolve a saúde materna deve ser específico para cada regional de saúde, considerando o contingente populacional, a cobertura de atenção primária à saúde, as diferentes taxas e causas de óbito ao longo dos anos.
Em relação à faixa etária, os óbitos maternos concentraram-se entre as mulheres de 20 a 29 anos que é público que apresenta maior índices de gravidez. Investigação realizada no estado da Bahia, entre 2010 e 2014, demonstrou que a mortalidade materna nesse grupo também foi a maior entre os demais grupamentos etários, representando 39,7%, sendo este um valor próximo ao encontrado no estado do Paraná em 2020, de 38,1%(23). Nas diferenças da RMM por faixa etária, deve-se levar em conta que os óbitos maternos se relacionam muito mais com questões sociais e de assistência em saúde do que apenas por uma questão isolada de idade. Ressalta-se outra questão social que influencia na mortalidade materna é a cor da pele, mesmo no contexto de países desenvolvidos. Pesquisa realizada com mulheres negras em Nova Iorque, Estados Unidos, apontou RMM mais elevadas, mesmo com boa escolaridade, bom padrão de renda e peso normal, o que demonstra que a faixa etária tornou-se um fator secundário frente às questões sociais(24). Sob o prisma da evitabilidade, a morte materna deve ser entendida como uma violação de direitos relativos à vida, à liberdade e à segurança da pessoa, à vida familiar, à igualdade e a não discriminação(25). Compreender as diferenças de mortalidade relacionadas à cor da pele é essencial para formação de consciência crítica da gravidade do cenário brasileiro a fim de mitigar tal situação.
Com relação às causas de morte materna, os maiores percentuais de óbito e de RMM foram relacionados ao puerpério, mesmo com reduções no período parcial de 2005 a 2012 e o total de 2005 a 2020 que não foram superiores às complicações de parto. Os óbitos puerperais têm sido associados principalmente a infecções adquiridas durante o parto. Investigação realizada no Rio de Janeiro sobre mortalidade materna de 2006 a 2018 apontou que as infecções no período puerperal representaram 47,2% dos casos com tendência estável nesse grupo de óbitos(14). Essa situação reflete algo preocupante, visto que as ações de assistência puerperal devem ser baseadas na vigilância e pautada em protocolos existentes nos serviços de saúde(26). A detecção oportuna de fatores de risco preditores de infecção no puerpério é relevante, sobretudo para os casos de mulheres com rotura prematura de membranas ovulares, diabetes mellitus gestacional e índice de massa corporal superior a 25kg/m2. Outro fato associado que aumenta também o risco de infecção puerperal consiste na realização de cesárea sem indicação médica, o que reforça a não realização do procedimento sem os devidos cuidados, como antibioticoprofilaxia que deve ser avaliada, conforme protocolos estabelecidos e atualizados(27).
Documentos apresentados pela OMS, UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e The World Bank Estimates, acerca das tendências de mortalidade materna de 1990 a 2010, demonstraram redução da RMM brasileira, passando de 120,0 óbitos por 100 mil NV em 1990 para 56,0 óbitos por 100 mil NV em 2010, com um declínio de 51,0%(18). Isso evidencia que o país está em progresso para atingir a redução esperada pela OMS. Por outro lado, 830 mulheres ainda morrem diariamente no Brasil por causas preveníveis relacionadas à gravidez e ao parto(15). Embora o cenário brasileiro encontre-se em patamares alarmantes em relação à saúde materna, observa-se significativa redução desses óbitos totais e por causas evitáveis no Paraná, o que reflete aspectos positivos da organização dos serviços de saúde e melhorias contínuas na assistência ao pré-natal, parto e puerpério.
Essa tendência pode ser explicada pelo impacto de políticas públicas de saúde em nível nacional e estadual. Em 2012, a exemplo da Rede Cegonha, foi criada a Rede Mãe Paranaense pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná com intuito de promover um cuidado integral à mulher, ao período gravídico-puerperal e aos primeiros anos de vida dos infantes. Ao se comparar a mortalidade materna antes e após a implementação do programa no Paraná, evidenciou-se redução importante dos óbitos. Em investigação anterior no estado que comparou a mortalidade entre as macrorregionais, no recorte temporal de 2009 a 2014, constatou-se diminuição dos indicadores, destacando-se a macrorregional Oeste, a qual comporta a Regional de Saúde de Foz do Iguaçu, com maior redução passando de 70,0 óbitos por 100 mil NV no início da série para 14,0 óbitos por 100 mil NV ao final dela(28). No presente estudo, a mesma regional houve elevação das RMM no período de 2013 a 2020, contudo sem significância estatística.
Ao se comparar os estados brasileiros, nota-se que o Paraná demonstrou uma maior tendência a redução da morte materna, o que sugere uma maior efetividade das políticas públicas de saúde do estado, ainda que insuficientes para alcançar a meta estipulada pela OMS. Na comparação da mortalidade materna, deve-se considerar as variações existente entre países e regiões distintas. Estudo realizado na Argentina apontou províncias com valores 2 a 3 vezes acima da média nacional em 2017, a qual era de 29 óbitos por 100 mil NV(29). A melhoria no cuidado e atenção à saúde durante o período gravídico-puerperal pode ser explicada por meio de diferentes ações, incluindo o fortalecimento da Estratégia Saúde da Família, a qualificação dos profissionais que prestam assistência pré-natal sobre os protocolos de atendimento, a completude e a padronização do preenchimento do cartão da gestante.
Por fim, cabe ressaltar que o presente estudo abrange certas limitações. Inicialmente, vale destacar que o recorte temporal, o qual foi estipulado a fim de se analisar dados mais recentes, comparáveis e de qualidade superior, pode não ter sido suficiente para a demonstração de certas tendências de mortalidade materna. Além disso, a qualidade dos dados dos sistemas de informação amplamente disponíveis pode apresentar falhas, mesmo em locais com ampla cobertura dos registros vitais, seja pela subnotificação, seja pelo preenchimento inadequado das DO. Assim, a subnotificação relaciona-se com o desconhecimento dos profissionais de saúde que prestam assistência à saúde da mulher acerca da relevância do registro apropriado das DO para o sistema de saúde, visto que há dois locais específicos no documento destinados aos óbitos de mulheres em idade fértil. Nesse viés, associado à carência de mais investigações acerca do tema, os recursos destinados à saúde feminina durante o planejamento de ações em saúde tornam-se comprometidos, perpetuando tal problemática.
Conclui-se que houve ocorreu importante redução da RMM no período analisado no estado do Paraná, tanto dos óbitos considerados evitáveis, quanto dos óbitos totais, apesar de ambos ainda permanecerem em patamares alarmantes. Nesse sentido, torna-se fundamental a mobilização dos Comitês de Mortalidade Materna, com suporte dos profissionais de saúde, sociedade civil e gestores, para aplicação de políticas públicas destinadas a redução da morte materna. Sob esse prisma, a ampliação da rede de atenção à saúde em políticas como a Rede Mãe Paranaense constitui importante estratégia de saúde desenvolvida pelo estado do Paraná, que deve ser amplamente disseminada no estado, respeitando as singularidades de cada local.
A sensibilização dos profissionais de saúde e gestores acerca da importância do preenchimento adequado das DO e o fornecimento de tais dados aos sistemas de informação torna-se essencial a fim de se garantir um monitoramento mais fidedigno dos óbitos maternos, principalmente no período puerperal. Logo, protocolos de prevenção e vigilância em saúde e a detecção precoce de fatores de risco preditores de infecção tornam-se essenciais durante a assistência à mulher. Ademais, o credenciamento de mais Hospitais Amigo da Criança, com equipe de saúde com destaque para atuação de enfermeiros obstetras, além de demonstrar o compromisso com a saúde materno-infantil, possibilita a captação de mais recursos financeiros às intituições e monitorar a qualidade assistencial pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde.
Em suma, os achados deste estudo possibilitaram a identificação dos principais grupos de risco e as tendências temporais no estado do Paraná. Assim, espera-se que seus resultados, apesar de suas limitações inerentes, possam auxiliar em ações e políticas de saúde pública mais eficientes no sentido de melhorar a qualidade de assistência à saúde das gestantes e puérperas de maneira completa e, por conseguinte, minimizar os óbitos maternos no estado do Paraná e no Brasil.
Referências
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