0072/2025 - Vacina Sim: desenvolvimento de aplicativos móveis pareados como estratégia inovadora para melhorar a adesão vacinal
Vacina Sim: Development of Paired Mobile Applications as an Innovative Strategy to Improve Vaccine Adherence
Autor:
• Ana Paula Ferreira Maciel - Maciel, A.P.F - <ana.maciel@unimontes.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8056-4022
Coautor(es):
• Rafael Almeida Santos - Santos, R.A. - <rafael.almeida.soares2012@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0009-0006-5544-9798
• Marcos Flávio Silveira Vasconcelos D’Angelo - D’Angelo, M.F.S.V - <marcos.dangelo@unimontes.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5754-3397
• Dulce Aparecida Barbosa - Barbosa, D.A - <dulce.barbosa@unifesp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9912-4446
• Jaqueline D’Paula Ribeiro Vieira Torres - Torres, J.D.P.R.V - <jaqueline.vieira@live.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2383-2523
• Claudia Mendes Campos Versiani - Versiani, C.M.C - <cmcversiani@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5309-9022
• Écila Campos Mota - Mota, E.C - <ecila.mota@ifnmg.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0283-6472
• Carla Silvana de Oliveira e Silva - Silva, C.S.O - <profcarlasosilva@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0658-9990
Resumo:
Objetivo: descrever o desenvolvimento de protótipo de aplicativos móveis pareados para agentes comunitários de saúde e usuários como estratégia para aumentar a adesão vacinal. Método: trata-se de um estudo metodológico de produção tecnológica do tipo prototipagem. A construção seguiu o modelo do design centrado no ser humano, caracterizando-se por ser um processo colaborativo focalizado na pessoa para a pessoa. O desenvolvimento dos aplicativos se deu em quatro etapas. Resultados: o conteúdo técnico-científico do aplicativo foi construído de acordo com as recomendações e informações do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde do Brasil. O objetivo do protótipo desenvolvido para os agentes comunitários de saúde é auxiliar na gestão das vacinas dos usuários adscritos em suas microáreas. O aplicativo do usuário tem por objetivo emitir informações confiáveis sobre vacinas e lembretes de alertas para adesão vacinal. Os aplicativos pareados auxiliam na busca ativa de usuários com incompletude vacinal e aplicação de outras intervenções oportunas, como educação em saúde e autogestão para busca de saúde. Conclusão: o modelo construído é uma estratégia inovadora, e uma forma resiliente no intento de melhores coberturas vacinais e prevenção de agravos imunopreviníveis.Palavras-chave:
Aplicativos móveis; Smartphone; Vacinas; Cobertura vacinal; Imunização.Abstract:
Objective: To describe the development of a prototype of paired mobile applications for community health workers and users as a strategy to increase vaccination adherence. Method: This is a methodological study of technological production using prototyping. The construction followed the human-centered design model, characterized by being a collaborative process focused on the person for the person. The development of the applications took place in four stages. Results: The technical-scientific content of the application was built according to the recommendations and informationthe National Immunization Program of the Brazilian Ministry of Health. The goal of the prototype developed for community health agents is to assist in managing the vaccines of users assigned to their microareas. The user application aims to provide reliable information about vaccines and alert reminders for vaccination adherence. The paired applications help in actively seeking users with incomplete vaccinations and applying other timely interventions, such as health education and self-management for health seeking. Conclusion: The constructed model is an innovative strategy and a resilient way to achieve better vaccination coverage and prevent vaccine-preventable diseases.Keywords:
Mobile applications; Smartphone; Vaccines; Vaccination Coverage; Immunization.Conteúdo:
A vacinação é descrita como uma das melhores ações custo-efetivas para a prevenção das doenças imunopreviníveis. No entanto, o mundo vem vivenciando um decréscimo na cobertura vacinal global de 86% em 2019 para 81% em 2021, já sinalizando uma melhora em 2022 (84%), mas ainda com aproximadamente 14,3 milhões de crianças que não receberam qualquer vacinação – as chamadas crianças com doze zero(1-2).
Os determinantes das quedas nas coberturas vacinais são complexos e, muitas vezes, translativos e multifatoriais, com variações entre diferentes regiões geográficas e tipos de imunobiológicos, influenciados por aspectos como educação e letramento da população em saúde, confiança, complacência e conveniência(3-4). Tal cenário induziu a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, a designar a hesitação vacinal - relutância ou recusa em vacinar apesar da disponibilidade dos imunizantes - como uma das 10 ameaças mais importantes à saúde pública global(3).
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro, instituído em 1973, é um programa renomado mundialmente por seus inúmeros avanços na imunização no Brasil, contudo vem acompanhando essa tendência mundial. O país apresentou um decréscimo nas coberturas vacinais desde o ano de 2016, com discreta melhora em 2022 e com tendência de queda no ano de 2023(5).
No Brasil, apesar das vacinas serem distribuídas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e sua aplicação ser incentivada pelo Ministério da Saúde, vários fatores explicam a queda na cobertura vacinal dos últimos anos, como a ausência ou baixa percepção de risco para doenças, a infodemia de fake-news a respeito das vacinas, a falta de acesso à informação em saúde, a dificuldade de acesso às vacinas, desconfiança sobre a eficácia e segurança das vacinas, medo das reações adversas, falta de vínculo da população com as ações de vacinação, falta de tempo que os pais têm para ir às Unidades de Saúde vacinar seus filhos e a pandemia da Covid-19(1-2, 6-8).
Neste cenário, estratégias resilientes para à retomada dos ganhos em saúde pública para a prevenção de agravos imunopreviníveis, ganham notoriedade. No contexto mundial, em abril de 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI), entre outros parceiros, lançaram a Agenda de Imunização 2030 (IA2030), no intuito de recuperar-se das interrupções causadas pela pandemia de Covid-19 e atingir melhores coberturas vacinais(1-2, 9).
A implementação de estratégias para aumentar a cobertura vacinal pode ser direcionada tanto para pacientes e familiares, como para sistema de saúde e profissionais. O intercâmbio de intervenções entre os dois grupos faz-se necessário para melhorar a cobertura vacinal, que abrange condições de estrutura e acesso as unidades de saúde, maior aporte tecnológico, treinamento de profissionais, educação em saúde para familiares e pacientes, busca ativa de pessoas com doses em atraso, até sistemas de lembrete. Assim, as tecnologias em saúde tem sido amplamente utilizadas como ferramentas para as estratégias educacionais e como recordatório sobre as imunizações, com impactos positivos relatados em estudos(10-11).
Neste sentido, uma tecnologia que auxilie o profissional de saúde e forneça informações fidedignas e lembretes sobre vacinas para os usuários pode intercambiar melhores resultados no que tange a otimização da adesão vacinal e melhoria de coberturas vacinais. Para tanto, o presente estudo tem por objetivo descrever o desenvolvimento de protótipo de aplicativos móveis pareados para agentes comunitários de saúde e usuários como estratégia para aumentar a adesão vacinal.
MÉTODO
Trata-se de um estudo metodológico para uma produção tecnológica do tipo prototipagem que visa a? construção de aplicativo móvel, mediante rigor científico. Teve como referência para sua elaboração as orientações técnico-científicas sobre as vacinas disponíveis do PNI do Ministério da Saúde do Brasil(12).
O desenvolvimento de software seguiu os princípios do design centrado no ser humano (HCD) abordagem metodológica que sistematiza o processo de criação de produtos, serviços e sistemas, bem como a resolução de desafios complexos que emergem como uma resposta a determinada necessidade humana, caracterizando-se por ser um processo colaborativo focalizado na pessoa para a pessoa(13). A Norma Internacional (ISO) amplia esta definição, destacando que o HCD não só aprimora a eficácia e eficiência dos procedimentos, mas também promove o bem-estar humano, a satisfação do usuário, a acessibilidade e a sustentabilidade(14). Além disso, a abordagem promete impulsionar a inovação no desenvolvimento de soluções orientadas para o usuário com o objetivo de garantir uma satisfação máxima por parte dos usuários(15).
O estudo foi desenvolvido em parceria com professora e aluna de um programa de pós-graduação em Ciências da Saúde (ambas enfermeiras), professoras do Curso de Graduação e de Técnico em Enfermagem e de orientador e orientando de um programa de pós-graduação em Modelagem Computacional e Sistemas.
Para o desenvolvimento do conteúdo dos aplicativos foram envolvidos seis profissionais da enfermagem com conhecimento sobre vacinas (sendo quatro profissionais com experiência em sala de vacinas e na Estratégia Saúde da Família e outras duas professoras de curso de graduação e pós-graduação em saúde) e dois profissionais da tecnologia da informação (um professor e orientador de curso de graduação em Sistemas de Informação e outro profissional mestrando de Programa de Modelagem Computacional e Sistemas). O trabalho aconteceu de forma transdisciplinar para contemplar o conteúdo de maneira adequada e para o desenvolvimento da tecnologia oportunizando a melhor aplicabilidade dos dispositivos.
O desenvolvimento dos aplicativos se deu em quatro etapas: a primeira foi o levantamento da real necessidade de criação de uma tecnologia para auxiliar os processos de vacinação, a segunda foi encontros estratégicos de profissionais enfermeiras e profissionais de sistemas de informação com a escolha das abordagens a serem seguidas para o desenvolvimento do aplicativo; a terceira etapa foi a implementação, e a quarta etapa foi a avaliação de uso por voluntários em diferentes modelos de aparelhos (Quadro 1).
Na primeira etapa foi realizada uma escuta ativa, através de grupos, por categoria, para que relatassem as principais necessidades de aprimoramento relacionados ao processo de vacinação.
Foram ouvidos: 5 agentes comunitários de saúde, 5 usuários e 2 enfermeiras atuantes na Estratégia Saúde da Família. Neste contexto, “usuários” refere-se às pessoas que fazem parte dos grupos específicos do PNI e/ou seus responsáveis legais.
Para os agentes comunitários de saúde e para as enfermeiras, a principal demanda foi a necessidade do aprimoramento na tarefa de monitorar o status vacinal dos usuários sob responsabilidade dos agentes comunitários de saúde, já que o formato realizado para execução dessa atividade é feito de forma manual, com o registro em formulários.
O formato atual de acompanhamento das vacinas administradas aos usuários sob a responsabilidade dos agentes comunitários de saúde, conforme relatado por esses profissionais, apresenta várias limitações. Esse processo é considerado trabalhoso, consome tempo, favorece a ocorrência de erros, o que prejudica a realização de busca ativa dentro dos prazos adequados, e é insustentável devido ao elevado consumo de materiais gráficos.
Por outro lado, entre os usuários dos serviços de vacinação, diversas dificuldades relacionadas à adesão vacinal foram identificadas, especialmente a falta de recordação sobre o histórico de vacinação, com destaque para as vacinas infantis. Essas dificuldades foram determinantes para a concepção de funcionalidades destinadas a facilitar tanto o controle quanto o lembrete das vacinas, beneficiando tanto os profissionais de saúde quanto os usuários. Com base nesse diagnóstico, considerou-se a criação de uma tecnologia – um aplicativo móvel – como uma solução prática e eficaz para melhorar o monitoramento vacinal e aumentar a adesão às campanhas de vacinação, com vistas à elevação da cobertura vacinal e à promoção da saúde coletiva.
Na segunda etapa, para garantir que o aplicativo atenda aos princípios do HCD, foram realizadas três reuniões estratégicas com profissionais das áreas de saúde e tecnologia da informação, assegurando que o desenvolvimento fosse orientado para as necessidades reais dos agentes comunitários de saúde e usuários. Cada reunião desempenhou um papel fundamental na definição e no refinamento das funcionalidades do aplicativo em desenvolvimento, permitindo que as especificidades do contexto de vacinação fossem plenamente consideradas e integradas ao projeto.
Na primeira reunião, foram abordadas as necessidades gerais e as funcionalidades essenciais do aplicativo em desenvolvimento. Esse encontro foi fundamental para delinear o escopo do projeto, identificando as principais dificuldades enfrentadas pelos agentes comunitários de saúde no acompanhamento de imunizações. Com base nessas discussões, decidiu-se criar dois aplicativos distintos: um voltado para os agentes comunitários de saúde (figura 1) e outro para os usuários (figura 2). Essa divisão permitiu que cada aplicativo fosse projetado para atender de maneira mais eficaz às demandas e desafios particulares de cada grupo, otimizando o acesso às funcionalidades e organizando as informações para maximizar a usabilidade, considerando as necessidades específicas de cada perfil.
A divisão das funções em dois aplicativos se mostrou uma decisão estratégica, pois os agentes comunitários de saúde necessitam de ferramentas específicas para registro e monitoramento de usuários, enquanto os usuários se beneficiam de notificações sobre vacinas em atraso e informações sobre o calendário vacinal. Esse modelo organizacional permitiu a criação de interfaces e fluxos de uso personalizados, adequados ao contexto de cada grupo, promovendo uma experiência de uso intuitiva e eficiente para ambos.
Na segunda reunião definiu-se que o aplicativo destinado aos agentes comunitários de saúde deveria incluir funcionalidades como o cadastro do usuário, possibilitando enviar um link para o aplicativo dos usuários via e-mail ou WhatsApp. Essa funcionalidade auxilia no registro rápido e eficiente, facilitando a adesão dos usuários ao aplicativo. Para o cadastro, o agente comunitário de saúde deverá registrar em seu aplicativo dados do usuário como: nome completo, data de nascimento, endereço, e-mail e/ou WhatsApp. Feito o cadastro pelo o agente comunitário de saúde o usuário receberá em seu e-mail e/ou WhatsApp um convite e um link para ter acesso ao aplicativo destinado a ele.
Ainda nesta reunião, a equipe concentrou-se nas funcionalidades essenciais para os aplicativos. No caso do aplicativo para uso dos agentes comunitários de saúde, foram detalhadas as necessidades específicas relacionadas ao monitoramento e acompanhamento das vacinações. Assim, o aplicativo foi projetado para incluir um registro minucioso das vacinas administradas, possibilitando um controle preciso e sempre atualizado do histórico de imunizações de cada usuário. Para o aplicativo dos usuários, foram definidas funcionalidades como o envio de notificações para alertar sobre vacinas atrasadas ou programadas para os próximos sete dias, além da opção de localizar postos de vacinação próximos e consultar o histórico de vacinação. Este histórico oferece informações completas sobre a imunização do usuário, incluindo datas, tipos de vacinas e dados confiáveis sobre vacinas específicas, além de possíveis eventos adversos.
Essa etapa foi essencial para assegurar que o projeto atendesse aos requisitos funcionais e proporcionasse uma experiência organizada e eficiente para ambos os grupos. A definição dessas funcionalidades contribuiu para antecipar o impacto prático do sistema na rotina dos agentes comunitários de saúde e dos usuários, prevendo ferramentas que facilitariam o engajamento com o calendário vacinal e aumentariam a adesão contínua à vacinação.
Na terceira reunião, o foco esteve na acessibilidade e compatibilidade dos aplicativos, visando alcançar o máximo de usuários possível. A decisão de desenvolver os aplicativos para os sistemas operacionais Android e iOS foi tomada para promover acessibilidade e garantir que ambos fossem utilizáveis, independente do tipo de dispositivo. Para isso, optou-se pela utilização do Software Development Kit (SDK) Flutter, que permite o desenvolvimento multiplataforma com uma única base de código e oferece flexibilidade para personalização de interface por meio de Widgets customizáveis.
O Flutter, mantido pelo Google, oferece um conjunto robusto de ferramentas que são compatíveis com Android e iOS, facilitando o desenvolvimento de interfaces modernas e customizáveis. Essa escolha proporcionou economia de tempo e recursos durante o desenvolvimento, além de assegurar a qualidade da experiência visual para os usuários de diferentes dispositivos.
Para a escolha das abordagens, foi adotada uma arquitetura cliente-servidor, essencial para a sincronização e armazenamento seguro das informações entre os aplicativos dos agentes comunitários de saúde e dos usuários. Essa arquitetura permite que ambos os aplicativos acessem um banco de dados centralizado, garantindo que as atualizações de vacinação sejam refletidas em tempo real e evitem redundâncias e inconsistências de dados. A comunicação entre os aplicativos e o banco de dados foi viabilizada por uma Application Programming Interface (API) desenvolvida em Node.js (versão 18.16.1), escolhida por sua capacidade de gerenciar eficientemente solicitações Hypertext Transfer Protocol (HTTP) e oferecer uma comunicação rápida e estável.
O uso de uma arquitetura cliente-servidor baseada em banco de dados Structured Query Language (SQL) também oferece uma estrutura de dados robusta, que possibilita consultas rápidas e garante segurança e integridade dos dados. Todas as conexões são protegidas com SSL (Secure Socket Layer), e medidas adicionais de segurança, como autenticação e controle de acesso, asseguram que somente os agentes comunitários de saúde, no exercício de suas funções, possam acessar as informações dos usuários.
Durante o desenvolvimento, na terceira etapa, foi utilizada uma metodologia incremental, a qual permite a implementação progressiva de funcionalidades e ajustes contínuos com base no feedback dos usuários e dos agentes comunitários de saúde. Essa abordagem permitiu que funcionalidades essenciais fossem entregues nas fases iniciais, facilitando testes e validações precoces do sistema. Além disso, durante o processo, o feedback contribuiu para aprimorar o sistema, com sugestões que foram incorporadas para melhor adaptação às necessidades dos agentes comunitários de saúde e usuários.
Simultaneamente ao desenvolvimento da API, a equipe avançou no desenvolvimento do aplicativo dos agentes comunitários de saúde utilizando o Flutter, versão 3.13.1, e a linguagem Dart (versão 3.1.0). Além das funcionalidades originalmente propostas, algumas adições significativas foram incorporadas aos aplicativos, ampliando sua utilidade e proporcionando um conjunto abrangente de recursos.
Na quarta e última etapa do desenvolvimento, ambos os aplicativos foram submetidos a testes de usabilidade em diferentes dispositivos. Os testes ocorreram em duas fases, com a primeira avaliação realizada por duas enfermeiras com experiência na Estratégia Saúde da Família, além de dois agentes comunitários de saúde e dois potenciais usuários. A escolha das enfermeiras para a avaliação inicial baseou-se na sua expertise e relevância como especialistas na análise de conteúdo relacionado à área de interesse. Após essa avaliação, foram fornecidos feedbacks e sugestões de ajustes, que foram implementados, resultando na versão final dos aplicativos. A avaliação de usabilidade considerou os seguintes aspectos: facilidade de uso, tempo de carregamento, adequação à resolução da tela, frequência de uso e relevância dos dados.
A versão final dos aplicativos foi então testada por seis agentes comunitários de saúde e quatro usuários, durante um período de dois meses, utilizando diferentes modelos de dispositivos nas plataformas Android e iOS. Após a conclusão de cada fase de avaliação, todos os dados inseridos nos processos de teste foram excluídos, garantindo a privacidade e confidencialidade das informações.
Para o tratamento de dados, o sistema foi projetado em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), garantindo a segurança e privacidade das informações dos usuários. A coleta de dados com o acesso de usuários e agentes comunitários de saúde aos aplicativos é feita de forma transparente, com consentimento explícito para o uso de dados de localização e outras informações pessoais, que são armazenadas de forma segura e protegidas por criptografia de ponta a ponta. Além disso, os aplicativos permitem que os agentes comunitários de saúde acessem, corrijam e excluam dados conforme necessário, atendendo ao princípio da minimização de dados.
O processo de criação iniciou-se no mês de agosto de 2023 e a conclusão da criação dos aplicativos deu-se em novembro deste mesmo ano.
O desenvolvimento dos aplicativos está incluído nas ações do projeto de pesquisa guarda-chuva, intitulado: “Implementação da Política Nacional de Vigilância em Saúde e do Programa Nacional de Imunizações na população do município de Montes Claros/MG” e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Montes Claros sob parecer de nº 6.234.026.
RESULTADOS
Os aplicativos, já finalizados, foram submetidos à avaliação inicial de uso por voluntários em diferentes modelos de aparelhos. Para a avaliação da aplicabilidade dos dispositivos foram feitos testes iniciais com duas enfermeiras atuantes na Estratégia Saúde da Família (uma delas com residência na área), dois agentes comunitários de saúde e dois potenciais usuários.
Após feedback dos mesmos, foram sugeridos os seguintes ajustes: necessidade de inclusão de login no app para os agente comunitário de saúde com usuário e senha para acesso restrito; solicitado cálculo automático da idade do usuário a cada acesso feito pelo agente comunitário de saúde, para facilitar a visualização da idade atual; no app para usuários, inclusão da possibilidade de acesso com mais de um login para um mesmo usuário, contemplando situações de usuários pais/responsáveis por mais de uma criança.
No aplicativo destinado aos agentes comunitários de saúde, foi incluída a funcionalidade de geração de relatórios. Esse recurso permite que os agentes obtenham informações valiosas sobre as vacinações realizadas em um determinado intervalo de tempo. Outro recurso adicionado ao aplicativo do agente comunitário de saúde é um relatório que identifica os usuários de acordo com a idade e a possível vacina que deverá ser recebida de acordo com o calendário do PNI. Esse relatório inclui informações detalhadas, como a data em que a vacina deveria ser administrada e o endereço dos usuários. Reforça-se que o aprazamento deverá ser feito na sala de vacina, por profissional habilitado, e que o papel do agente comunitário de saúde é a busca ativa orientada pelo calendário do PNI, onde deverá conferir o aprazamento realizado no documento de registro das vacinas recebidas (caderneta de vacinação) do usuário. Além disso, o relatório destaca as vacinas que estão em atraso, fornecendo uma visão clara dos usuários que necessitam de conferência do cartão de vacinas, através da busca ativa oportuna.
No aplicativo para usuários, foi implementada a funcionalidade de login múltiplo, permitindo que responsáveis possam acompanhar o calendário vacinal de mais de uma pessoa. Essa funcionalidade foi ajustada com base nas sugestões dos usuários, reforçando o compromisso do projeto com a adaptação às necessidades reais dos usuários.
Essas adições aos aplicativos demonstram um compromisso com a eficiência e a utilidade do sistema, permitindo aos agentes de saúde gerar relatórios cruciais para a gestão e monitoramento das atividades de vacinação. Além disso, ao fornecer aos usuários informações específicas sobre as vacinas que precisam ser tomadas e as datas de administração, o aplicativo provoca para uma sensibilização para a adesão à vacinação, contribuindo para melhores coberturas vacinais.
Uma das funcionalidades mais inovadoras é o recurso de geolocalização, que facilita a localização de salas de vacinação mais próximas em tempo real. O aplicativo identifica a posição do usuário e exibe uma lista de postos/salas de vacinação próximos, organizados por distância e com informações úteis, como horário de funcionamento. Essa funcionalidade ajuda a reduzir barreiras de acesso e agiliza o deslocamento dos pacientes até os locais de vacinação.
Feitas as correções sugeridas, os softwares em fase final foram submetidos às lojas online de armazenamento e distribuição de softwares móveis: lojas de aplicativos.
Uma avaliação foi proposta aos utilizadores da versão final dos aplicativos. A indicação era avaliar a usabilidade do programa sob os aspectos: facilidade de uso, tempo de carregamento, adequação a resolução da tela, frequência de uso e relevância dos dados. Seis agentes comunitários de saúde e quatro usuários testaram os aplicativos durante dois meses, e após foram questionados sobre os itens avaliados e manifestaram experiência satisfatória. Para avaliação das funcionalidades dos apps foram feitos testes hipotéticos iniciais que se mostraram positivos para os objetivos propostos. Nesta avaliação, os agentes comunitários de saúde e usuários mostraram-se bastante satisfeitos com os softwares, fizeram avaliação positiva para os itens avaliados, sem ressalvas iniciais. Adicionalmente, os agentes comunitários de saúde sinalizaram que os aplicativos serão de extrema valia para otimização das suas atividades no que se refere à gestão das vacinas dos usuários sob sua responsabilidade.
DISCUSSÃO
Este é o primeiro protótipo de software em português construído de forma pareada entre aplicativos móveis para profissionais de saúde (ACS) e usuários que intercambia informações sobre vacinas. O uso dessa tecnologia permite aos ACS e usuários a gestão compartilhada e corresponsabilização pela administração de vacinas conforme proposto pelo PNI. O pareamento simultâneo de informações entre os aplicativos propõe ainda uma forma sustentável e de busca ativa pelos ACS, em tempo hábil, para a atualização do calendário vacinal, o que permite a organização do trabalho e favorece o desempenho resiliente frente ao cenário de baixas coberturas vacinais. As informações disponíveis no aplicativo facilitam ainda o acesso a informações de conteúdo científico em linguagem acessível sobre as vacinas contribuindo para um processo de educação em saúde de qualidade e contemporâneo.
Dispositivos móveis e suas funcionalidades já fazem parte da rotina da população e oferecem soluções ágeis para o cotidiano, e são ferramentas com um elevado potencial de uso nas áreas da saúde, da educação, do cuidado integral. Na área da saúde, especialmente da enfermagem, podem ser instrumentos valiosos para otimizar processos de promoção e prevenção à saúde, como no que se refere a imunização, com soluções impactantes do ponto de vista de políticas públicas e de sustentabilidade.
No contexto das vacinas e o uso dos aplicativos como estratégia para melhoria da adesão vacinal, em uma revisão sistemática em que foram avaliados vinte e cinco aplicativos móveis que englobavam informações sobre vacinas, opção para agendamento em unidades de vacinação e alerta para doses em atraso, concluiu-se que todos os aplicativos contribuíram para o aumento da cobertura vacinal(16).
Ademais, o envolvimento e a gestão de pacientes com doses vacinais atrasadas através do rastreamento e a busca ativa de pacientes, mostrou-se também como uma ação positiva para melhoria da cobertura vacinal(17). Paralelamente, para auxílio dos profissionais de saúde, a implementação de sistemas de apoio, através de recursos computacionais, também foi considerada uma estratégia com impacto positivo(18-19).
Complementarmente, o uso de meios que promovam o fornecimento de informações precisas sobre vacinas em comunidades e estabelecimentos de saúde deve ser integrado em todos os programas de vacinação infantil em países de baixa e média renda; acompanhado de um monitoramento robusto do impacto e uso de dados para ação(20).
Em uma revisão sistemática que avaliou intervenções efetivas para aumentar a cobertura vacinal infantil de rotina concluiu-se que ações como aprimorar os recursos humanos (como equipes de saúde com recursos adequados para expandir os serviços de imunização) e o uso de tecnologias (como sistemas de informação que incorporam lembretes diretos aos pais) são consideradas eficazes para aumentar a adesão rotineira à imunização infantil(20).
Como limitações desse estudo relata-se a ausência da validação dos aplicativos utilizando-se instrumentos que possam avaliar a sua qualidade. Para avaliação dos efeitos dos aplicativos sugere-se estudos quantitativos e prospectivos para avaliação do impacto nos resultados para adesão vacinal após a sua implementação, etapas que serão concluídas em outro momento da pesquisa guarda-chuva.
CONCLUSÃO
O modelo de protótipo de aplicativos móveis desenvolvido de forma pareada para agentes comunitários de saúde e usuários é uma proposta inovadora e uma ferramenta estratégica de resiliência para práticas de promoção da saúde e prevenção de agravos imunopreviníveis. A implementação de tecnologias móveis no campo da saúde e sua aplicação como práticas resolutivas para alcance de melhores coberturas vacinais resultam em impactos positivos para saúde pública.
Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) [APQ-04777-24]. Agradecemos à FAPEMIG pelo suporte financeiro essencial para a realização desta pesquisa.
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