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0317/2024 - Tendência temporal e distribuição espacial dos casos de violência sexual notificados no Brasil entre 2013 e 2022.
Temporal trend and spatial distribution of reported sexual violence cases in Brazil between 2013 and 2022.

Autor:

• Fabiana Schuelter-Trevisol - Schuelter-Trevisol, F - <fastrevisol@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0997-1594

Coautor(es):

• Iara Aurélio Orige - Orige, I.A - <iaraorigee11@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-6845-2771

• Gabriel Oscar Cremona Parma - Parma, G.O.C - <gcremona@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9540-6908

• Jefferson Traebert - Traebert, J. - <jefferson.traebert@gmail.com, jefferson.traebert@unisul.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7389-985X

• Eliane Traebert - Traebert, E. - <elisazevedot@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9667-7216

• Daisson José Trevisol - Trevisol, D.J - <daisson.trevisol@unisul.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7053-9082



Resumo:

Objetivo: Analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de violência sexual notificados no Brasil, 2013-2022. Métodos: Estudo ecológico misto, descritivo de múltiplos grupos e com análise de tendência temporal. Foram revisadas as notificações de violência sexual do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Resultados: Houve 386.141 casos no período. Há um acréscimo anual de 3.387 casos (IC95% 2.276-4.498), sendo este aumento estatisticamente significativo (p < 0,001). O Acre foi o estado que apresentou a maior taxa de incidência. O perfil das vítimas é majoritariamente meninas (88,5%), adolescentes (44,6%) ou crianças (30,6%), cor de pele parda (49,6%), cujo agressor tem relação próxima ou familiar (76,1%). Conclusão: Houve aumento anual significativo dos casos de violência sexual no Brasil, o que revela um pior cenário ao longo do tempo, com consequente aumento da notificação. As regiões Norte, Centro-Oeste e Sul apresentam as maiores taxas de incidência de violência sexual.

Palavras-chave:

Delitos Sexuais, Violência contra a Mulher, Estupro, Distribuição Temporal, Análise Espacial, notificações.

Abstract:

Objective: To analyze the temporal trend and spatial distribution of reported cases of sexual violence in Brazil2013 to 2022. Methods: This is a mixed ecological study, descriptive of multiple groups, with a temporal trend analysis. Notifications of sexual violencethe Information System for Notifiable Diseases were reviewed. Results: There were 386,141 cases in the period. There is an annual increase of 3,387 cases (95% CI 2,276-4,498), which is statistically significant (p < 0.001). Acre was the state with the highest incidence rate. The profile of the victims is predominantly girls (88.5%), adolescents (44.6%) or children (30.6%), with brown skin color (49.6%), and the perpetrator being a close or family member (76.1%). Conclusion: There was a significant annual increase in cases of sexual violence in Brazil, revealing a worsening scenario over time, with a consequent increase in reporting. The North, Center-West, and South regions have the highest incidence rates of sexual violence.

Keywords:

Sex Offenses, Violence Against Women, Rape, Temporal Distribution, Spacial Analysis

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A violência sexual é uma forma grave e devastadora de violação dos direitos humanos, amplamente reconhecida como um problema global persistente que afeta pessoas de todas as idades, sexos, orientações sexuais e identidades de gênero. Pode ocorrer em uma variedade de contextos, desde conflitos armados e desastres naturais até em ambientes domésticos e institucionais1.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), define-se violência sexual como qualquer ato sexual realizado ou tentativa de realização sem o consentimento da vítima, independentemente do relacionamento entre as partes envolvidas2. A violência sexual aborda vários tipos de atos contra o ser humano, sendo esse homem ou mulher. Dentre estes está o estupro, assédio sexual, exploração sexual, pornografia infantil, atentado violento ao pudor entre outros3.
O estupro é uma experiência traumática, reconhecida como um sério problema social e de saúde pública e uma forma de violência predominante contra as mulheres. Este fenômeno assume diversas formas, perpetradas por indivíduos em diferentes contextos sociais. O estupro inclui sexo oral, penetração vaginal ou anal sem consentimento ou com a coerção da vítima. Essa coerção pode consistir em diferentes graus de força, intimidação psicológica, abuso e ameaças4.
No contexto brasileiro, todas as formas de violência sexual são consideradas estupro desde 2009. O estupro é definido como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso5. Para menores de 14 anos, é designado como "estupro de vulnerável", conforme o Projeto de Lei 5102/20. Nesses casos, o consentimento da vítima, experiências sexuais anteriores ou relação romântica com o agressor são irrelevantes5.
A subnotificação de casos de violência sexual, especialmente contra crianças e adolescentes, é um problema significativo devido ao silenciamento das vítimas por medo de represálias e descrença por parte dos familiares6. Profissionais de saúde desempenham papel crucial na identificação precoce dos sinais de violência, fornecendo apoio adequado às vítimas e familiares e notificando as autoridades competentes7.
A ficha de violência como um agravo de notificação foi implementada em 2006 e integrada ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) em 2009. É fundamental para a coleta de dados sobre violência doméstica, sexual e outras formas interpessoais e auto infligidas em âmbito nacional8.
Estima-se que mais de um bilhão de crianças sofram algum tipo de violência a cada ano em todo o mundo. No entanto, a prevalência da notificação de abuso sexual às autoridades por crianças é 30 vezes inferior ao que é oficialmente relatado9. Provavelmente ocorre porque existe uma subnotificação do suposto estupro. Este fenômeno pode ser atribuído ao medo das vítimas de represálias, especialmente quando o agressor é alguém do convívio da vítima, como pais, avós, padrastos ou tios2,6.
Todo tipo de violência deve ser considerado problema de saúde pública, portanto, a violência sexual não apenas compromete a saúde, dignidade e desenvolvimento das vítimas, mas também representa um sério desafio para a saúde pública10,11. Neste contexto, este estudo tem como objetivo analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de violência sexual notificados no Brasil entre 2013 e 2022.

MÉTODOS
Estudo ecológico misto, descritivo de múltiplos grupos e com análise de tendência temporal.
Foram utilizados todos os dados notificados de violência sexual em todas as Unidades Federativas do Brasil e Distrito Federal, registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) entre 1 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2022. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação TABNET via site DATASUS do Governo Federal12. A partir do link SINAN foi selecionado Violência Interpessoal/Autoprovocada com a aplicação dos filtros para registro das variáveis de interesse, selecionando apenas os casos de violência sexual.
As variáveis do estudo foram: Dados sociodemográficos: faixa etária, sexo, cor de pele/etnia (branca / preta / amarela / parda / indígena), escolaridade (não se aplica – crianças fora da idade escolar / fundamental incompleto / fundamental completo / ensino médio incompleto / ensino médio completo / ensino superior incompleto / ensino superior completo) Dados da ocorrência: ano d notificação, local de ocorrência (residência, habitação coletiva, via pública, ambiente de trabalho, escola, creche, estabelecimento de saúde, instituição socioeducativa, instituição de longa permanência, instituição prisional, tereno baldio, bar ou similar, outros), estado de ocorrência, tipo de violência sexual (assédio sexual, estupro, atentado violento ao pudor, pornografia infantil, exploração sexual), relação com a pessoa atendida (pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, ex-cônjuge, namorado/a, ex-namorado(a), amigos/conhecidos, desconhecido, cuidador, patrão/chefe, pessoa com relação institucional, outros), suspeito em uso de álcool (sim, não, ignorado), encaminhamento (atendimento ambulatorial ou hospitalar) e evolução do caso (óbito, alta ou evasão).
Os dados foram obtidos direta ou indiretamente pela análise da ficha de notificação compulsória inserida no sistema, com apresentação dos dados agregados. Foram organizados e analisados em planilha do Microsoft Office Excel. As variáveis qualitativas foram descritas por meio de frequência absoluta e percentual.
Para cálculo da taxa de incidência foi utilizado o número total de casos notificados no período em cada estado brasileiro e Distrito Federal, dividido pelo total da população total de cada um deles, tendo por ano base 2023, disponível pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado utilizou como constante a multiplicação por 100 mil habitantes.
Para a realização do mapeamento foram usados os softwares SIG (Sistema de Informação Geográfico) Quantum GIS - QGIS e o Microsoft Excel (Microsoft Corporation (2023). Microsoft Excel 365. Redmond, Washington: Microsoft Corporation),
Os dados cartográficos utilizados foram os mapas em formato shape, no sistema cartográfico oficial brasileiro, dos estados e regiões baseados nos dados oficiais disponibilizado pelo IBGE. Foram também utilizados os dados de população anuais do mesmo instituto, publicados nos respectivos DOU (Diário Oficial da União).
Utilizando o QGIS, foi feita a vinculação, a partir dos códigos estaduais, das tabelas totalizadas dos casos, da população anualizada por Estado e, finalmente, foram calculadas, no mesmo ambiente SIG, as incidências de casos a cada 100 mil habitantes, variável que foi mapeada tematicamente, utilizando a representação de classes por “quebras naturais de Jenks”. O método estatístico de quebras naturais de Jenks, gera um conjunto definidos de classes temáticas baseadas em agrupamentos naturais segundo os tipos de dados que agrupam valores semelhantes que maximizem as diferenças entre classes, assim, as feições são divididas em classes onde existem diferenças relativamente grandes nos valores dos dados, minimizando a soma da variância dentro de cada classe (método de agrupamento ou clustering).
A análise da tendência temporal foi executada mediante a aplicação de um modelo de regressão simples. A variável dependente foi a incidência de violência sexual, enquanto a variável independente representou o ano de observação. A determinação da significância do coeficiente de regressão e do intercepto foi feita por meio de análise de variância. O coeficiente de regressão foi interpretado como a média de variação anual nos casos de violência sexual, enquanto o intercepto do modelo viabilizou a estimativa das ocorrências no ano-base. Para mensurar a eficácia do modelo de regressão em elucidar as oscilações dos dados, procedeu-se ao cálculo do coeficiente de determinação R². Para as avaliações dos testes estatísticos foi definido um nível de significância de ? = 0,05. A execução dessas análises foi conduzida através da plataforma Microsoft Excel MS365.
Considerando o delineamento ecológico e a coleta de dados em banco de domínio público, de acordo com a Resolução 466 e 510 do Conselho Nacional de Saúde, a aprovação ética pode ser dispensada.

RESULTADOS
No período em estudo, houve 386.141 casos de violência sexual notificados no Brasil A Figura 1 apresenta a análise de tendência temporal dos casos notificados neste período.
No período estudado, observou-se um aumento linear no número de notificações de casos de violência sexual no Brasil, com um acréscimo anual de 3.387 casos (IC95% 2.276-4.498), sendo este aumento estatisticamente significativo (p < 0,001). Além disso, o coeficiente de determinação (R²) foi de 86%, indicando que 86% da variabilidade nos casos pode ser explicada pelo passar do tempo.
A distribuição espacial dos casos é ilustrada na Figura 2. Pode-se observar que o estado com maior taxa de incidência de notificações de violência sexual foi o Acre, seguido de Amazonas, Roraima, Tocantins e Distrito Federal.

A Tabela 1 apresenta a descrição das características sociodemográficas das vítimas de violência sexual no Brasil, entre 2013 e 2022.

A Tabela 2 apresenta a descrição das características do agressor, assistência e desfecho dos casos de violência sexual no Brasil, entre 2013 e 2022.

DISCUSSÃO
No período estudado, observou-se um aumento significativo do número de casos notificados de violência sexual no Brasil. Isso pode não ser apenas proveniente do aumento dos casos de violência sexual, mas também refletir maior encorajamento das vítimas em denunciar os agressores. Isso pode ser resultante de uma rede assistencial com melhor da taxa resposta das equipes multiprofissionais nos casos de violência sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde, com acolhimento e rapidez, e de uma maior discussão social sobre essa temática nos últimos anos. Embora haja o aumento das notificações, houve pequena queda no ano de 2020, o que pode ser atribuída pelo início da pandemia da covid-19, com restrição de acesso aos órgãos policiais e de saúde. O isolamento social com redução da movimentação fora de domicílio, pode ter dificultado o acesso para notificação pelas vítimas, já que boa parte das violências sexuais ocorrem em ambiente domiciliar. Estudo de Oliveira et al. mostra que devido ao agravamento da pandemia e pela determinação de medidas restritivas iniciadas em março de 2020, evidenciou-se maior vulnerabilidade das vítimas de violência sexual, que permaneceram distantes dos agentes de sua principal rede de apoio, as escolas13. Com isso, pode-se perceber a dificuldade de as vítimas notificarem, principalmente aquelas indefesas, como as crianças e adolescentes.
Em relação a distribuição geográfica, o estudo mostrou que o estado com maior taxa de incidência de notificações de violência sexual foi o foi o Acre, seguido de Amazonas, Roraima Tocantins e Distrito Federal. De modo geral, as maiores taxas concentraram-se nas regiões Norte e Centro-Oeste, seguida da região Sul e alguns estados do Nordeste. Sabe-se ainda que esses dados não refletem a realidade sobre a violência sexual no Brasil, haja vista a subnotificação por parte das vítimas, entidades como serviços de saúde e serviços de atendimento especializado à mulher, o que pode levar a contribuir com a perpetuação desse ciclo violento14,15. Estudo realizado por Silva et al. no Maranhão mostrou mais de 1300 casos de morte entre crianças e adolescentes entre 2014-2020 atribuídos à violência. Nesse período foram registrados 8.187 boletins de ocorrência de violências contra pessoas de 0-17 anos, revelando assim o crescimento da violência ao longo do tempo16.
Taxas mais elevadas podem representar o maior número de casos de violência sexual, mas também pode ser explicado por um sistema de registro mais eficaz ou por uma maior conscientização da população e dos serviços em denunciar e registrar os dados para fins estatísticos.
O presente estudo mostrou maior incidência de vítimas do sexo feminino. Tal fato pode estar relacionado com a sua fragilidade física e a desigualdade de gênero, que reforça a discriminação e a exploração que as mulheres sofrem em comparação aos homens1,2,14. O fato de as vítimas serem, em sua maioria, meninas no início da adolescência, mais precisamente de 10 a 19 anos, pode fazer com que a culpa da agressão recaia sobre elas próprias, uma vez que algumas vivenciam uma fase em que já não são mais crianças e despertam para feminilidade. Na sociedade brasileira, predominantemente machista, tal condição é muitas vezes confundida com incitação voluntária ao abuso do agressor, uma vez que a menina/mulher é colocada em um papel de submissão17,18.
Existem diversas razões pelas quais o número de casos de violência sexual é mais elevado entre crianças e adolescentes. Primeiramente, a vulnerabilidade decorrente da dependência desses jovens em relação aos cuidadores adultos, que podem incluir pais, familiares, professores ou outras figuras em posição de autoridade19. Além disso, a falta de conhecimento e habilidades para reconhecer comportamentos inapropriados ou para se proteger contra abusos sexuais contribui significativamente para essa problemática20. Um estudo conduzido em Brasília entre 2012 e 2018, encontrou 4.617 casos de violência sexual, com 78,3% dos casos acontecendo em menores de 15 anos, com média de 659 crianças e adolescentes por ano20. Isso é concordante com os dados do presente estudo, no qual mostra que mais de dois terços (75,2%) dos casos de violência sexual notificados ocorrem em crianças e adolescentes.
Adicionalmente, a manipulação por parte dos perpetradores é comum, aproveitando-se da ingenuidade e confiança das crianças e adolescentes. O acesso facilitado também desempenha um papel crucial, pois muitas vezes os abusadores têm maior proximidade com suas vítimas, seja por meio de laços familiares, comunitários ou em ambientes como escolas e atividades extracurriculares. Outros fatores incluem o medo de denunciar e a incapacidade de defesa, completando o quadro complexo que contribui para a prevalência desse tipo de violência nessa faixa etária3,7. Por vezes a violência só é detectada na ocorrência de gestação ou de infecções sexualmente transmissíveis.
Outro estudo que vai ao encontro do resultado desse trabalho foi publicado pela OMS, o qual demostrou que aproximadamente uma em cada três mulheres no mundo são vítimas de violência física/sexual ao longo da vida, perpetrada por parceiro íntimo ou violência sexual perpetrada por não parceiro, sendo a maior parte delas jovens de 15 a 24 anos de idade. Elas sofrem muitas outras formas de violência, que abrangem um amplo espectro, desde a agressão verbal e outras formas de abuso emocional, passando pela violência física ou sexual22.
No que diz respeito à cor de pele/etnia, observou-se um percentual significativo de notificações envolvendo pessoas de cor de pele parda (49,6%), seguidas por pessoas de pele branca e preta. Este dado pode refletir diversas questões, desde a maior vulnerabilidade à violência sexual até o maior número de mulheres pertencentes a esses grupos étnicos. Estudo conduzido por Lourenço et al. mostrou que a violência sexual é predominante entre vítimas de cor de pele preta23.
No Brasil, apesar de velado e silencioso, o racismo se manifesta como uma forma sistemática de discriminação, por meio de práticas que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos em função do grupo étnico e que se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas. Como parte integrante da organização social, a violência torna-se, portanto, estrutural24. Grupos étnicos minoritários frequentemente enfrentam desigualdades estruturais, como acesso limitado à justiça, serviços de saúde mental e suporte social, isso pode torná-los mais vulneráveis à violência sexual e menos capazes de buscar ajuda11,25.
Acerca do local de ocorrência da violência sexual, os resultados indicaram que a maioria dos casos ocorreu no ambiente residencial. Isso sugere que os agressores provavelmente eram conhecidos da vítima, muitas vezes com relação de parentesco, destacando a complexidade e a intimidade das relações interpessoais envolvidas nesses casos. Além disso, a violência sexual domiciliar muitas vezes se desenrola em um ambiente onde a vítima se sente teoricamente segura, tornando ainda mais difícil o relato e a busca por ajuda11. A subnotificação é uma preocupação crítica nesse contexto, devido ao estigma associado, medo de represálias e dinâmicas de poder dentro do núcleo familiar. Em seguida, a via pública, outro local com alta frequência de incidentes, geralmente perpetrados por agressores desconhecidos ou que não possuem acesso prévio à vítima, diferentemente da residência.
Sob o aspecto do tipo de violência sexual, o estupro representou a maioria das notificações durante o período estudado. Esses resultados são consistentes com a prevalência amplamente conhecida do estupro como um dos atos mais frequentemente discutidos na sociedade, especialmente no Brasil, onde é o tipo mais comumente enfrentado pelas mulheres. O estupro é um problema generalizado de saúde pública com numerosas consequências, incluindo saúde física e psicológica a longo prazo26. Lesões físicas, infecções sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, problemas de saúde e transtornos psicológicos como o transtorno de estresse pós-traumático27,28. A taxa exata de estupro não é relatada em muitos países por várias razões, como medo de retaliação, questões socioculturais, estigma e inadequados serviços de assistência às vítimas26. Ademais, os outros tipos de violência sexual como assédio, exploração sexual e pornografia infantil são mais difíceis de serem comprovados na ausência de denúncia e de evidências, que por vezes colocam a vítima sob escrutínio, cabendo a ela o ônus da prova.
Uma revisão sistemática de dez anos da prevalência global de violência sexual mostrou que apesar de variações regionais, a agressão sexual é generalizada no mundo, e afeta homens, mulheres e população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros)29. Com isso, deve-se considerar que mesmo o número de notificações de estupro seja elevado, ainda não é real, uma vez que muitos casos ainda são subnotificados4.
Quanto às características dos agressores, observa-se que o maior número das notificações envolve violências causadas por amigos ou conhecidos da vítima, seguidos por desconhecidos. No entanto, ao somar os casos envolvendo pai, padrasto, namorado e cônjuge ao primeiro grupo mencionado, obnserva-se que mais da metade das agressões são perpetradas por conhecidos da vítima. Com isso, pode-se relacionar este resultado ao outro achado do presente estudo, o qual indica que a maioria dos casos de violência sexual ocorre na própria residência, onde frequentemente o agressor reside junto à vítima.
Os dados do presente estudo mostraram que a maior parte dos casos notificados precisou de atendimento ambulatorial e teve desfecho de alta hospitalar. Importante ressaltar que na assistência às vítimas de violência sexual deve-se prestar atendimento humanizado, com escuta especializada, respeitando a dignidade e não discriminação, garantindo sigilo e privacidade, evitando ainda mais danos físicos e psicológicos à vítima. Necessário realizar exame físico e ginecológico, com testes sorológicos, coleta de vestígios biológicos para fins legais, prescrição de medicamentos para evitar gestação e infecção sexualmente transmissível, além do atendimento psicológico e multiprofissional. Contudo, por vezes, o estupro como já mencionado não se limita a penetração, então torna-se necessário o atendimento individualizado em cada caso, especialmente entre crianças e adolescentes30. Os efeitos a longo prazo também precisam ser monitorados, incluindo os casos de denúncia ou notificação tardia.
Como limitações do presente estudo destaca-se a utilização de banco de dados secundários, com dados agregados. Estudos ecológicos são dependentes da qualidade dos dados disponíveis. O sistema também não apresenta todas as informações da ficha de violência sexual que seriam fundamentais para uma análise mais completa. Como são dados notificados, possivelmente as taxas são subestimadas. Contudo, este estudo traça um panorama nacional e a análise temporal permite verificar a piora do cenário de violência sexual no Brasil, principalmente contra mulheres, crianças e adolescentes. A análise destes indicadores pode auxiliar em campanhas de educação em saúde sexual e na formulação de políticas públicas na prevenção e atendimento das vítimas oportunamente.
Com base nos dados do presente estudo pode-se concluir houve aumento anual significativo dos casos de violência sexual no Brasil. O perfil das vítimas é majoritariamente composto por meninas, adolescentes ou crianças, de pele parda, cujo agressor tem relação próxima ou familiar. O problema da violência sexual no Brasil tem piorado ao longo do tempo, ou revela aumento no número de denúncias, com consequente aumento da notificação.
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Schuelter-Trevisol, F, Orige, I.A, Parma, G.O.C, Traebert, J., Traebert, E., Trevisol, D.J. Tendência temporal e distribuição espacial dos casos de violência sexual notificados no Brasil entre 2013 e 2022.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/ago). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencia-temporal-e-distribuicao-espacial-dos-casos-de-violencia-sexual-notificados-no-brasil-entre-2013-e-2022/19365?id=19365

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