EN PT

Artigos

0078/2024 - Tendência de mortalidade infantil em municípios da região metropolitana de Porto Alegre de 1996 a 2021
Trend of infant mortality in cities of metropolitan region of Porto Alegre1996 to 2021

Autor:

• Douglas Nunes Stahnke - Stahnke, D.N. - <douglasns.poa@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6871-4355

Coautor(es):

• Marilyn Agranonik - Agranonik, M. - <marilyn.agranonik@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2699-9628

• Juvenal Soares Dias da Costa - Dias-da-Costa, J. S. - <episoares@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3160-6075



Resumo:

Objetivo: Verificar a tendência da mortalidade infantil (MI) e da mortalidade infantil evitável (MIE) em municípios da região metropolitana de Porto Alegre de 1996 a 2021 e suas associações com o gasto público per capita em saúde e a cobertura populacional de Estratégia Saúde da Família (ESF). Métodos: Estudo ecológico com dados dos sistemas de informações: sobre mortalidade, nascidos vivos, de orçamentos públicos e de atenção básica. Foram consideradas evitáveis as mortes descritas na lista do Ministério da Saúde. A análise estatística utilizou a regressão de Prais-Winsten. Resultados: Foi observada diminuição da MIE nos municípios estudados com exceção de Esteio. Houve associação entre o gasto público per capita em saúde e os desfechos do estudo em Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre. Encontrou-se associação entre a cobertura de ESF e a MI em Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Canoas e Porto Alegre. A MIE esteve associada à cobertura de ESF em Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre. Conclusões: Apesar da diminuição dos coeficientes de MI e de MIE, a associação deste indicador foi mais impactada pelo o gasto público per capita em saúde do que pela cobertura populacional de ESF.

Palavras-chave:

Mortalidade Infantil; Causas de Morte; Financiamento da Assistência à Saúde; Gastos Públicos com Saúde; Estratégia Saúde da Família.

Abstract:

Objective: To verify the trend in infant mortality (IM) and preventable infant mortality (PIM) in municipalities in the metropolitan region of Porto Alegre1996 to 2021 and their associations with per capita public spending on health and population coverage of the Family Health Strategy (FHS). Methods: Ecological study with datainformation systems: on mortality, live births, public budgets and primary health care. The deaths described in the Ministry of Health\'s list were considered preventable. Statistical analysis used Prais-Winsten regression. Results: A decrease in MIE was observed in the municipalities studied with the exception of Esteio. There was an association between per capita public spending on health and the study outcomes in Novo Hamburgo, Canoas and Porto Alegre. An association was found between the FHS coverage and IM in Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Canoas and Porto Alegre. PIM was associated with FHS coverage in Novo Hamburgo, Canoas and Porto Alegre. Conclusions: Despite the decrease in the IM and PIM coefficients, the association of this indicator was more impacted by per capita public spending on health than by the FHS population coverage.

Keywords:

Infant Mortality; Causes of death; Healthcare Financing; Public Expenditures on Health; Family Health Strategy.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

Apesar da diminuição da mortalidade infantil (MI) observada no Brasil, os níveis nacionais ainda são mais elevados do que aqueles identificados nos países de renda alta1,2. Sabe-se que a MI pode ser influenciada por inúmeros fatores como condições socioeconômicas3,4, características do recém-nascido e maternas, disponibilidade de serviços de saúde3,5, incluindo atendimento ao parto6, mas se consolidam as evidências relativas ao papel determinante do financiamento das políticas públicas7,8,9.
A insuficiência do gasto público em saúde no Brasil tem sido reconhecida na comparação com os países desenvolvidos. Algumas evidências internacionais mostraram que países com sistemas universais apresentaram gastos públicos em saúde que atingem, no mínimo, 70% dos gastos totais. No Brasil, o gasto público em saúde foi de 47% do total, inferior aos 53% que alcançava o percentual dos gastos privados em saúde. Além disso, o percentual tem sido bem menor quando comparado com outros países como Canadá, 71,1%; o Reino Unido, 83,2% e a Noruega, 85,5%10, 11,12.
Como forma de enfrentar a crise econômica, o governo optou pela contenção dos gastos públicos. A emenda constitucional nº 95 de 2016 congelou o orçamento federal, incluindo os gastos em saúde por 20 anos13. Segundo Donieke colaboradores14, “em 2017, o governo já não tinha atingido o mínimo investimento no orçamento da saúde garantido pela Constituição em torno de R$ 692 milhões”. Estas restrições criaram expectativas de consequências diretas nos indicadores de saúde, causando aumento da MI15. Estudo analisando a desaceleração econômica e a MI mostrou que em países de média e baixa renda mesmo após controle pelas variáveis demográficas e de infraestrutura a redução de 1% no Produto Interno Bruto per capita resultou em aumento da MI16.
Em 2008, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde lançou a lista de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde com objetivos abrangentes que incluem reduzir à MI no Brasil. A lista de mortes evitáveis foi atualizada em 2010. Foram consideradas como mortes evitáveis aquelas que não ocorreriam com a prestação de cuidados efetivos no tempo e no lugar apropriados17, ressaltando-se a importância da atenção básica como porta de entrada e ordenadora da rede de atenção à saúde.
Desta forma, a Estratégia Saúde da Família (ESF) transformou-se no modelo predominante da atenção básica no Brasil. Macinko et al.18 já tinham revelado em importante estudo a influência da ESF na redução da MI. Depois disso, diversos estudos também evidenciaram o impacto da ESF na MI e na mortalidade infantil evitável (MIE)19-22.
Desta forma, o presente estudo verificou as tendências da MI e da MIE em municípios da região metropolitana de Porto Alegre de 1996 a 2021 e suas associações com o gasto público per capita em saúde e a cobertura populacional de ESF de forma a subsidiar as secretarias e seus respectivos conselhos municipais de saúde, no intuito de detectarem iniquidades nos determinantes do processo saúde-doença.

MÉTODOS

Foi realizado estudo ecológico para verificar a tendência dos coeficientes de MI e de MIE nos principais municípios da região metropolitana que fazem parte da linha do Trensurb (Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Esteio, Canoas e Porto Alegre), no período entre 1996 e 2021.
O número de óbitos estava disponível no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Os dados populacionais de nascidos vivos para cada município em todos os anos foram obtidos no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), também disponíveis no DATASUS. As informações sobre os gastos públicos em saúde foram coletadas no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e a cobertura populacional de Estratégia Saúde da Família foi obtida no site do Departamento de Atenção Básica (DAB).
Foram coletados os números de óbitos em menores de um ano, em cada município desde 1996 (primeiro ano de implantação da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças) até 2021 (último ano disponível SIM).
As mortes evitáveis em menores de um ano foram classificadas como: reduzíveis por ações de imunoprevenção; por adequada atenção à saúde da mulher na gestação, no parto, ao feto e ao recém-nascido; por ações resolutivas de promoção à saúde ou vinculadas à estas e por causas de mortes mal definidas17. Os coeficientes de mortalidade infantil foram calculados utilizando a fórmula: [(número de óbitos em menores de um ano com mães residentes no município no ano/ número de nascidos vivos com mães residentes no município no ano) x 1000].
Os coeficientes de mortalidade infantil por causas evitáveis foram elaborados por meio da fórmula: [(número de óbitos evitáveis em menores de um ano com mães residentes no município no ano/ número de nascidos vivos com mães residentes no município no ano) x 1000].
Foram calculadas as mortalidades proporcionais no período neonatal (do nascimento até os 27 dias) e neonatal evitável dentre as mortes infantis para cada ano da série histórica nos municípios pelas seguintes equações: (número de óbitos neonatais x 100 / número de óbitos infantis) e (número de óbitos neonatais evitáveis x 100 / número de óbitos infantis evitáveis).
Por meio dos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária de cada município disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) foram conhecidos os gastos públicos em saúde, a partir de 2000 até 2020. O total de recursos aplicados pelos municípios foi determinado mediante a despesa liquidada em cada ano da subfunção administração direta em saúde no SIOPS. Os gastos públicos per capita em saúde foram elaborados como a razão dos gastos totais realizados em cada município no ano e a população dos municípios de acordo com o ano.
Com o objetivo de reduzir as variações de preço devidas à inflação sobre os valores apresentados foi utilizado o recurso deflator. Os valores de todos os anos da série histórica dos gastos públicos per capita em saúde foram trazidos ao tempo presente, por meio de correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2020, último ano da série23,24.
A cobertura populacional de ESF, entre 1998 e 2020, foi obtida no site do Departamento de Atenção Básica, sendo apresentada em percentual25. Foi calculada a média anual para cada município.
Verificaram-se as tendências dos coeficientes de MI, de MIE, dos gastos per capita em saúde e da cobertura populacional de ESF nos municípios. Analisaram-se as associações entre os coeficientes de mortalidade, o gasto público per capita em saúde e da cobertura populacional de ESF em cada município.
Os dados foram tabulados por meio de planilhas no Microsoft Excel 2010® onde estavam dispostas as informações por município e por ano, para construção dos indicadores. Para análise estatística foi utilizado o programa Stata 11.
A tendência temporal foi analisada baseada nos modelos de regressão Generalizada de Prais-Winsten, indicado para séries temporais com mais de sete anos, pois corrige a autocorrelação serial de primeira ordem, fato comum em séries temporais, que superestima as medidas de ajuste26.
Foram estatisticamente significativos os resultados com valor de p < 0,05 sendo a tendência considerada crescente quando o coeficiente de regressão foi positivo e decrescente quando o coeficiente de regressão foi negativo. A tendência cujo valor de p > 0,05 foi considerada estacionária ou não significativa. Na análise de associação os coeficientes de mortalidade infantil e os coeficientes de mortalidade infantil evitável foram as variáveis dependentes e o gasto público per capita em saúde e a cobertura populacional de ESF foram as variáveis independentes.
O presente estudo foi realizado com dados secundários disponíveis em sistemas de informações públicos, não permitindo a identificação dos indivíduos, eximindo a obrigatoriedade de aprovação de conselho de ética em pesquisa de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Entre 1996 e 2021 a MI variou de 21,9 em Canoas (1996) a 1,7 óbitos por mil nascidos vivos em Esteio (2011). Com exceção do município de Esteio, todos os demais municípios apresentaram coeficientes médios entre 11 e 13 óbitos por mil nascidos vivos. No período estudado, evidenciou-se predomínio da mortalidade neonatal em todos os municípios, com percentuais médios superiores a 60% (Tabela 1).
Em relação a MIE, em 1996, Canoas apresentou o maior coeficiente do período, 16,3 óbitos por mil nascidos vivos, enquanto em 2020, Esteio obteve o menor valor, com apenas um óbito por mil nascidos vivos (Tabela 2). A análise descritiva mostrou que em todos os municípios a média dos coeficientes no período ficou abaixo de nove óbitos por mil nascidos vivos, exceto São Leopoldo. Na série histórica, a maior parte da MIE se concentrou no componente neonatal, com percentuais médios superiores a 70% na maioria dos municípios, exceto Porto Alegre e Canoas (Tabela 2).
Pode ser ressaltado que em 2021, ano mais expressivo da pandemia no Brasil, São Leopoldo foi o único município que apresentou coeficientes de MI e de MIE superiores à média do período.
Quanto à análise de tendência, entre 1996 e 2021, verificou-se diminuição estatisticamente significativa da MI em todos os municípios (Tabela 3). Em relação à tendência da MIE, constatou-se queda significativa dos coeficientes em todos os municípios, exceto em Esteio que apresentou estabilidade (Tabela 3).
Todos os municípios apresentaram tendência de crescimento significativo em relação ao gasto público per capita em saúde, exceto Sapucaia do Sul cujos valores na área foram estáveis (Tabela 4). Entre 1998 e 2020, houve aumento significativo na cobertura populacional de ESF em todos os municípios analisados (Tabela 4).
Os maiores e menores valores do gasto público per capita em saúde no período foram encontrados em Esteio, com R$1.638,48 em 2020 e R$87,49 em 1996, respectivamente. Com relação aos valores médios investidos em saúde nos municípios, apenas Porto Alegre alcançou patamares superiores a R$1.000 por habitante (Tabela Suplementar 1).
Em 1998, apenas Esteio e Porto Alegre apresentavam alguma cobertura de ESF, ambos com percentuais inferiores a 5% da população. Em todo o período, a maior cobertura de ESF foi encontrada em 2018, no município de Canoas com 63,4%. Em 2020, último ano da série histórica, dois municípios apresentaram cobertura de ESF entre 60 e 65% e São Leopoldo apresentou percentual de cobertura inferior a 20% (Tabela Suplementar 2). Foi analisada a mediana dos percentuais de cobertura populacional de ESF, com destaque para Porto Alegre e Sapucaia do Sul que obtiveram percentuais acima dos 20% nos anos de 2010 e 2011.
Encontrou-se associação significativa e inversa tanto da MI, quanto da MIE com o gasto público per capita em saúde nos municípios de Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre, ou seja, o aumento de um real per capita ao ano na área diminuiu de quatro a sete óbitos infantis por mil nascidos vivos e de três a quatro óbitos infantis evitáveis por mil nascidos vivos nos municípios supracitados (Tabela 5).
Da mesma forma, foi observada associação dos desfechos com a cobertura populacional de ESF. Os coeficientes de MI apresentaram associação significativa com o percentual médio de cobertura populacional de ESF nos municípios de Novo Hamburgo, Sapucaia do Sul, Canoas e Porto Alegre. Já os coeficientes de MIE estavam associados ao percentual médio de cobertura de ESF em Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre apenas. Para cada 1% de aumento na cobertura populacional de ESF a diminuição dos desfechos foi inferior a um óbito por mil nascidos vivos (Tabela 5).

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou a diminuição da MI e da MIE em todos os municípios analisados. Observou-se que a persistência da MI esteve proporcionalmente mais concentrada no período neonatal. A análise mostrou que o gasto público per capita em saúde foi mais relevante na redução da mortalidade do que na cobertura de ESF.
A redução nas tendências de mortalidade acompanhou as tendências encontradas em outros estudos realizados no Brasil. Publicação do Ministério da Saúde mostrou a queda das taxas de MI entre 1990 e 2019. A média do triênio final (2017-19) no Brasil ficou em 13,3 óbitos para cada mil nascidos vivos, enquanto na Região Sul alcançou 10,1 óbitos para cada mil nascidos vivos2.
Outros estudos mostraram tendência de diminuição. Em Rio Branco, no período de 1999 a 2015, revelou-se redução nos coeficientes de MI com valores de 27,0 para 14,5 óbitos por mil nascidos vivos27.
Em Aracajú, entre 2001 e 2010, os coeficientes de MI diminuíram de 29,5 para 17,7 óbitos por mil nascidos vivos28. Desta forma, pode-se constatar que os coeficientes observados no presente estudo foram inferiores aos citados, entretanto ainda acima daqueles verificados em Florianópolis, 5,34 por mil nascidos vivos em 2016, considerada como a capital brasileira com menor MI29.
Em 2020 e 2021 não foram observadas maiores modificações nos coeficientes das mortalidades, exceto em São Leopoldo. Estudo ecológico abrangendo todo o Brasil revelou pequeno impacto da pandemia na MI30.
Quanto a MIE, Esteio foi o único município em que a tendência não obteve diminuição significativa. No entanto, este município apresentou os menores coeficientes de MI no período, fato que pode ter colaborado para a falta de associação estatística neste desfecho. Estudos realizados em outros locais do Brasil também constataram diminuição da MIE. Em Minas Gerais foi constatada a redução da MIE mesmo sendo mais severa em áreas de alta vulnerabilidade do Vale do Jequitinhonha31. Estudo de série histórica no leste de Minas Gerais também apontou queda da MI, mostrando que 68% dos óbitos entre os menores de um ano eram preveníveis por ações ligadas ao SUS32. Estudo de série temporal no Mato Grosso mostrou declínio da MIE no período de 2007 e 2020 em menores de um ano33.
No presente estudo, mostrou-se também o predomínio da mortalidade do componente neonatal, tanto na MI, quanto na MIE. Esse resultado aponta a necessidade de aprimoramento do atendimento pré-natal seja na atenção primária, como também na retaguarda para situações de risco, no momento do parto que especificamente exige oferta e qualificação de serviços hospitalares29, 34, 35, 36.
Este achado está de acordo com outras investigações realizadas no país. Os maiores coeficientes de MI também se concentraram no período neonatal precoce atingindo proporção média de 52%27.
Em relação à mortalidade neonatal no Brasil, foi encontrada uma taxa média de 9,46 por mil nascidos vivos de 2007 a 2017, com redução de 2,2% ao ano, havendo maior declínio da mortalidade neonatal precoce, comparado a tardia37. A mortalidade neonatal evitável no Brasil, no período entre 2000 e 2018, reduziu de 10,98 por mil nascidos vivos, em 2000, para 6,76, em 201838.
No presente estudo constatou-se aumento dos gastos públicos per capita em saúde em todos os municípios. A Organização Mundial da Saúde tem recomendado para obtenção de cobertura universal em saúde um gasto mínimo de US$ 112 per capita e 7,5% do Produto Interno Bruto aplicado em saúde39, marca superada por todos os municípios no último ano de análise. Estudos sobre gastos em saúde ainda são restritos no Brasil. Estudo realizado em São Paulo, incluindo sete municípios da Rota dos Bandeirantes, entre 2009 e 2012 mostraram gastos públicos per capita em saúde variando de R$ 291 à R$ 1354 com média de R$ 624, ou seja, valores na época semelhantes aos alcançados no presente estudo40.
O aumento verificado no período analisado, correspondendo há mais de 20 anos, pode ser explicado pelas inúmeras mudanças no financiamento do SUS, como por exemplo, a ampliação dos níveis de gestão, o aumento da complexidade das ações de saúde de responsabilidade municipal e principalmente definição constitucional dos gastos setoriais dos entes federados. Estudo realizado entre 2000 e 2010 já tinha evidenciado o crescimento de 81,4% do gasto público per capita em saúde na região Sul do Brasil, mostrando na época restrição dos gastos federais, mas um aumento nos aportes feitos pelos estados (de 16% para 22%) e municípios (de 25% para 36%)41. Embora, deva ser ressaltado que o gasto per capita em ações e serviços públicos de saúde pelo governo federal em 2019 foi de R$ 560 (13,8% da receita corrente líquida da União), este valor foi o mais baixo investido desde 2014 quando era de R$ 600, correspondendo a 14,3% da receita corrente líquida42. O que se percebe é a indefinição dos critérios e restrição dos gastos federais em saúde ao longo do período.
O presente estudo apontou a relação da MI e da MIE e o aumento do gasto público per capita em saúde em pelo menos três municípios. Essa relação tem sido mostrada por outros estudos15,43,44,45.
A cobertura de ESF encontrada no presente estudo foi inferior à necessária. O estudo emblemático de Aquino et al.46 considerou que a cobertura efetiva de ESF deveria atingir no mínimo 70% da população em quatro anos de implantação. Nenhum município incluído no estudo alcançou essa cobertura. Apesar da cobertura de ESF estar associada com a redução da MI, a análise demonstrou baixo impacto nessa queda nos indicadores. A análise da associação mostrou que a redução das mortalidades foi mais impactada pelo gasto público em saúde do que pela cobertura populacional de ESF.
Estudos ecológicos apresentam delineamento frágil para estabelecer inferências causais e ressalta-se que a coleta das informações foi realizada em períodos de tempo diferentes. No presente estudo não foram analisados aspectos que sabidamente podem determinar a MI como estrutura, organização e qualidade dos serviços de saúde, fatores socioeconômicos e características individuais das crianças. Contudo, o objetivo do estudo foi o acompanhamento das tendências das mortalidades em relação ao gasto público e a cobertura populacional de ESF. O tratamento analítico dado ao gasto público per capita em saúde acompanhou o rigor dos estudos econômicos com atualização pelo índice adequado e a cobertura de ESF considerou um período longo de observação.
Foram constatadas mudanças na MI e MIE em relação ao gasto público per capita em saúde nos anos investigados nesta pesquisa, mesmo sob cenário de contenção de despesas a partir de 2016. Cabe salientar, que apesar dos resultados positivos observados nos municípios estudados, a elevação dos custos na área da saúde e o envelhecimento da população exigem que os aportes financeiros se adequem, acompanhando essas mudanças para resultados mais promissores.
Nesse contexto, ressalta-se a mudança no modelo na atenção primária com o fortalecimento da ESF com ampliação e consolidação da cobertura devem ser prioridades no planejamento de gestores. O cuidado pré-natal adequado a gestantes, o atendimento qualificado no momento do parto, o acompanhamento do neonato e a atenção ao puerpério são fundamentais para a redução da mortalidade em menores de um ano.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de doutorado de Douglas Nunes Stahnke.
?
REFERÊNCIAS

1. SZWARCWALD CL, ALMEIDA WS, TEIXEIRA RA, FRANÇA EB, MIRANDA MJ, MALTA DC. Inequalities in infant mortality in Brazil at subnational levels in Brazil, 1990 to 2015. Popul Health Metrics, 2020; 18(1):4. doi: 10.1186/s12963-020-00208-1

2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Mortalidade infantil no Brasil - Boletim Epidemiológico, 52(37): 1-15, 2021. Disponível: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_37_v2.pdf. Acesso em: 03 jan 2022.

3. LIMA JC, MINGARELLI AM, NEUBER JS, ZAVALA AAZ, TAKANO AO. Estudo de base populacional sobre mortalidade infantil. Ciên Saúde Colet, 2017;22(3):931-939. doi: 10.1590/1413-81232017223.12742016

4. TEJADA CAO, TRIACA LM, LIERMANN NH, EWERLING F, COSTA JC. Crises econômicas, mortalidade de crianças e o papel protetor do gasto público em saúde. Ciên Saúde Colet, 2019;24(12): 4395-4404. doi: 10.1590/1413-812320182412.25082019

5. MARTINS JLA, DURANS KCN, BRITO JD, FREITAS DS. Mortalidade infantil por causas evitáveis de crianças de 0-4 anos no Maranhão entre 2015 a 2019. Research, Society and Development, 2022;11(7):e23711729952. doi: 10.33448/rsd-v11i7.29952

6. VARELA AR, SCHNEIDER BC, BUBACH S, SILVEIRA MF, BERTOLDI AD, DUARTE LSM, MENEZES AMB, DOMINGUES MR, BASSANI DG. Fetal, neonatal, and post-neonatal mortality in the 2015 Pelotas (Brazil) birth cohort and associated factors. Cad Saúde Pública, 2019;35(7):e00072918. doi: 10.1590/0102-311X00072918

7. ENSOR T, COOPER S, DAVIDSON L, FITZMAURICE A, GRAHAM WJ. The impact of economic recession on maternal and infant mortality: lessons from history. BMC Public Health, 2010;10(727):1-9. doi: 10.1186/1471-2458-10-727

8. WILLIAMS C, GILBERT BJ, ZELTNER T, WATKINS J, ATUN R, MARUTHAPPU M. Effects of economic crises on population health outcomes in Latin America, 1981-2010: an ecological study. BMJ Open, 2016;6(1):e007546.doi: 10.1136/bmjopen-2014-007546

9. MARUTHAPPU M, WATSON RA, WATKINS J, ZELTNER T, RAINE R, ATUN,R. Effects of economic downturns on child mortality: a global economic analysis, 1981-2010. BMJ Global Health, 2017;2(2):e000157. doi: 10.1136/bmjgh-2016-000157

10. MACINKO J, HARRIS MJ. Brazil’s Family Health Strategy - Delivering Community-Based Primary Care in a Universal Health System. N Engl J Med, 2015;372(23):2177-2181. doi: 10.1056/NEJMp1501140

11. ROCHA R, FURTADO I, SPINOLA P. Financing needs, spending projection, and the future of health in Brazil. Health Econ, 2021;30(5):1082-1094.

12. BRASIL. Ministério da Saúde. Contas de saúde na perspectiva da contabilidade internacional: conta SHA para o Brasil, 2015 a 2019 / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – Brasília: IPEA, 2022.

13. MASSUDA A, HONE T, LELE FAG, CASTRO MC, ATUN R. The Brazilian health system at crossroads: progress, crisis and resilience. BMJ global health, 2018;3(4): e000829.

14. DONIEC K, DALL´ALBA R, KING L. Brazil´s health catastrophe in the making. Lancet Brazil, 2018;18(1):30853-30855. doi: 10.1016/S0140-6736(18)30853-5

15. RASELLA D, BASU S, HONE T, PAES-SOUZA R, OCKÉ-REIS CO, MILLET C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. Plos Medicine, 2018;15(5):e1002570. doi: 10.1371/journal.pmed.1002570

16. MARUTHAPPU M, NG KYB, WILLIAMS C, ATUN R, ZELTNER T. Government health care spending and child mortality. Pediatrics, 2015;135(4): e887-894. doi: 10.1542/peds.2014-1600

17. MALTA DC, SARDINHA LMV, MOURA L, LANSKY S, LEAL MC, SZWARCWALD CL, FRANÇA E, ALMEIDA MF, DUARTE EC. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. EpidemiolServ Saúde, 2010;19(2):173-176. doi: 10.5123/S1679-49742010000200010

18. MACINKO J, SOUZA MFM, GUANAIS FC, SIMÕES CCS. Going to Scale with Community-Based Primary Care: an analysis of the family health program and infant mortality in Brazil, 1999-2004. Soc Sci Med, 2007;65(10):2070-2080. doi: 10.1016/j.socscimed.2007.06.028

19. BRENTANI A, GRISI SJFE, TANIGUCHI MT, FERRER APS, DE MORAES BOURROUL ML, FINK G. Rollout of community-based family health strategy (Programa de Saúde de Família) is associated with large reductions in neonatal mortality in São Paulo, Brazil. SSM Popul Health, 2016;21(2):55-61. doi: 10.1016/j.ssmph.2016.01.001

20. LEAL MDC, SZWARCWALD CL, ALMEIDA PVB., AQUINO EML, BARRETO ML, BARROS F, VICTORA C. Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). CiênSaúde Colet, 2018;23(6):1915-1928.

21. GUERRA AB, GUERRA LM, PROBST LF, GONDINHO BVC, AMBROSANO GMB, MELO EA, BRIZON VSC, BULGARELI JV, CORTELLAZZI KL, PEREIRA AC. Can the primary health care model affect the determinants of neonatal, post-neonatal and maternal mortality? A studyfromBrazil. BMC Health Services Research, 2019;19(1):1-11.

22. FONSECA JFA, LIBERAL MMC, VARELA PS, ZUCCHI P. Evolução da estratégia Saúde da Família e sua influência nos indicadores da Atenção Básica em Saúde no Estado de Mato Grosso. Research, Society and Development, 2021;10(14):e377101421866. doi: 10.33448/rsd-v10i14.21866

23. CAPUCCI P. Financiamento para atenção básica à saúde no Brasil: avanços e desafios. J Manag Prim Health Care, 2014;5(1):127-128. doi: 10.14295/jmphc.v5i1.206

24. MACHADO CV, LIMA LD, ANDRADE CLT. Federal funding of health policy in Brazil: trends and challenges. Cad Saúde Pública, 2014;30(1):187-200. doi: 10.1590/0102-311X00144012

25. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). Histórico de Cobertura da Atenção Primária. 2021. Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaConsolidado.xhtml. Acesso em: 03 jan 2022.

26. ANTUNES JLF, CARDOSO MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. EpidemiolServ Saúde, 2015;24(3):565-576. doi: 10.5123/S1679-49742015000300024

27. RAMALHO AA, ANDRADE AM, MARTINS FA, KOIFMAN RJ. Tendência da mortalidade infantil no município de Rio Branco, AC, 1999 a 2015. Rev Saúde Pública, 2018;52(1):33. doi: 10.11606/S1518-8787.2018052000280

28. CARVALHO RAS, SANTOS VS, MELO CM, GURGEL RQ, OLIVEIRA CCC. Desigualdades em saúde: condições de vida e mortalidade infantil em região do nordeste do Brasil. Rev SaúdePública, 2015;49(5):1-9. doi:10.1590/S0034-8910.2015049004794

29. GARCIA LP, FERNANDES CM, TRAEBERT J. Risk factors for neonatal death in the capital city with the lowest infant mortality rate in Brazil. J Pediatr, 2019;95(2):194-200. doi: 10.1016/j.jped.2017.12.007

30. SZWARCWALD CL, BOCCOLIN CS, ALMEIDA WS, SOARES FILHO AM, MALTA DC. COVID-19 mortality in Brazil, 2020-21: consequences of the pandemic inadequate management. Arch Public Health, 2022;80(255):1-9. doi: 10.1186/s13690-022-01012-z.

31. BARBOSA TAGS, GAZZINELLI A, ANDRADE GN. Mortalidade infantil evitável e vulnerabilidade social no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. REME – Rev Min Enferm, 2019;23( 1):e-1246. doi: 10.5935/1415-2762.20190094

32. SILVA FR, AGUIAR DN, GONÇALVES MF, GUSMÃO RB, DE FREITAS ED, DE OLIVEIRA SIMÕES M, ALVES WA. Análise da mortalidade infantil no leste de Minas Gerais, 2008-2019. HU Rev, 2021;47(1):1-11. doi: 10.34019/1982-8047.2021.v47.34178

33. ADAMSKI K, DA SILVA TG, DA SILVA PEREIRA PP, DOS SANTOS FARIAS E, CANTARELLI KJ, MENDES VA. Mortalidade infantil por causas evitáveis em macrorregião de saúde: série temporal 2007 a 2020. REAS, 2022;15(8):1-9.

34. MAIA LTS, SOUZA WV, MENDES ACG. Determinantes individuais e contextuais associados à mortalidade infantil nas capitais brasileiras: uma abordagem multinível. Cad SaúdePública, 2020;36(2):e00057519.

35. ALIPOUR A, HANTOUSHZADEH S, HESSAMI K, SALEH M, SHARIAT M, YAZDIZADEH B, BABANIAMANSOUR S, GHAMARI A, AGHAJANIAN S, MORADI K, ABDOLMALEKI AS, EMAMI Z. A global study of the association of cesarean rate and the role of socioeconomic status in neonatal mortality rate in the current century. BMC Pregnancy Childbirth, 2022;22(821):1-9.doi: 10.1186/s12884-022-05133-9

36. MOURA BLA, ALENCAR GP, SILVA ZPD, ALMEIDA MFD. Fatores associados à internação e à mortalidade neonatal em uma coorte de recém-nascidos do Sistema Único de Saúde, no município de São Paulo. RevBrasEpidemiol, 2020;23: e200088.

37. BERNARDINO FBS, GONÇALVES TM, PEREIRA TID, XAVIER JS, FREITAS BHBMD, GAÍVA, MAM. Tendência da mortalidade neonatal no Brasil de 2007 a 2017. CiênSaudeColet, 2022;27(2):567-578. doi: 0000-0003-0339-9451

38. PREZOTTO KH, OLIVEIRA RR, PELLOSO SM, FERNANDES CAM. Tendência da mortalidade neonatal evitável nos Estados do Brasil. Rev Bras Saude Mater Infant, 2021;21(1):301-309. doi: 10.1590/1806-93042021000100015

39. O´HARE BA. International corporate tax avoidance and domestic government health expenditure. Bull World Health Organ, 2019;97(1):746-753. doi: 10.2471/BLT.18.220897

40. SANTOS NETO JAS, MENDES AN, PEREIRA AC, PARANHOS LR. Análise do financiamento e gasto do Sistema Único de Saúde dos municípios da região de saúde Rota dos Bandeirantes do estado de São Paulo, Brasil. Ciên Saúde Colet, 2017;22(4):1260-1280. doi: 10.1590/1413-81232017224.28452016

41. PIOLA SF, FRANÇA JRM, NUNES A. Os efeitos da Emenda Constitucional 29 na alocação regional dos gastos públicos no Sistema Único de Saúde no Brasil. Ciên Saúde Colet, 2016;21(2): 411-421. doi: 10.1590/1413-81232015212.10402015

42. FUNCIA FR. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Ciên Saúde Colet, 2019;22(4):4405-4414. doi: 10.1590/1413-812320182412.25892019

43. ARAÚJO CEL, GONÇALVES GQ, MACHADO JA. Os municípios brasileiros e os gastos próprios com saúde: algumas associações. Ciên Saúde Colet, 2017;22(3):953-963. doi: 10.1590/1413-81232017223.15542016

44. RINTZEL LT, GODOY MR, SPOLAVANI R, CAVASSOLA S. Redução da mortalidade infantil na Região Sul do Brasil nos anos de 2000-2010. Perspectiva Econômica, 2018;14(1):17-32. doi: 10.4013/pe.2018.141.02

45. JUNG RO, AGRANONIK M. Óbitos infantis evitáveis no Rio Grande do Sul: diferenças entre os períodos neonatal e pós-neonatal. Indic Econ FEE, 2018;45(3):51-66.

46. AQUINO R, OLIVEIRA NF, BARRETO ML. Impact of the Family Health Program on infant mortality in Brazilian municipalities. Am J Public Health, 2009;99(1):87-93.


Outros idiomas:







Como

Citar

Stahnke, D.N., Agranonik, M., Dias-da-Costa, J. S.. Tendência de mortalidade infantil em municípios da região metropolitana de Porto Alegre de 1996 a 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Mar). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencia-de-mortalidade-infantil-em-municipios-da-regiao-metropolitana-de-porto-alegre-de-1996-a-2021/19126?id=19126

Últimos

Artigos



Realização



Patrocínio