0322/2024 - Um olhar sobre a saúde mental de familiares com entes desaparecidos: scoping review A look at the mental health of family members with missing loved ones: scoping review
Resumo
O objetivo da pesquisa foi analisar a literatura científica sobre a saúde mental de pessoas que possuem familiares desaparecidos. Estudo do tipo revisão de escopo, seguindo a metodologia do Instituto Joanna Briggs e do PRISMA-ScR. Utilizou-se as bibliotecas virtuais: Biblioteca Virtual em Saúde e National Library of Medicine (PubMed), e as bases de dados: SCOPUS, EMBASE, Web of Science e APA PsycNet. Selecionou-se 10 estudos e apreendeu-se dois eixos temáticos: “Os prejuízos à saúde mental de familiares que possuem entes desaparecidos” e “As estratégias utilizadas e apoio encontrado para o enfrentamento do desaparecimento”. O primeiro eixo discute como o sofrimento emocional e psíquico dos familiares de entes desaparecidos é evidente em todos os estudos apontados, sendo fortemente relacionado a Teoria da Perda Ambígua e a ocorrência de transtornos mentais. O segundo eixo, aponta estratégias para enfrentamento ao fenômeno do desaparecimento como a religião, a presença de laços familiares, a continuidade de projetos migratórios e a organização de programas e intervenções voltados a esse público. A revisão destaca que o sofrimento experienciado pelos familiares de entes desaparecidos pode ser profundo, complexo e diverso com repercussões na saúde mental desses indivíduos.
Palavras-chave:
Saúde Mental; Pessoas Desaparecidas; Luto; Saúde Pública; Colaboração Intersetorial.
Abstract:
The aim of the research was to analyze the scientific literature on the mental health of people who have missing family members. This was a scoping review study, in accordance with the Joanna Briggs Institute and the PRISMA-ScR. The following digital libraries were used: Virtual Health Library and National Library of Medicine (PubMed), and the databases: SCOPUS, EMBASE, Web of Science and APA PsycNet. 10 studies were selected and two thematic axes: “The damage to the mental health of family members who have missing loved ones” and “The strategies used and support found to cope with the disappearance”. The first axis discusses how the emotional and psychological suffering of family members of missing loved ones is evident in all the studies mentioned, being strongly related to the Ambiguous Loss Theory and the occurrence of mental disorders. The second axis points out strategies to combat the phenomenon of disappearance, such as religion, the presence of family ties, the continuity of migratory projects and the organization of programs and interventions aimed at this public. The review highlights that the suffering experienced by family members of missing loved ones can be profound, complex and diverse, with repercussions on the mental health of these people.
Keywords:
Mental Health; Missing Persons; Bereavement; Public Health; Intersectoral Collaboration.
Conteúdo:
INTRODUÇÃO
O desaparecimento de pessoas é um fenômeno comum e frequente em todo o mundo1. As circunstâncias do desaparecimento podem ser apreendidas como um "conjunto de fatores objetivos e/ou subjetivos relacionados ao momento do desaparecimento, e/ou às razões pelas quais os familiares da pessoa desaparecida não conseguem conhecer a sua sorte e o seu paradeiro"1 (p. 7).
O desaparecimento configura-se como um processo multicausal, o qual envolve três motivações para o contínuo não aparecimento da pessoa: 1) quando o desaparecimento ocorre devido a motivações pessoais, sendo um desaparecimento “voluntário” como, por exemplo, em situações de fuga do lar; 2) quando o desaparecimento se dá de modo “involuntário”, ou seja, sem que ocorra vontade própria como em casos de sequestro ou desaparecimentos por catástrofes naturais e 3) quando o indivíduo não possui consciência de sua condição de desaparecido como, por exemplo, em situações de imaturidade psicológica, falta de informações ou problemas relacionados a saúde mental e deficiências intelectuais importantes2.
Nesse sentido, milhares de pessoas desaparecem todos os dias a cada ano, vítimas do fenômeno desaparecimento. Na Austrália cerca de 53.000 pessoas desaparecem por ano3, em países como Grã-Bretanha e Estados Unidos esse número alcança, aproximadamente, 155.0004 e 521.0005, respectivamente. No Brasil, estima-se que esse número seja de aproximadamente 65.000, de acordo com os dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 20216.
Embora uma porcentagem expressiva de indivíduos retorne ao lar ou sejam localizados em aproximadamente uma semana, cerca de 86% das pessoas desaparecidas na Austrália conforme Bricknell7 e aproximadamente 50% no Brasil segundo fontes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública8, é significativo o número de pessoas que provavelmente permanecem desaparecidas por longos períodos, acima de seis meses9.
A lei 13.812/2019 institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, a qual cria o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas no Brasil e define o conceito de desaparecido como todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento10, mesmo que para efeitos legais, essa lei alcance somente indivíduos com idade inferior a 18 anos.
Estudos11,12 apontam que o desaparecimento, independentemente das circunstâncias, não afeta somente o indivíduo que vivencia esse fenômeno, mas também influencia a vida de familiares e amigos, visto que o impacto para aqueles que ficaram “para trás” pode ser profundo e sofrido. Com o desaparecimento, as famílias e amigos dedicam tempo, energia e recursos para a busca do ente desaparecido, e esse processo resulta na suspensão da vida particular e de elementos essenciais para a vivência do luto, resultando, portanto, em situações de risco, estresse e prejuízos à saúde física e mental desses familiares11.
De acordo com Canguilhem13 (p. 64) a saúde pode ser definida como “a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir normas novas em situações novas”, ou seja, a possibilidade de enfrentar novas situações e a tolerância ou segurança que cada indivíduo possui para arrostar e superar as adversidades do meio, tem-se que o entendimento de aspectos que circundam a saúde mental de familiares que possuem entes desaparecidos pode auxiliar no desenvolvimento de uma postura acolhedora e empática para com aqueles que sofrem esse fenômeno, auxiliando-os na busca de tolerância e resiliência.
Dessa forma, compreender como o desaparecimento de um indivíduo pode afetar a saúde mental de seus familiares é crucial para que o cuidado prestado pelos profissionais de saúde possa ser humanizado e integral, constituindo uma postura acolhedora das singularidades que cada pessoa apresenta em sua saúde mental, após experienciar o “ser deixado para trás”.
À vista do contexto acima apresentado, e pela não identificação de estudos de revisão que tratassem da temática saúde mental de familiares de pessoas desaparecidas, objetivou-se no presente estudo analisar a saúde mental de pessoas que possuem familiares desaparecidos com base na literatura científica.
MÉTODOS
Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo do tipo revisão de escopo (scoping review) que seguiu as recomendações do Instituto Joanna Briggs14 e do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)15. Realizou-se o registro do protocolo de revisão na plataforma Open Science Framework16. Assim, tem-se o seguinte registro: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/NAQ9M.
A escolha pela revisão de escopo deu-se por tratar-se de um tipo de estudo que atende a vários objetivos como: examinar a extensão (tamanho), alcance (variedade) e natureza (características) das evidências de um determinado tema ou questão; determinar a necessidade de se realizar uma revisão sistemática, pensando em estudos futuros sobre o assunto; resumir descobertas de um corpo de conhecimento; ou identificar lacunas na literatura a fim de cooperar no planejamento e execução de pesquisas futuras14.
Procedimento Metodológico
Para o desenvolvimento do estudo, empregaram-se as recomendações publicadas no Manual de Revisão do Instituto Joanna Briggs14, o qual estabelece as seguintes etapas a serem seguidas: (1) definir o objetivo e questão da pesquisa; (2) estabelecer os critérios de inclusão e exclusão; (3) determinar a estratégia para busca e extração de dados; (4) busca, seleção e análise das evidências; (5) síntese e apresentação dos resultados.
Questão de pesquisa e critérios de elegibilidade
Para a formulação da questão de pesquisa, utilizou-se o mnemônico PCC (População, Conceito e Contexto), em que P foi definido como os familiares com entes desaparecidos, C a Saúde Mental e C como o desaparecimento de pessoas, obtendo-se como questão norteadora do estudo: O que vem sendo publicado na literatura científica sobre a saúde mental dos familiares que possuem entes desaparecidos?
Os critérios de inclusão foram definidos a partir de busca prévia de estudos primários, secundários e documentos que abordassem a temática, assim, incluíram-se estudos disponíveis na íntegra independentemente do idioma; nas bibliotecas virtuais: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na National Library of Medicine (PubMed), e nas bases de dados SCOPUS, Web of Science, EMBASE (Elsevier), APA PsycNet; não foi estabelecido limite temporal. Dessa forma, como critérios de exclusão têm-se os estudos duplicados, não disponíveis na íntegra e aqueles que não atendessem a pergunta de pesquisa elaborada para essa revisão.
Estratégia de Busca e Extração de Dados
Para a determinação da estratégia de busca foram escolhidos os descritores controlados do Medical Subject Headings (MeSH)17 e do Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)17 adequados para as bases de dados mencionadas, assim como, adotaram-se também palavras-chave com o objetivo de ampliar a pesquisa e esgotar as possibilidades de busca.
Empregaram-se diferentes estratégias de busca, com o objetivo de adequar a busca às bases de dados utilizadas. O quadro 1 demonstra as estratégias elaboradas por intermédio dos descritores, palavras-chave e operadores booleanos AND e OR; apresenta o quantitativo de estudos encontrados e selecionados de acordo com a questão norteadora da pesquisa. As buscas foram realizadas nos meses de julho, agosto e setembro de 2022. A extração de dados foi realizada a partir da leitura na íntegra dos estudos selecionados.
Quadro 1 - Estratégias de busca utilizadas nas bases de dados e bibliotecas virtuais
Fonte: elaborado pelos autores
Seleção e análise das evidências
Utilizou-se o aplicativo online Rayyan Qatar Computing Research Institute – Rayyan QCRI18 para organização e seleção dos estudos.
A seleção dos artigos foi realizada por duas pesquisadoras de maneira independente, sendo que dúvidas e impasses em relação aos achados da pesquisa foram discutidos com uma terceira pesquisadora buscando-se dessa forma um consenso nas decisões sobre os estudos.
O processo de seleção se deu em três etapas. Inicialmente, foi realizada a exclusão dos artigos duplicados. Posteriormente, foi realizada a leitura dos títulos e resumos encontrados nas bases de dados com o fito de selecionar aqueles que respondiam a pergunta norteadora do estudo. Realizada essa prévia seleção, os artigos que possuíam títulos e resumos incompatíveis com o objetivo da pesquisa foram excluídos e aqueles que, preliminarmente, responderíam à questão de pesquisa, mantidos. Na terceira etapa de seleção, foi feita a leitura na íntegra dos artigos selecionados anteriormente com o objetivo de confirmar se os artigos responderiam à questão norteadora da pesquisa.
Foram identificados 820 estudos durante o processo inicial de busca. A partir da primeira análise, excluíram-se 343 estudos por duplicidade, obtendo-se 477 estudos para leitura de título e resumo. Posteriormente, duas pesquisadoras, de forma independente, realizaram a seleção dos artigos a partir da questão norteadora, dos critérios de inclusão e exclusão e da leitura na íntegra dos referidos trabalhos. Chegou-se, portanto, a 10 estudos que respondiam à pergunta de pesquisa. (Figura 1).
Figura 1 - Sistematização das etapas e resultados dos estudos incluídos na revisão de escopo
Fonte: elaborado pelos autores conforme recomendações do PRISMA-ScR, 2020.
No processo de análise das evidências, extraíram-se as informações com a utilização dos itens propostos pelo Joanna Briggs Institute16 e essas foram apresentadas de maneira sumarizada em um quadro contemplando referências, ano de publicação, idioma, país, tipo de estudo, população, objetivo, principais resultados e conclusões.
Após a identificação e sumarização dos principais resultados foi realizada análise a partir da questão norteadora do estudo e a luz da literatura científica atual. Durante essa fase, foram desenvolvidas tabelas para sistematizar os principais eixos temáticos e as contribuições de cada artigo, além de reuniões online, com três pesquisadoras para discussões acerca dos pontos de convergência e divergência entre os conteúdos dos artigos selecionados. Da análise surgiram dois eixos temáticos destacando os prejuízos à saúde mental e as estratégias de apoio aos familiares diante do fenômeno do desaparecimento.
RESULTADOS
Os 10 estudos identificados foram publicados entre os anos de 2012 e 2021, nos idiomas: inglês, espanhol, português e alemão, nos países: Alemanha (n=1), Austrália (n=1), Brasil (n=1), Itália (n=1), Países Baixos (n=3), Peru (n=1) e Suíça (n=2). Em relação ao tipo de estudo 04 caracterizavam-se como pesquisa quantitativa (01 análise de regressão, 01 análise de mediação, 01 coorte retrospectivo e 01 análise descritiva); 02 como pesquisa qualitativa (01 estudo de casos múltiplos e 01 estudo de caso); 01 documento técnico; 01 revisão de literatura; 01 estudo documental; e 01 estudo piloto. Os contextos estudados foram diversos, compreendendo: Desaparecimento geral; Desaparecimento no cenário de Migração; Conflito armado; Contexto de Violência; Guerra Civil; e Desaparecimento forçado. As características dos estudos, assim como os resultados principais estão apresentados no Quadro 2.
Quadro 2- Caracterização dos artigos incluídos na revisão de escopo
Fonte: elaborado pelos autores
DISCUSSÃO
A partir da análise dos estudos selecionados, apreenderam-se dois eixos temáticos: Os prejuízos à saúde mental de familiares que possuem entes desaparecidos; e As estratégias utilizadas e apoio encontrado para o enfrentamento do desaparecimento.
Os prejuízos à saúde mental de familiares que possuem entes desaparecidos
Os estudos demonstram que o desaparecimento do ente querido pode ocorrer em diversos contextos, dentre eles: desaparecimento no contexto de guerra, conflito armado19, situação de violência20, migração21 e em épocas de paz ou ausência de conflitos (desaparecimento geral). Os estudos apontam para a ocorrência de sofrimento mental em familiares de pessoas desaparecidas, independente do contexto em que o desaparecimento ocorreu.
O sofrimento mental manifestado, em grande parte dos estudos, está relacionado a Perda Ambígua20, 22, 23, 24, 25, 21. A teoria da Perda Ambígua foi proposta por Pauline Boss, sendo definida como “uma situação de perda pouco clara, resultante de não se saber se um ente querido está vivo ou morto, ausente ou presente”26. Desse modo, tem-se que a perda ambígua é o tipo mais estressante de perda, visto que desafia a resolução, ou seja, sua resolução configura-se como um desafio, pois diferentemente da morte, não há verificação oficial da perda, e, dessa maneira, não há a realização de rituais de apoio ao luto27. O experienciar a perda ambígua pode criar percepções confusas sobre os papéis familiares e sobre quem está dentro desse núcleo ou não26.
A perda ambígua relaciona-se a dois problemas base. O primeiro, refere-se ao problema estrutural que pode resultar da perda de um ente querido, levando-se a ambiguidade dos limites, pouca definição dos papéis familiares desempenhados, além das decisões e continuidade das tarefas diárias. O segundo, refere-se a uma questão psicológica, quando existem sentimentos de desesperança e ambivalência, que levam ao sentimento de culpa, imobilização, passividade, ansiedade e depressão26. Assim, tem-se que a perda ambígua não é apenas um fator individual, mas sim uma desordem coletiva, pois há comprometimento da natureza das relações entre o desaparecido e as pessoas que "ficam para trás"28.
Existem duas situações de perda ambígua, uma em que o indivíduo está fisicamente presente, porém psicologicamente ausente; e outra, na qual o ente querido está fisicamente ausente, porém mantido psicologicamente presente, pois é desconhecido seu status de morto ou vivo26. O desaparecimento de pessoas enquadra-se no segundo tipo citado.
Nessa perspectiva, o sofrimento mental de familiares com entes desaparecidos provém do desconhecimento e da incerteza, que provocam o sentimento de não saber o que fazer e o que pensar. Em paralelo a esse processo, a ausência da comprovação de morte impossibilita a realização de ritos de passagens para elaboração da perda, atribuição de significados, fatores importantes para o processo de luto29. A dinâmica e o desenvolvimento gradativo da família se congela, tendo como resultados a negação da perda e a manutenção da esperança.
O desconhecimento dos fatos e a incerteza podem produzir traumas, eventos não simbolizados, sendo que a expectativa do reaparecimento do ente desaparecido, por vezes, pode tornar-se “obsessiva”, dolorosa, pairando sobre a vida dos familiares, em um fenômeno denominado como “lembrança ultra presente”30, 19.
A “lembrança ultra presente” é uma memória de repetição causada pela incerteza, uma lembrança composta pela preocupação em relação ao que o ente querido possa estar passando, uma recordação coletiva e constante do desaparecimento e a esperança de um possível retorno30. Esses fatores, como apontado no estudo de Patiño e Lamego19 impossibilitam o processo de luto.
Nessa lógica, o luto não está ligado apenas à morte, seu processo relaciona-se à separação possivelmente permanente de alguém ou algo que apresenta uma grande importância afetiva31. O processo de luto é importante para o indivíduo e para sociedade e a sua elaboração muitas vezes se dá pela busca da verdade, pelos esclarecimentos, pela sensação de que a justiça foi realizada, pela atribuição de significados ao acontecimento da perda32.
Assim, os sentimentos e processo de “luto mal resolvido” estão relacionados ao conceito da “perda ambígua” referindo-se ao impedimento do processo do luto pela impossibilidade de clareza e resolução da perda26. Desse modo, tem-se o transtorno de luto prolongado, citado em diferentes estudos que compõem esta revisão de escopo20, 23, 33, 34, 25, 32, 24.
O transtorno de luto prolongado é definido como um distúrbio no qual, após a vivência de perda de um ente querido, há uma resposta de luto generalizada e persistente, a qual é acompanhada de saudade do indivíduo, preocupação constante, intensa dor emocional que se dá a partir da tristeza, culpa, raiva, incapacidade de experienciar humor positivo, além de dificuldade em se envolver e executar atividade sociais e diárias. O referido transtorno possui uma resposta de luto em um período atipicamente longo (mais de 6 meses), desse modo, a situação pode levar a prejuízo significativo no funcionamento pessoal, familiar, social, educacional e ocupacional do parente do ente desaparecido35.
Os estudos de Patiño, et al.19 e Mazzarelli, et al.21 destacam o impacto negativo que o desaparecimento ocasionou nos familiares ou amigos de pessoas desaparecidas devido à violência, ocorrendo uma maior gravidade na presença de sintomas depressivos e de luto prolongado quando comparadas a pessoas enlutadas ou com perdas confirmadas.
Outro fator identificado, em pessoas com entes desaparecidos, foi a ocorrência e qualidade dos pensamentos contrafactuais, pensamentos em geral espontâneos e recorrentes, de possibilidades alternativas para eventos que já ocorreram36. O estudo de Kennedy et al.25 identificou forte relação entre pensamentos contrafactuais e a ocorrência de sintomas de transtorno do luto prolongado, transtorno de estresse pós-traumático e sofrimento psicológico.
O pensamento contrafactual apresenta qualidades ascendentes (pensamento com possibilidades mais positivas para o fato ocorrido) e descendentes (pensamento como possibilidades menos positivas para o fato ocorrido). Kennedy et al.25 também identificou que os contrafactuais descendentes não foram associados ao sofrimento psicológico ou reações do transtorno do luto prolongado, sendo positivamente relacionados à mudanças psicológicas positivas após um evento adverso.
Além das perspectivas citadas anteriormente, estudos22, 19, 24 citam a influência do cenário econômico e social e sua relação com o sofrimento mental, uma vez que a insegurança financeira, assim como a ausência de apoio jurídico, administrativo, psicológico, psicossocial e o reconhecimento de justiça configuram-se em condições que potencializam o sofrimento emocional dos familiares.
Ademais, identificou-se a presença de sintomas físicos, como dores de cabeça, dores no corpo, quadros de insônia, sobretudo em contextos de violência, como nos casos de sequestros, guerras e contextos migratórios19, 21. A dor emocional/psíquica desencadeia também dores e alterações orgânicas apresentando como evento base desencadeador o desaparecimento do ente querido.
O estudo de Comtesse e colaboradores37 desenvolveu o “Ambiguous Loss Inventory Plus”, um inventário para avaliar reações psicológicas específicas à perda ambígua em pessoas com entes desaparecidos. O instrumento pode auxiliar na identificação das diversas reações psicológicas exacerbadas, que podem desencadear sofrimento mental, conforme destacado nos estudos incluídos na presente revisão.
O contexto de violência presenciado pelas famílias vítimas do desaparecimento forçado (tipo de desaparecimento relacionado à privação de liberdade de uma pessoa ocasionada por ações de membros ou agentes de um Estado38, 32) estão associadas a quadros de alcoolismo e ansiedade crônica³?, silenciamento, raiva, desespero, exaustão, pensamentos suicidas e alterações no apetite, além de sentimentos como impunidade32 e sensação de desproteção, perda de direitos e extrema vulnerabilidade frente ao Estado perpetrador19.
Embora diferentes estudos tenham contribuído para a compreensão dos diversos impactos à saúde mental e à vida das famílias dos desaparecidos em situações de violência como conflitos armados e guerra civil, por exemplo, nota-se a carência de estudos, principalmente nacionais, que verifiquem as implicações na saúde mental dos familiares de desaparecidos em um contexto de violência urbana.
A violência urbana, ligada por exemplo ao crime organizado, ao tráfico de drogas, às ações de milícias e muitas vezes perpetrada pela própria polícia é frequente nos centros urbanos e periferias brasileiras, atingindo com maiores proporções populações com condições socioeconômicas desfavoráveis, vulneráveis, principalmente a população negra39. Este contexto relaciona-se a processos de precarização de serviços públicos (da saúde à segurança pública), segregação, racismo estrutural, violação de direitos humanos e subversão da dignidade humana40. Como o estado brasileiro apresenta uma política específica de busca de pessoas desaparecidas, destaca-se assim a necessidade de estudos que possam abordar os impactos do desaparecimento de pessoas no contexto de violência urbana, assim como o cuidado a seus familiares.
As estratégias utilizadas e apoio encontrado para o enfrentamento do desaparecimento.
Os estudos analisados apontaram possibilidades de enfrentamento do sofrimento mental ocasionado pelo desaparecimento de um ente querido.
Nesse sentido, o estudo de Mazarelli et al.21 indicou que fatores de resiliência dos participantes, como a religião, a busca pela pessoa desaparecida, a presença de laços familiares e a continuação do projeto migratório na busca de melhores condições de vida, auxiliaram os participantes no enfrentamento do sofrimento que sentiam.
Destaca-se também a atenção que deve-se ter a fatores de proteção, os quais podem influenciar o processo de luto e a saúde mental dos indivíduos. Assim, um fator de proteção que tem sido estudado é a autocompaixão, a qual pode ser definida como um conjunto de atitudes que promovem uma abertura da pessoa ao sofrimento vivenciado, compreendendo-o como inerente à experiência humana. A autocompaixão evita uma autocrítica severa e permite o desenvolvimento dos sentimentos de bondade e auto-respeito41, 23.
O estudo de Lenferink et al.23 buscou relacionar as associações entre autocompaixão e níveis de luto prolongado, depressão e transtorno de estresse pós-traumático entre pessoas confrontadas com o desaparecimento de um ente querido. Lenferink et al.23 por meio de um estudo correlacional, identificaram significativa e negativa associação entre a autocompaixão e a ocorrência de depressão, transtorno de estresse pós-traumático e luto prolongado. Os resultados do estudo sugerem que pessoas com atitudes de mais autocompaixão são menos propensas a manifestar pensamentos ruminantes relacionados ao desaparecimento do ente querido, atenuando a ocorrência de psicopatologias como a depressão e o transtorno do estresse pós-traumático.
Foram identificados também estudos que tratavam da organização de intervenções e programas voltados ao atendimento de familiares com entes desaparecidos24, 38.
O estudo de Andersen et al.24 apresentou um programa desenvolvido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha no Sri Lanka para atendimento de familiares de pessoas desaparecidas, por meio de um acompanhamento nas dimensões jurídicas, administrativas e psicossociais, objetivando apoiar e fortalecer esses familiares na retomada de suas vidas.
As intervenções realizadas contemplaram: 1) realização de visitas domiciliares individuais e encaminhamentos aos serviços da rede de apoio; 2) oito sessões de grupos de apoio que objetivaram a conceituação, identificação e reconstrução do sistema familiar, refletindo sobre o conceito de perda ambígua, reações esperadas e mecanismos de enfrentamento a partir do contexto social e cultural de cada família; e 3) ações de envolvimento e apoio da comunidade local24.
O estudo de Andersen et al.24 identificou significativa diminuição de níveis de ansiedade, depressão, sintomas somáticos e melhora da funcionalidade entre familiares de pessoas desaparecidas que participaram das atividades do programa e relacionam ao fato do mesmo ser organizado a partir de atividades de grupo de pares, ou seja, pela participação de pessoas das comunidades locais, de familiares que já haviam sido atendidos no programa, o que permitiu uma maior vinculação, empatia, identificação e acolhimento para com os familiares que estavam sendo apoiados, rompendo com o isolamento social dos mesmos.
As experiências relatadas por Andersen et al.24 destacam o envolvimento dos indivíduos e das comunidades no desenvolvimento de atividades de cuidado mais ativas e coletivas, enfatizando a importância da vivência coletiva da experiência do luto. Essa perspectiva corrobora com a reflexão feita por Rente e Merhy42 sobre as dificuldades de nossa sociedade contemporânea em lidar com o luto, desvalorizando rituais, processos de passagem, e como o contexto da Pandemia COVID-19 manifestou a necessidade de valorização do caráter coletivo da vivência do luto e dos processos para sua elaboração, fatores também destacados em outro estudo29, 43.
No Peru, o Ministério da Saúde, levando em consideração o período de violência vivenciado entre 1980 e 2000, que causou importantes impactos psicossociais na vida da população peruana, lançou em 2012 um documento técnico com o objetivo de fornecer ferramentas metodológicas à profissionais de saúde para acompanhamento individual, comunitário e social de familiares de pessoas desaparecidas em contexto de violência armada38. Apesar de citar que o objetivo foi fornecer ferramentas metodológicas, a análise do documento fornece diretrizes para o desenvolvimento de um programa específico voltado para o atendimento de familiares de pessoas desaparecidas que deverá ser desenvolvido em postos e centros de saúde e que contará com equipe treinada e capacitada no atendimento psicossocial, identificando também os casos de pessoas que necessitam de atendimento em saúde mental mais específico.
Ademais, o estudo de Hofmeister et al.22 indica a contribuição da ação forense (reconhecimento de corpos) para o enfrentamento das adversidades vivenciadas pelos familiares de pessoas desaparecidas. Dessa forma, tem-se que o foco da ação forense concentra-se no indivíduo desaparecido e seus familiares; os atos, portanto, são empregados de modo a possibilitar: (1) a manutenção da dignidade humana do indivíduo desaparecido, oportunizando assim, o seu reconhecimento e desfecho; e (2) aliviar o sofrimento de parentes, viabilizando a vivência do luto e o encerramento de ciclos.
À vista do exposto, são diversas as estratégias que podem ser empregadas para apoio e enfrentamento do desaparecimento de um querido por familiares. A importância dessas ações pauta-se em construir possibilidades para que os familiares encontrem meios de retornar às atividades diárias e sociais, isto é, para que a sua atenção e vivência sejam voltados para a vida presente e valorização própria. Tais estratégias visam a compreensão do fenômeno do desaparecimento na vida de seus familiares e a busca pelo restabelecimento dos papéis desempenhados no núcleo familiar.
LIMITAÇÕES
Considera-se como limitação do estudo a impossibilidade de acessar alguns estudos na íntegra, pela indisponibilidade de acesso livre em algumas bases de dados utilizadas, os quais poderiam compor informações relevantes para o tema estudado.
CONCLUSÕES
Com esta revisão de escopo, foi possível compreender que o sofrimento experienciado pelos familiares de entes desaparecidos pode ser profundo, complexo, diverso e com repercussões na saúde mental desses indivíduos. Nessa perspectiva, torna-se importante o reconhecimento das necessidades de saúde mental dessa população, bem como o emprego de estratégias que possibilitem o enfrentamento desses problemas, além de circunstâncias que oportunizem o acesso e a continuação dessas ações. Pesquisas futuras são necessárias para compreender a trajetória desses familiares na rede de saúde e o papel da enfermagem no auxílio a essas pessoas.
RELEVÂNCIA PARA A PRÁTICA CLÍNICA
A presente revisão contribui para o conhecimento acerca do impacto que o fenômeno do desaparecimento pode causar na saúde mental de pessoas com entes queridos desaparecidos, abordando também estratégias e experiências de cuidado, realizadas em diferentes países. O conhecimento produzido poderá auxiliar profissionais de saúde e também dirigentes de políticas públicas de saúde e sociais, na organização de programas para prestação de cuidados às pessoas que vivenciam o fenômeno do desaparecimento.
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A look at the mental health of family members with missing loved ones: scoping review
Resumo (abstract):
The aim of the research was to analyze the scientific literature on the mental health of people who have missing family members. This was a scoping review study, in accordance with the Joanna Briggs Institute and the PRISMA-ScR. The following digital libraries were used: Virtual Health Library and National Library of Medicine (PubMed), and the databases: SCOPUS, EMBASE, Web of Science and APA PsycNet. 10 studies were selected and two thematic axes: “The damage to the mental health of family members who have missing loved ones” and “The strategies used and support found to cope with the disappearance”. The first axis discusses how the emotional and psychological suffering of family members of missing loved ones is evident in all the studies mentioned, being strongly related to the Ambiguous Loss Theory and the occurrence of mental disorders. The second axis points out strategies to combat the phenomenon of disappearance, such as religion, the presence of family ties, the continuity of migratory projects and the organization of programs and interventions aimed at this public. The review highlights that the suffering experienced by family members of missing loved ones can be profound, complex and diverse, with repercussions on the mental health of these people.
Palavras-chave (keywords):
Mental Health; Missing Persons; Bereavement; Public Health; Intersectoral Collaboration.
A look at the mental health of family members with missing loved ones: scoping review
Um olhar sobre a saúde mental de familiares com entes desaparecidos: scoping review
Yzabela Yara de Souza Legramante¹
ylegramante@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-8745-6884
Poliana Silva de Oliveira¹
polianasilvaoliveirat@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-3197-6017
Priscila Norié Araujo-Betetti¹
priscila.araujo@usp.br
https://orcid.org/0000-0003-0259-5880
Felipe Lima dos Santos1,2
felipe.lima.fs@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5606-9478
Karen da Silva Santos1,3
karen-web@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5829-5882
Cinira Magali Fortuna¹
fortuna@eerp.usp.br
https://orcid.org/0000-0003-2808-6806
¹ Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 Laboratoire École, Mutations, Apprentissages da CY Cergy Paris Université.
3 Laboratoire Éducation et Diversité en Espaces Francophones da Université de Limoges.
Statement of Funding
This research was funded by the Unified Scholarship Program to Support the Training of Undergraduate Students (PUB) of the University of São Paulo\'s Departments of Undergraduate Studies, Research and Innovation, Culture and University Extension and Inclusion and Participation, process number PUB-Pesquisa - 2021/1761, and by the Research Productivity Scholarship of the National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) PQ-1D, process number 317384/2021-0.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Finance Code 001.
Conflict of Interest Statement
The authors responsible for this study declare that they have no conflict of interest of any kind: personal, commercial, academic, political or financial.
Resumo
O objetivo da pesquisa foi analisar a literatura científica sobre a saúde mental de pessoas que possuem familiares desaparecidos. Estudo do tipo revisão de escopo, seguindo a metodologia do Instituto Joanna Briggs e do PRISMA-ScR. Utilizou-se as bibliotecas virtuais: Biblioteca Virtual em Saúde e National Library of Medicine (PubMed), e as bases de dados: SCOPUS, EMBASE, Web of Science e APA PsycNet. Selecionou-se 10 estudos e apreendeu-se dois eixos temáticos: “Os prejuízos à saúde mental de familiares que possuem entes desaparecidos” e “As estratégias utilizadas e apoio encontrado para o enfrentamento do desaparecimento”. O primeiro eixo discute como o sofrimento emocional e psíquico dos familiares de entes desaparecidos é evidente em todos os estudos apontados, sendo fortemente relacionado a Teoria da Perda Ambígua e a ocorrência de transtornos mentais. O segundo eixo, aponta estratégias para enfrentamento ao fenômeno do desaparecimento como a religião, a presença de laços familiares, a continuidade de projetos migratórios e a organização de programas e intervenções voltados a esse público. A revisão destaca que o sofrimento experienciado pelos familiares de entes desaparecidos pode ser profundo, complexo e diverso com repercussões na saúde mental desses indivíduos.
Palavras-chave: Saúde Mental; Pessoas Desaparecidas; Luto; Saúde Pública; Colaboração Intersetorial.
Abstract
The aim of the research was to analyze the scientific literature on the mental health of people who have missing family members. This was a scoping review study, in accordance with the Joanna Briggs Institute and the PRISMA-ScR. The following digital libraries were used: Virtual Health Library and National Library of Medicine (PubMed), and the databases: SCOPUS, EMBASE, Web of Science and APA PsycNet. 10 studies were selected and two thematic axes: “The damage to the mental health of family members who have missing loved ones” and “The strategies used and support found to cope with the disappearance”. The first axis discusses how the emotional and psychological suffering of family members of missing loved ones is evident in all the studies mentioned, being strongly related to the Ambiguous Loss Theory and the occurrence of mental disorders. The second axis points out strategies to combat the phenomenon of disappearance, such as religion, the presence of family ties, the continuity of migratory projects and the organization of programs and interventions aimed at this public. The review highlights that the suffering experienced by family members of missing loved ones can be profound, complex and diverse, with repercussions on the mental health of these people.
Keywords: Mental Health; Missing Persons; Bereavement; Public Health; Intersectoral Collaboration.
INTRODUCTION
The disappearance of individuals is a common and frequent phenomenon throughout the world1. The circumstances of their disappearance may be understood as a “set of objective and/or subjective factors related to the moment of disappearance, and/or to the reasons why the relatives of the missing persons are unable to discover their fate and whereabouts”1 (p. 7).
Disappearance is a multi-causal process which involves three motivations for the continuous non-appearance of the individual: 1) when the disappearance occurs due to personal reasons, in other words a “voluntary” disappearance, for example, in a situation where the person runs away from home; 2) when the disappearance is “involuntary”, in other words, against their will, for example, in cases of kidnapping or disappearance due to a natural disaster; and 3) when the individual is unaware of their condition as a missing person, for example, in situations of psychological immaturity, lack of information or problems related to mental health and significant intellectual disabilities2.
In this respect, thousands of people disappear every day of every year, victims of the disappearance phenomenon. In Australia, around 53,000 people go missing every year3, while in countries such as Great Britain and the United States, the figure is approximately 155,0004 and 521,0005 respectively. In Brazil, it is estimated that this number is around 65,000, according to data released by the Brazilian Public Security Yearbook in 20216.
Although a significant percentage of individuals return home or are located within a week or so - around 86% of missing persons in Australia according to Bricknell7 and around 50% in Brazil according to sources in the Brazilian Public Security Yearbook8 - the number of people who are likely to remain missing for long periods of more than six months is significant9.
Law 13.812/2019 established the National Policy for the Search for Missing Persons, which creates the National Register of Missing Persons in Brazil and defines the concept of missing person as any human being whose whereabouts are unknown, regardless of the cause of their disappearance10, even though for legal purposes this law only covers individuals under the age of 18.
Studies11,12 show that disappearance, regardless of the circumstances, not only affects the individual who experiences this phenomenon, but also influences the lives of family and friends, since the impact on those left “behind” can be profound and painful. With the disappearance, families and friends dedicate time, energy and resources to the search for the missing person, and this process results in the suspension of private life and essential elements for the process of mourning, thus resulting in situations of risk, stress and damage to the physical and mental health of these family members11.
According to Canguilhem13 (p. 64), health can be defined as “the possibility of tolerating infractions of the usual norm and of instituting new norms in new situations”, in other words, the possibility of facing new situations and the tolerance or self-assurance inherent to each individual in order to face and overcome the adversities of the environment. Understanding the aspects that surround the mental health of family members who have missing loved ones can help develop a welcoming and empathetic attitude towards those who suffer this phenomenon, thereby helping them in their search for tolerance and resilience.
Consequently, understanding how the disappearance of an individual can affect the mental health of their family members is crucial if the care provided by health professionals is to be humanized and comprehensive, providing a welcoming approach to the singularities that each person\'s mental health presents after experiencing “being left behind”.
In the light of the above, and given the lack of review studies dealing with the mental health of family members of missing persons, the aim of this study is to analyze the mental health of persons with missing family members based on scientific literature.
METHODS
Type of Study
This is a scoping review that follows the recommendations of the Joanna Briggs Institute14 and the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)15. The review protocol has been registered on the Open Science Framework platform16. The registration is as follows: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/NAQ9M.
A scoping review was chosen because it is a type of study that meets various objectives, such as: examining the extent (size), range (variety) and nature (characteristics) of the evidence on a particular topic or issue; determining the need to carry out a systematic review, with a view to future studies on the subject; summarizing findings from a body of knowledge; or identifying gaps in the literature in order to cooperate in the planning and execution of future research14.
Methodological Procedure
For the preparation of the study, the recommendations published in the Joanna Briggs Institute Review Manual14 were used, which establishes the following steps to be followed: (1) define the objective and issue of the research; (2) establish the inclusion and exclusion criteria; (3) determine the strategy for searching and extracting data; (4) search, select and analyze the evidence; (5) summarize and submit the results.
Research question and eligibility criteria
To formulate the question of research, the mnemonic PCC (Population, Concept and Context) was used, in which P was defined as family members with missing loved ones, C as Mental Health and C as the disappearance of individuals, resulting in the study\'s guiding question: What has been published in scientific literature on the mental health of family members with missing loved ones?
The criteria for inclusion were defined on the basis of a prior search for primary and secondary studies and documents on the subject, which included studies available in full, regardless of language, in the following virtual libraries: Virtual Health Library (BVS) and National Library of Medicine (PubMed), and in the databases SCOPUS, Web of Science, EMBASE (Elsevier), APA PsycNet; no time limit was set. The exclusion criteria were duplicate studies, those not available in full and those which did not meet the research question set for this review.
Search Strategy and Extraction of Data
In order to determine the search strategy, controlled descriptors were chosen from the Medical Subject Headings (MeSH)17 and the Descriptors in Health Sciences (DeCS)17 suitable for the databases mentioned, and keywords were also adopted in order to broaden the search and exhaust the search possibilities.
Different search strategies were used in order to adapt the search to the databases used. Table 1 shows the strategies developed using descriptors, keywords and Boolean operators AND and OR; it presents the number of studies found and selected according to the research question. The searches were carried out in July, August and September 2022. Data were extracted by reading the selected studies in their entirety.
Table 1 – Search strategies used in the data bases and virtual libraries
Source: prepared by the authors
Selection and analysis of the evidence
The online app Rayyan Qatar Computing Research Institute - Rayyan QCRI18 was used to organize and select the studies.
The selection of articles was carried out independently by two researchers, and any doubts or difficulties in relation to the research findings were discussed with a third researcher in order to reach a consensus on the decisions regarding the studies.
The selection process took place in three stages. Initially, duplicate articles were excluded. Subsequently, the titles and abstracts found in the databases were read in order to select those that answered the study\'s guiding question. Once this selection had been made, articles with titles and abstracts that were incompatible with the objective of the research were excluded, and those that provided preliminary answers to the research question were maintained. In the third selection stage, the previously selected articles were read in full in order to confirm that they answered the overriding research question.
A total of 820 studies were identified during the initial search process. From the first analysis, 343 studies were excluded due to duplication, resulting in 477 studies which were read for title and abstract. Subsequently, two researchers independently selected the articles based on the guiding question, the criteria for inclusion and exclusion and the full text of the papers. This resulted in 10 studies that answered the research question (Figure 1).
Figure 1 - Systematization of the stages and results of the studies included in the scoping review
Source: prepared by the authors following recommendations of PRISMA-ScR, 2020.
In the process of analyzing the evidence, information was extracted using the items proposed by the Joanna Briggs Institute16 and presented in summarized form in a table including references, year of publication, language, country, type of study, population, objective, principal results and conclusions.
After identifying and summarizing the main results, an analysis was carried out based on the study\'s overriding question and in the light of current scientific literature. During this stage, tables were drawn up to systematize the main themes and the contributions of each article, as well as online meetings with three researchers to discuss the points of convergence and divergence between the contents of the chosen articles. Two thematic axes emerged from the analysis, highlighting the damage to mental health and strategies to support family members in the face of the phenomenon of disappearance.
RESULTS
The 10 studies identified were published between 2012 and 2021, in English, Spanish, Portuguese and German, in the following countries: Germany (n=1), Australia (n=1), Brazil (n=1), Italy (n=1), the Netherlands (n=3), Peru (n=1) and Switzerland (n=2). With regard to the type of study, 4 were characterized as quantitative research (1 regression analysis, 1 mediation analysis, 1 retrospective cohort and 1 descriptive analysis); 2 as qualitative research (1 multiple case study and 1 case study); 1 technical document; 1 literature review; 1 documentary study; and 1 pilot study. The contexts studied were diverse, including: General Disappearance; Disappearance in a Migration Setting; Armed Conflict; Context of Violence; Civil War; and Enforced Disappearance. The characteristics of the studies, as well as the main results, are shown in Table 2.
Table 2- Characterization of the articles included in the scoping review
Source: prepared by the authors
DISCUSSION
The analysis of the studies chosen revealed two thematic axes: The damage to the mental health of family members who have missing loved ones; and The strategies used and support encountered in coping with the disappearance.
The damage to the mental health of family members who have missing loved ones
Studies show that the disappearance of a loved one can occur in various contexts, including: disappearance in the context of a war, armed conflict19, violence20, migration21 and in times of peace or absence of conflict (disappearance in general). Studies point to the occurrence of mental suffering in relatives of missing persons, regardless of the context in which the disappearance occurred.
The mental suffering experienced in most studies is related to Ambiguous Loss20, 22, 23, 24, 25, 21. The theory of Ambiguous Loss was proposed by Pauline Boss and is defined as “a situation of uncertain loss, resulting from not knowing whether a loved one is alive or dead, absent or present”26. Thus, ambiguous loss is the most stressful type of loss, since it defies resolution, that is, its resolution is a challenge, because unlike death, there is no official verification of the loss, and thus no rituals to support mourning27. Experiencing ambiguous loss can create confusing perceptions about family roles and who is or is not part of the family nucleus26.
Ambiguous loss is related to two basic problems. The first refers to the structural problem that can result from the loss of a loved one, leading to ambiguity of limits, lack of definition of the family roles involved, as well as decisions and continuity of daily tasks. The second refers to a psychological issue, when there are feelings of despair and ambivalence, which lead to feelings of guilt, immobility, passivity, anxiety and depression26. Thus, ambiguous loss is not just an individual factor, but a collective disorder, since the nature of the relationship between the missing person and the persons “left behind” is compromised28.
There are two situations of ambiguous loss: one in which the individual is physically present but psychologically absent, and the other in which the loved one is physically absent but psychologically present, since their status as dead or alive is unknown26. The disappearance of individuals falls under the second type mentioned.
From this perspective, the mental suffering of family members with missing loved ones stems from the lack of knowledge and uncertainty, which causes the feeling of not knowing what to do and what to think. In parallel to this process, the absence of proof of death makes it impossible to carry out rites of passage to deal with the loss and assign meanings, which are important factors in the mourning process29. The family\'s dynamic and gradual development become frozen, resulting in the denial of the loss and the maintenance of hope.
Ignorance of the facts and uncertainty can produce traumas, events that are not symbolized, and the expectation of the reappearance of the missing person can sometimes become “obsessive”, painful, looming over the life of the family members, in a phenomenon called “ultra-present remembrance” 30,19.
The “ultra-present remembrance” is a memory of repetition caused by uncertainty, a memory made up of anxiety about what the loved one might be suffering, a collective and constant remembrance of the disappearance and the hope of a possible return30. These factors, as pointed out in the study by Patiño and Lamego19, make the mourning process impossible.
According to this logic, mourning is not only linked to death; its process is related to the possibly permanent separation from someone or something of great emotional importance31. The process of mourning is important for the individual and for society, and its development is often due to the search for the truth, clarification, the feeling that justice has been done, and the attribution of meaning to the loss32.
Thus, the feelings and process of “poorly resolved grief” are related to the concept of “ambiguous loss”, referring to the impediment of the mourning process due to the impossibility of clarity and resolution of the loss26. This leads to prolonged grief disorder, which has been mentioned in different studies that make up this scoping review20, 23, 33, 34, 25, 32, 24.
Prolonged grief disorder is defined as a disorder in which, after experiencing the loss of a loved one, there is a generalized and persistent grief response, which is accompanied by longing for the individual, constant worry, intense emotional pain based on sadness, guilt, anger, inability to experience a positive mood, as well as difficulty in getting involved and carrying out social and daily activities. This disorder has a mourning response over an unusually long period (more than 6 months), so the situation can lead to significant impairment in the personal, family, social, educational and occupational functioning of the relative of the missing loved one35.
The studies by Patiño et al.19 and Mazzarelli et al.21 emphasize the negative impact that the disappearance has on the family members or friends of people who have disappeared due to violence, with greater severity in the presence of depressive symptoms and prolonged grief when compared to persons bereaved or with losses confirmed.
Another factor identified in persons with missing loved ones was the occurrence and quality of counterfactual thoughts, which are generally spontaneous and recurrent thoughts of alternative possibilities for events that have already occurred36. The study by Kennedy et al.25 identified a strong relationship between counterfactual thoughts and the occurrence of symptoms of prolonged grief disorder, post-traumatic stress disorder and psychological distress.
Counterfactual thought has upward aspects (thinking of more positive possibilities for the event that occurred) and downward aspects (thinking of less positive possibilities for such event). Kennedy et al.25 also found that downward counterfactuals were not associated with psychological distress or prolonged grief reactions, but were positively related to positive psychological changes after an adverse event.
In addition to the perspectives mentioned above, studies22,19,24 cite the influence of the economic and social scenario and its relationship with mental suffering, since financial insecurity, as well as the lack of legal, administrative, psychological and psychosocial support and the recognition of justice are conditions that increase the emotional suffering of family members.
Physical symptoms such as headaches, physical pain and insomnia have also been identified, especially in situations of violence, such as kidnappings, wars and migratory contexts19,21. Emotional/psychic pain also causes pain and organic changes, the basic triggering event being the disappearance of a loved one.
The study by Comtesse et al.37 developed the “Ambiguous Loss Inventory Plus”, an inventory to assess specific psychological reactions to ambiguous loss in persons with missing loved ones. The instrument can help identify the various exacerbated psychological reactions that can trigger mental suffering, as pointed out in the studies included in this review.
The violence experienced by families who are victims of enforced disappearance (a type of disappearance related to the deprivation of a person\'s liberty caused by the actions of members or agents of a state38,32) is associated with alcoholism and chronic anxiety³⁹, silence, anger, despair, exhaustion, suicidal thoughts and changes in appetite, as well as feelings of impunity32 and a sense of lack of protection, loss of rights and extreme vulnerability to the state perpetrating the disappearance19.
Although different studies have contributed to an understanding of the various impacts on the mental health and lives of the families of missing persons in situations of violence such as armed conflicts and civil war, for example, there is a lack of studies, especially in Brazil, that examine the mental health implications of the families of missing persons in a context of urban violence.
Urban violence, linked for example to organized crime, drug trafficking, the actions of militias and often perpetrated by the police themselves, is frequent in Brazil\'s urban centers and peripheries, affecting to a greater extent populations with unfavorable socio-economic conditions, who are vulnerable, especially the black population39. This context is related to precarious public services (from health to public security), segregation, structural racism, human rights violations and the subversion of human dignity40. As the Brazilian state has a specific policy for searching for missing persons, there is a need for studies that can address the impacts of missing persons in the context of urban violence, as well as the care of their families.
The strategies used and support encountered in coping with the disappearance.
The studies analyzed showed possibilities for dealing with the mental suffering caused by the disappearance of a loved one.
In this respect, the study by Mazarelli et al.21 indicated that resilience factors of the participants, such as religion, searching for the missing person, the presence of family ties and the continuation of the migratory project in search of better living conditions, helped them to confront the suffering they felt.
Attention should also be paid to protective factors, which can influence the mourning process and the mental health of the individuals. Thus, one protective factor that has been studied is self-compassion, which can be defined as a set of attitudes that promote a person\'s openness to the suffering experienced, recognizing it as inherent to the human experience. Self-compassion avoids harsh self-criticism and allows the development of feelings of kindness and self-respect41,23.
The study by Lenferink et al.23 sought to relate the association between self-compassion and levels of prolonged bereavement, depression and post-traumatic stress disorder among people confronted with the disappearance of a loved one. In a correlational study, Lenferink et al.23 identified a significant and negative association between self-compassion and the occurrence of depression, post-traumatic stress disorder and prolonged bereavement. The results of the study suggest that people with more self-compassionate attitudes are less likely to suffer from ruminating thoughts related to the disappearance of their loved one, thereby mitigating the occurrence of psychopathologies such as depression and post-traumatic stress disorder.
Studies were also identified that dealt with the organization of interventions and programs aimed at assisting families with missing loved ones24,38.
The study by Andersen et al.24 presented a program developed by the International Committee of the Red Cross in Sri Lanka to assist relatives of missing persons, through legal, administrative and psychosocial follow-up, with the aim of supporting and strengthening these relatives in getting their lives back on track.
The interventions carried out included: 1) individual home visits and referrals to support network services; 2) eight support group sessions aimed at conceptualizing, identifying and reconstructing the family system, reflecting on the concept of ambiguous loss, expected reactions and mechanisms for coping based on the social and cultural context of each family; and 3) actions to involve and support the local community24.
The study by Andersen et al.24 identified a significant reduction in levels of anxiety, depression, somatic symptoms, and improved functionality among family members of missing persons who took part in the program\'s activities, and linked this to the fact that the program was organized around peer group activities, i.e. the participation of people from local communities, family members who had already been assisted in the program, which allowed for greater bonding, empathy, identification and acceptance of the family members who were being supported, thereby breaking their social isolation.
The experiences reported by Andersen et al.24 highlight the involvement of individuals and communities in the development of more active and collective care activities, emphasizing the importance of the collective experience of mourning. This perspective corroborates the reflection made by Rente and Merhy42 on the difficulties of our contemporary society in dealing with mourning, devaluing rituals, processes of passage, and how the context of the COVID-19 Pandemic has manifested the need to value the collective character of the experience of mourning and the processes for its elaboration, factors also highlighted in another study29,43.
In Peru, the Ministry of Health, in view of the period of violence experienced between 1980 and 2000, which caused significant psychosocial impact on the lives of the Peruvian population, launched a technical document in 2012 with the aim of providing methodological tools to health professionals for individual, community and social support for relatives of missing persons in the context of armed violence38. Despite mentioning that the aim was to provide methodological tools, an analysis of the document provides guidelines for the development of a specific program aimed at assisting relatives of missing persons, to be developed in health clinics and centers and with staff trained and qualified in psychosocial care, also identifying cases of people who need more specific mental health care.
Furthermore, the study by Hofmeister et al.22 indicates the contribution of forensic action (“recognition of bodies”) to dealing with the adversities experienced by the relatives of missing persons. In this way, the focus of forensic action is on the missing individual and their family members; the actions are therefore used in order to make possible: (1) maintenance of the human dignity of the missing individual, thus enabling their recognition and conclusion; and (2) alleviation of the suffering of relatives, making possible the experience of mourning and the closure of cycles.
In view of the above, there are various strategies that can be used by the family to support and cope with the disappearance of a loved one. The importance of these actions is focused on building possibilities for family members to find ways to return to their daily and social activities, i.e. to focus their attention and experience on their present life and self-esteem. These strategies are aimed at understanding the phenomenon of the disappearance in the lives of family members and seeking to re-establish the roles played in the nucleus of the family.
LIMITATIONS
A limitation of this study was the impossibility of accessing certain studies in their entirety, due to the unavailability of free access in some of the databases used, which could have provided information relevant to the topic in question.
CONCLUSIONS
This scoping review has made it possible to understand that the suffering experienced by relatives of missing loved ones can be profound, complex, diverse and have repercussions on their mental health. From this perspective, it is important to recognize the mental health needs of this group of people, as well as to employ strategies that make it possible to deal with these problems, in addition to circumstances that provide access to and continuation of these actions. Future research is needed to understand the trajectory of these family members in the health network and the role of nursing in helping these people.
RELEVANCE FOR CLINICAL PRACTICE
This review contributes to knowledge regarding the impact that the phenomenon of disappearance can have on the mental health of persons with missing loved ones, as well as addressing care strategies and experiences carried out in different countries. The knowledge produced can help health professionals, as well as public health and social policy makers, to organize programs to provide care for people who experience the phenomenon of disappearance.
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Como
Citar
Legramante, Y.Y.S, Oliveira, P.S, Araujo-Betetti, P.N, Santos, F.L, Santos, K.S, Fortuna, C.M. Um olhar sobre a saúde mental de familiares com entes desaparecidos: scoping review. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/ago). [Citado em 23/12/2024].
Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/um-olhar-sobre-a-saude-mental-de-familiares-com-entes-desaparecidos-scoping-review/19370?id=19370