0142/2024 - Violência Armada e Comércio de drogas ilícitas. Uma revisão integrativa de literatura sobre o Brasil. Armed Violence and Illicit Drug Trade. An integrative literature review on Brazil.
O artigo mapeia relações entre a violência armada (VA) e o comércio de drogas ilícitas (CDI) no Brasil, através de revisão integrativa, focada em pesquisas empíricas. A amostra contou com 20 artigos, categorizados segundo ano da publicação e do trabalho de campo, objetivos, métodos, local do estudo e resultados. Os resultados foram interpretados a partir da análise de conteúdo temática e mostraram que a relação entre CDI e VA se dá sobretudo a partir da Violência Armada Organizada. No entanto essa violência se espraia, afetando a sociedade como um todo, sobretudo moradores de periferias. Se destacaram: Disponibilidade de Armas de Fogo (AF), com ampla presença no ambiente do CDI; Ilegalidade e violência, tematizando a necessidade de uso de AF para o CDI devido a sua ilicitude e perspectiva militarizada de repressão; Atuação do Estado, tematiza a ausência de segurança pública preventiva em periferias e a atuação violenta, corrupta e inefetiva do Estado; Domínio territorial armado, mostra a força dos grupos organizados do CDI e os efeitos para a população; Jovens negros: principais vítimas e perpetradores, destaca a vulnerabilidade desses jovens à VA e também Impactos na saúde. A política militarizada e violenta não vem oferecendo resultados para o controle do fenômeno. Novos enfoques para lidar com a questão são necessários, centrados na perspectiva da saúde e dignidade humana.
Palavras-chave:
Comércio de Drogas Ilícitas, Violência com Arma de Fogo, Controle de Drogas, Homicídios, Populações Minoritárias, Vulneráveis e Desiguais em Saúde
Abstract:
The article maps relationships between armed violence (AV) and the illicit drug trade (IDT) in Brazil through an integrative review focused on empirical research. The sample included 20 articles, categorized according to year of publication and fieldwork, objectives, methods, study location and results. The results were interpreted based on thematic content analysis and showed that the relationship between IDT and AV occurs mainly through Organized Armed Violence. However, this violence spreads, affecting society, especially residents of peripheral areas. The following stood out: Availability of Firearms (AF), with a broad presence in the IDT environment; Illegality and violence, highlighting the need to use FA for the IDT due to its illegality and militarized perspective of repression; State action, thematizes the absence of preventive public security in peripheral areas and the violent, corrupt and ineffective action of the State; Armed territorial dominance, shows the strength of the organized IDT groups and the effects on the population; Young black people: primary victims and perpetrators, highlights the vulnerability of these young people to AV and also Health impacts. The militarized and violent policy has not been offering results to control the phenomenon. New approaches are needed to deal with the issue, centered on the perspective of health and human dignity.
Keywords:
Illicit Drug Trade, Gun Violence, Drug Control, Homicides, Health Disparate, Minority and Vulnerable Populations
Conteúdo:
O Brasil enfrenta um grande desafio em relação à violência armada (VA). Considerando o homicídio por armas de fogo (HAF), um dos principais indicadores dessa violência, o país ocupou, em 2021, o 11º lugar com as maiores taxas, entre 86 países *. O conceito de VA vem buscando abarcar a complexidade de um fenômeno que diz respeito à grande presença e uso de armas de fogo (AF) na sociedade, sendo mais abrangente que a definição tradicional de conflitos armados: contestação que diz respeito a um governo ou território, com enfrentamento armado, onde ao menos uma das partes é o governo de um Estado1.
A partir da década de 1990 os conflitos entre Estados perdem força para os intraestatais, fenômeno marcado pela facilidade na aquisição e uso de AF pela sociedade civil, sem um objetivo político específico2. A VA começa a ser observada em contextos de paz formal, sobretudo na periferia do capitalismo e com destaque para a América Latina (AL)3. Nessa região destaca-se a Violência Armada Organizada (VAO)4, situação intermitente resultante da ação de grupos civis armados (GCA) com controle territorial, que visam auferir ganhos econômicos ilegais e que podem enfrentar o Estado para garantir estes ganhos5. No entanto a VA é mais ampla, pode ser exercida tanto por membros de gangues, membros de forças de segurança privadas, de forças estatais, indivíduos comuns, entre outros6. Dessa forma diz respeito à grande presença de AF na sociedade e à violência disseminada por esse uso, tanto por parte de forças estatais quanto de civis armados, com destaque para grupos criminosos, mas que se dissemina na sociedade. Esse fenômeno se expressa pelo uso ou ameaça com AF para prática de violências, controle de territo?rio, confrontos, balas perdidas, atuac?a?o de snipers, entre outros7. Além dos homicídios, a VA tem graves impactos na saúde das pessoas e ações sociais dos territórios onde ocorre8.
Este artigo examina um aspecto deste fenômeno, que é a VA e sua relação com o comércio de drogas ilícitas (CDI) no Brasil. Destaca-se que não há uma relação necessária entre VA e CDI, porém esta pode se configurar a partir de determinantes específicos e a AL vem sendo considerada uma das regiões mais afetadas por essa relação, com a maior taxa regional de homicídios intencionais do mundo: 19.91 em 2021, enquanto a taxa global foi 5.79 *. Destaca-se que a AL é a principal região de produção e comercialização da cocaína, droga lucrativa, que tem no Brasil rota de comércio privilegiado para a Europa9. A Guerra às drogas vem sendo aplicada na região desde seu surgimento, na década de 1970. Essa proposta, surgida nos EUA, construiu uma atuação pautada na repressão, militarização e demonização das drogas - sobretudo da cocaína - o que vem marcando as políticas de drogas na AL e no Brasil10. Dessa forma a criminalização tem sido a principal estratégia estatal para se lidar com a questão das drogas11, enfoque que tem tido poucos resultados e muitas consequências sociais12,13.
No Brasil, se por um lado observamos esse uso intensivo de recursos militarizados, por outro lado observamos o desenvolvimento do CDI, que se desenvolve junto a outras formas de criminalidade. A forte presença da VA traz consequências graves13 para a sociedade, como as altas taxas de HAF, que no país apresentam relação importante com CDI14.
Destaca-se que a insegurança criminal tem a particularidade de ser agravada pela intervenção das forças estatais, devido ao uso rotineiro da violência letal pela polícia, que banaliza a brutalidade do Estado e que gera um clima de terror entre as classes populares, que são o alvo dessas operações15. Assim, nos interessa observar quais relações entre VA e CDI estão tematizadas na literatura acadêmica brasileira.
Metodologia
Nesse sentido optamos pela revisão integrativa, método sistemático que permite incluir estudos com metodologias diversas16 a fim de fornecer uma visão panorâmica e também síntese de resultados, no caso dessa revisão, com objetivo exploratório. Trabalhamos com dois grupos de descritores, um relacionado à VA e outro à CDI, conforme descrito abaixo:
Quadro 1
Foram excluídos os artigos duplicados e a triagem da amostra foi feita separadamente por cada autora, primeiro através da leitura dos títulos e resumos e após, artigos completos seguindo os critérios:
a) Inclusão: artigos de pesquisa empírica sobre o Brasil, com trabalho de campo que aborde aspectos sobre VA e/ou CDI e/ou relacione esses temas na discussão, escritos em português, inglês e espanhol.
b) Exclusão: artigos que não faziam menção ao tema VA e CDI no trabalho de campo ou discussão, realizados fora do Brasil, artigos de revisão, ensaios e resenhas, teses, dissertações, trabalhos de graduação, livros e documentos oficiais.
As amostras foram comparadas, com resultado de 17 artigos. Após leitura realizamos nova busca, por considerar que a segurança pública, questão fundamental relativa a esse tema, estava pouco representada nessa amostra, embora os descritores "Guerra às drogas", "Política de drogas" e "Repressão às drogas" tenham sido utilizados. Para tanto utilizamos os dois grupos de descritores da busca anterior, referentes à VA por um lado e CDI pelo outro, conjugando cada um com o termo segurança pública, de forma a buscar destacá-lo:
Quadro 2
Quadro 3
A triagem foi feita seguindo a metodologia já descrita, com resultado de 3 artigos na busca 2 e 0 artigo na busca 3, totalizando 20 artigos, que foram categorizados e analisados segundo ano da publicação e do trabalho de campo, objetivos, métodos, local do estudo e resultados. Os resultados sobre relações entre VA e CDI foram interpretados a partir da análise de conteúdo temática17: na pré-análise foi feita leitura flutuante, com foco nos resultados e discussão, constituindo corpus de análise; após foram levantadas categorias de sentido, a partir da classificação dos temas mais frequentes, seguindo-se a organização das informações, análise dos resultados e interpretação crítica.
Resultados
A amplitude temporal dos artigos vai de 1998 até 2018, com um aumento da produção acadêmica sobre o tema: Década 90: 1, década 2000: 6, década 2010: 13. A maior parte das publicações foi na área de Saúde Pública: 10, com 3 publicações internacionais (EUA, Alemanha e Inglaterra); seguida por Ciências Sociais: 5, com uma publicação em Portugal; Psicologia: 3. Além de 1 artigo publicado em uma revista brasileira Multidisciplinar (Comunicação, Saúde, Educação) e em uma revista australiana sobre Drogas.
A maioria dos trabalhos foram realizados no Sudeste, com 10 artigos: 2 sobre a capital do Rio de Janeiro (RJ) e 1 sobre o Estado RJ (ERJ); 3 sobre a capital de São Paulo (SP) e 1 sobre a cidade de Ribeirão Preto/SP (RP/SP); 2 sobre Belo Horizonte/MG (BH) e 1 sobre sua região metropolitana (RMBH). Em segundo lugar vem o Nordeste (NE), com 6 artigos: 1 sobre a região NE; 1 sobre o estado de Pernambuco (PE), 1 sobre a cidade de Paulista/PE (PA/PE); 1 sobre a capital Salvador/BA (SSA) e 2 sobre a capital Fortaleza/CE (FOR). A região Sul teve 4 artigos, 1 sobre os municípios do Paraná (PR), 1 sobre o Estado de Santa Catarina (SC), 1 sobre a cidade de Jaraguá do Sul/SC (JS/SC) e 1 sobre a cidade de Porto Alegre/RS (POA). O Brasil (BR) é abordado em 1 artigo. Não foram selecionados trabalhos das regiões Norte e Centro-Oeste.
O principal indicador de violência utilizado nos trabalhos quantitativos e quanti-quali foram os homicídios. Em 9 artigos foram utilizados dados de atestados de óbito: 4 artigos especificaram o estudo com HAF18,19,20,21 e 5 artigos trabalharam com homicídios em geral. Destes, Lima et al.22 fez a relação com AF na discussão dos dados, Sant´anna et al.23, Zaluar e Barcellos24, Barcellos e Zaluar25 e Silva26 a partir da parte qualitativa do trabalho de campo. Em 2 artigos foram utilizados dados policiais sobre homicídios: boletins de ocorrência20 e inquéritos policiais20,27, 1 artigo utilizou processos judiciais28. A relação com AF e CDI estava presente nesses documentos. Destaca-se que nessa amostra apenas 3 trabalhos especificam o uso do indicador de mortes por intervenção legal18,19,24, que é medido de forma diferenciada dos homicídios cometidos por civis, tanto nos dados da saúde - processados pelo Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) através dos atestados de óbito - quanto nos dados policiais - processados a partir de boletins de ocorrência. As menções à violência cometida por agentes de Estado foram referidas principalmente nos trabalhos de campo qualitativos.
Estes também abordaram o fenômeno do homicídio e/ou porte, uso e ameaça por AF, a partir de autores de homicídios28, traficantes27, vítimas29, familiares 23,30 e amigos de vítimas 30, jovens delinquentes31,32,33, estudantes26, jovens moradores de bairros violentos34, jovens moradores de rua35 e também profissionais diversos26,30,34, Para tanto foram utilizadas entrevistas em 11 artigos 23,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35 e 3 grupos focais26,30,34. Além disso foram realizados trabalhos em bairros periféricos marcados pela violência e/ou narcotráfico: 2 pesquisas de vitimização24, 1 survey24, 2 observações participante28,35, 2 pesquisas intervenção30,34, além de 4 etnografias24,25,33,36. A menção ao CDI e AF aparece, sobretudo, nos trabalhos qualitativos23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36, e também na discussão de alguns trabalhos quantitativos18,19,21,22 .
Quadro 4
Os resultados mostraram que a relação entre CDI e VA se dá sobretudo a partir da VAO, no entanto essa violência se espraia, afetando a sociedade como um todo, sobretudo moradores de periferias. As seguintes categorias se destacaram: Disponibilidade de AF; Ilegalidade e violência; Atuação do Estado; Domínio territorial armado; Jovens negros: as principais vítimas e perpetradores e Impactos na saúde.
Disponibilidade de AF
Os altos lucros do CDI possibilitam a aquisição e a presença facilitada das AF no ambiente do narcotráfico35,37, fazendo com que o tráfico de AF e seu porte ilegal por GCA sejam fatores centrais desta equação,19,20,21,22,24,25,26,27,28,37. Szwarcwald e Castilho18 apontam a propagação das AF entre grupos cada vez mais jovens e a proliferação dos homicídios no ERJ a partir da década de 1980, ligada por um lado à necessidade do crime organizado controlar militarmente pontos de CDI18,24 e por outro lado à crescente presença de cidadãos comuns armados, amedrontados pela insegurança.
Zaluar e Barcellos24 destacam ainda a disponibilidade de AF para jovens moradores de favelas no RJ e Sant'Anna et al.23 apontam, como fator de vulnerabilidade de adolescentes vítimas de homicídio em POA, que 21% deles tinham o hábito de utilizar AF. Kodato e Silva28 apontam que os homicídios cometidos pelos jovens que entrevistou, quase totalmente foram cometidos por AF, que são de fácil acesso. Mclennan et al.32 referem em sua amostra que os jovens têm facilidade em obter AF. Sapori et al.27 sublinham que as chances de um homicídio ser cometido por AF em BH é 3,5 vezes maior que as cometidas por outro meio.
Ilegalidade e violência
A ilegalidade do CDI26,27 é apontado como fator que incita ao fortalecimento de uma cultura específica e violenta de resolução de conflitos. A ilegalidade não impede o desenvolvimento do mercado, mas faz com que ele se desenvolva de maneira ilícita e criminal, sendo a presença de AF fundamental para proteção do lucrativo negócio criminoso27,36, tanto em relação a outros GCA interessados no seu lucro, quanto em relação à polícia, que irá reprimir os atos ilícitos24,35, o que torna os moradores de territórios dominados pelo CDI especialmente vulneráveis à VA.
Destaca-se que nesses territórios é referido o exercício de um poder pautado em uma lógica extra-legal e violenta de resolução de conflitos27,28,30,32,33,34,35 que torna a VA banal35. Esta se relaciona tanto a disputas territoriais para CDI18,24,27,35, quanto a relações de abuso de poder dentro de territórios de domínio de GCA, em relação a acerto de dívidas relativas a venda ou consumo de drogas35 e controle de roubos e outros delitos dentro desses locais27,34,36. Destaca-se que a prática de delitos patrimoniais nesses locais aumenta o risco de sofrer violência homicida34,35. Em SC, Vieira 33 chama a atenção para os relatos de adolescentes sobre a banalidade da morte no narcotráfico.
Sapori et al.27 apontam que as práticas despóticas de violência em BH não se resumem a questões do CDI, mas frequentemente passam a ser incorporadas como comuns nestas localidades, fazendo com que simples mal entendidos sejam resolvidos de forma extrema, levando à banalização dos homicídios. Kodato e Silva28, falam do fenômeno de adolescentes mortos por GCA por engano, confundidos com outra pessoa.
Atuação do Estado
A ausência de uma efetiva segurança pública preventiva em territórios periféricos é referida em SSA35, RJ24, PA/PE26 e FOR30,34 como importante fator que permite o CDI. Por outro lado, a ação violenta da polícia é observada nesses locais, fruto do recrudescimento da militarização e do policiamento ostensivo, requerido pela Guerra às Drogas, e em detrimento de ações de integrac?a?o das forc?as de seguranc?a e inteligência30. Como destaca Benício30, a violência é banalizada como forma aceitável de resolução de conflitos e é requerida publicamente como política de segurança, sendo referida como um dos fatores para a produção de VA e intensificação dos homicídios na periferia de FOR, tanto de jovens, sobretudo negros, quanto também de policiais, o que também é referido por Zaluar24 no RJ.
Nesse sentido se destaca a criminalização da juventude periférica, pobre e negra, identificada socialmente como “inimigo interno” e corpo matável24,30,34. A estigmatização do território, como local violento, dominado por traficantes, criminaliza toda a população jovem local, que passa a ser alvo de ações policiais arbitrárias de forma indistinta. Esse processo, junto à violência policial ostensiva e à falta de policiamento preventivo nas periferias, provoca desconfiança e quebra de legitimidade da polícia nesses locais, favorecendo o domínio territorial violento de GCA26,30,34. Zaluar24 aponta que a imagem da PM/RJ, como violenta e corrupta, atingiu percentuais acima de 70% entre os jovens e de 92% entre jovens de 15 a 19 anos.
Outro ponto destacado é a ineficiência do Estado em atribuir responsabilidades para os homicídios que acontecem nas periferias28,30,34 ou entre população em situação de rua35, que são banalizados como acertos de contas do CDI, ou mesmo "higiene social"28, sem merecer a atenção do poder público, o que colabora com a banalidade deste fenômeno.
A crescente insegurança e a desconfiança na instituição policial são referidas como mote para a expansão de formas de seguranc?a privada. Estas têm dado origem a outros GCA que fazem uso da VA, conhecidos como “mili?cias”, no RJ24 e FOR34, e grupos de extermínio em PA/PE26, em muitos casos envolvendo membros das forças do Estado24,26.
Outro aspecto é a corrupção de agentes da lei24,25,26,35, que através da participação ativa, cumplicidade e impunidade, garantem a presença de AF e a continuidade do CDI. Essas atividades ilícitas, praticadas por agentes do Estado, ampliam a desconfiança e o sentimento de insegurança da população26 e reforçam o CDI35.
Domínio territorial armado
Essa violência não está igualmente distribuída pelas cidades, mas está localizada em determinadas áreas de periferia, que se configuram como territórios de domínio de GCA que atuam no CDI em BH27,37, PE22, SSA35 e RJ24,25, o que aumenta o risco de disputas territoriais entre GCA rivais 26,31. O domínio de território implica em considerar que, nesses locais, o poder da força é exercido por grupos diversos ao Estado, que serão retaliados com a repressão violenta por parte do Estado.
Zaluar e Barcellos24 apontam que a rivalidade entre GCA que vendem drogas no RJ deu origem a uma corrida armamentista. Esta vem se desenvolvendo há décadas e se expressa no mapa apresentado pelos autores, da distribuição espacial dos GCA no RJ entre 2005 e 2010, sobretudo nos territórios habitados pela população negra.
Os autores mostram que as áreas localizadas perto de grandes vias de circulação, portos, aeroportos e depósitos de armamentos das Forças Armadas são as que apresentam maior concentração de HAF, decorrentes de conflitos armados pelo domínio local - sobretudo entre grupos de CDI, mas também com as polícias e com as milícias25 - por oferecerem melhor logística para obtenção e distribuição de AF e drogas.
Essa disputa territorial também é relatada em PA/PE26, FOR30,34, SSA35 e BH31, com destaque para o caráter fragmentado dos grupos criminosos rivais da capital mineira, o que aumenta o potencial de conflitos violentos, seja de ordem pessoal, territorial ou criminal.
Aspecto importante é a violação do direito de ir e vir dos moradores desses locais, que muitas vezes perdem a vida por cruzar limites territoriais ou mesmo apenas morar em determinada localidade e ser identificado de alguma forma com uma facção rival, mesmo sem ter envolvimento com o CDI24,27,30,34. Essa situação também leva ao impedimento de frequentar espaços de lazer e equipamentos sociais como escolas e postos de saúde34, além de levar à expulsão de casas e comunidades, aumentando o contingente de pessoas em situac?a?o de rua em FOR30.
Um aspecto digno de nota é a gestão da violência por grupos ligados ao CDI, mostrando a força desses grupos e um processo autônomo à segurança pública estatal. Em SP, embora seja relatado domínio territorial e uso de AF, essa disputa violenta entre grupos rivais e também com a polícia não foi verificada, o que foi atribuído ao domínio do PCC e um direcionamento deste para diminuir a violência homicida e garantir menos riscos para a atividade econômica, na primeira de?cada do se?culo XXI36.
Em FOR essa gestão também foi referida, através do fenômeno descrito como “pacificação”, pactuac?a?o local entre GCA, ocorrida entre 2015 e meados de 2016, caracterizada pela proibição do ciclo de vinganc?as e pra?ticas de homici?dios30,34. Esse processo diminuiu a violência entre os GCA, ampliou os conflitos com a polícia e também exacerbou o poder violento de cada grupo em seus territórios, mostrando a arbitrariedade da "pacificação" e também a necessidade da espetacularização da imposição da ordem pela força34. A expressiva diminuição dos homicídios nesse período mostra a gravidade do fenômeno de rivalidade entre GCA nas periferias de FOR e aponta para a dificuldade do Estado em exercer o controle da força nesses locais, garantindo formas não violentas de mediação34.
Jovens negros: principais vítimas e perpetradores
Aspecto fundamental é que esta violência afeta sobretudo os homens jovens18,19,21,25,29,37 e negros20,23,24,28,29,30,31,32,34. Zilli31 observa que autores e vítimas de homicídios possuem o mesmo perfil sociodemográfico (jovens, negros, pobres e com baixa instrução formal), moram na mesma vizinhança (favelas e bairros de periferia) e matam e morrem em função de conflitos violentos em seus próprios territórios. Kodato e Silva28 e Sapori et al.27 destacam que os adolescentes são colocados na linha de frente do narcotráfico, sendo utilizados como matadores e assumindo a autoria de crimes. Kodato e Silva28 e Sant’anna et al.23 destacam um ciclo de vitimização dos jovens: envolvimento com atos infracionais, apreensões pela polícia, passagens por instituições, engajamento no narcotráfico, uso e porte de armamento pesado, matar e morrer.
Impactos na saúde
Relativo aos impactos na saúde, Freitas et al.29 mostram, em hospital de referência no NE, grande frequência na internação hospitalar de jovens lesionados por PAF, com frequente deficiências e limitações funcionais. A presença do narcotráfico nas periferias, como um mercado de trabalho para jovens vulneráveis, é sublinhada por diversos autores19,23,26,27,36, muitas vezes relacionado aos conflitos por AF que vitimizam esses jovens29,33. Auger et al.21 também destacam a magnitude das lesões e incapacidades por PAF, relacionada a perdas econômicas e sociais para o país.
Discussão
Goldstein38 destaca que uma das possíveis relações entre a questão das drogas e a violência diz respeito a padrões agressivos de interação do sistema de distribuição e uso de substâncias ilícitas. O fato dele operar fora da legalidade e a disputa pelos lucros faz com que medidas extremas de violência, sobretudo o HAF, sejam lugares comuns de regulação deste mercado, dando origem ao que ele denominou de violência sistêmica. Porém, como aponta Garzón-Vergara39, a existência CDI não necessariamente se traduz em altos níveis de violência letal, mas essa relação é fortalecida a partir de dois aspectos principais, o acesso à AF e a debilidade da autoridade legítima do Estado, ambos aspectos destacados nesta revisão.
Cabe sublinhar que as consequências mais nefastas dessa relação afetam desproporcionalmente um grupo bastante específico, formado por populações periféricas e pobres, especialmente jovens negros com baixa escolaridade. O mercado de drogas, no BR, se fortalece a partir da precariedade estrutural das formas de subsistência e funciona como importante local de trabalho e inserção social para a juventude negra e vulnerável19,23,26,27,29,33,36. A relação deste mercado com as AF incita uma violência sistêmica que parece estar concentrada na base da cadeia hierárquica do CDI.
Para Wacquant15, a difusão de AF e o desenvolvimento de uma economia estruturada da droga, ligada ao tráfico internacional, representam o crescimento de economias predatórias que absorvem os excluídos da economia formal. Elas respondem à insegurança social gerada pelas políticas econômicas neoliberais, que vem desde a década de 1980 reduzindo o trabalho assalariado e as proteções coletivas. Esse processo se agrava em países como o BR, onde as acentuadas desigualdades sociais e econômicas e a tradição democrática incipiente, ao se combinar com o mercado de AF, fortalecem a violência criminal.
Valencia40 propõe o termo capitalismo gore para se referir à violência explícita e injustificada, frequentemente relacionada ao crime organizado, que se constitui como uma ferramenta de necroempoderamento - processos de transformação de contextos de vulnerabilidade em possibilidades de autopoder - que são configurados a partir de práticas perversas baseadas na violência. Esse processo, no entanto, faz parte de uma estrutura econômica que o sustenta e, portanto, é um resultado oculto dos processos de globalização neoliberais, assumindo um caráter central nas fronteiras da economia capitalista hegemônica. Assim, a autora aponta que essa violência não se circunscreve apenas aos indivíduos que a praticam, mas está ligada a uma estrutura social que torna precária a vida de uma grande parte da população mundial, especialmente localizada no sul global.
Mbembe41, através do conceito de necropolítica, vai buscar circunscrever experiências de destruição material de corpos e populações, como formas de operacionalização do espaço político a partir da violência, em contextos históricos marcados pelo colonialismo e racismo. Nesses contextos, o exercício do direito de matar, embora também exercido pelo Estado, não é mais monopólio deste, coexistem outras formas de exercício de poder, como instâncias jurídicas de fato que detém o direito de exercer a violência. O autor chama a atenção para a demarcação de movimentos de capital transnacional, que concentram atividades relacionadas à extração de recursos valiosos, e que se convertem em espaços de guerra e morte. Tal funcionamento, marcado por tecnologias de destruição e colocado em prática por GCA que controlam territórios e agem por trás do Estado, é também característico do CDI.
Como destaca Garzón-Vergara39, no caso do CDI, essa violência se relaciona à disputas entre grupos, guerras por territórios e pelo uso da força para impor uma ordem informal sobre as comunidades. Porém, complexificando a questão, esse controle territorial também pode reduzir a incidência de homicídios, quando há regulação da violência nesses locais ou algum tipo de acordo entre grupos rivais, fato que também é documentado na literatura brasileira30,34,36.
Outro aspecto desse processo diz respeito ao papel do Estado, tanto a incapacidade em estabelecer o monopólio legítimo do uso da força quanto as relativas taxas de impunidade de crimes violentos, possibilitam ao CDI liberdade para agir39. Nesse sentido, a Guerra às drogas na AL, seu foco em operações militares e policiais, são fatores que acabam impulsionando a violência.
Wacquant15 aponta para a intensificação da intervenção do aparelho policial e judiciário sobre a delinquência de rua, que pretende remediar com “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social, relegando à dimensão criminal a questão da segurança. No caso do BR, este autor destaca o uso banalizado da violência letal pela polícia, o que deslegitima o papel da segurança pública entre as classes populares, em sua maioria negras, que são o alvo dessas operações brutais.
Zaluar42 também chama a atenção para a ineficiência da atuação repressiva, centrada em pequenos negociantes de classes populares e não nos grandes traficantes e lavadores de dinheiro. A inefetividade da segurança pública preventiva nas áreas de favelas e periferias, a capacidade corruptiva do tráfico e a atuação violenta da polícia levam à falta de credibilidade desta instituição42. No entanto, o caminho para a diminuição dos homicídios passa pela legitimidade do Estado em garantir direitos fundamentais e não na aposta da repressão violenta, que historicamente não tem sido capaz de influenciar o comportamento das organizações criminosas na AL39.
O processo de proibição, criminalização e demonização que cerca o tema das drogas colabora para o crescimento de um mercado obscuro, que se desenvolve como uma economia predatória e violenta. Por outro lado, esse processo colabora para o fortalecimento de uma imagem estigmatizada, sobretudo daqueles que atuam no CDI que, como apontam Reis e Guareschi43, ocupam o papel de "inimigo interno", o que legitima socialmente as arbitrariedades contra seus corpos. No entanto, esse estigma muitas vezes recai sobre populações inteiras que habitam esses territórios, sobretudo jovens negros, que acabam sendo alvo de suspeição criminal e/ou atos violentos do Estado. Assim, enquanto a participação de jovens em atos violentos mobiliza a opinião pública e alimenta o punitivismo, a vitimização desses mesmos jovens e a vulnerabilidade a este ciclo de violência ocupam lugar secundário no debate público31.
Considerações finais
Esta revisão mostra um cenário preocupante e persistente da relação entre VA e CDI no BR, que prioriza a questão das drogas como crime, em detrimento de uma visão de saúde pública, reiterando um modelo de política de drogas pautado na exclusão daqueles envolvidos no CDI. Isso incita ao desenvolvimento obscuro desse mercado e faz com que suas engrenagens sejam cada vez mais marginalizadas e marcadas pelas AF. Nesse processo de ênfase na militarização, espirais de violência são incitadas, sobretudo sobre as classes mais desprivilegiadas.
Ao passo que devemos evitar relações impróprias de causalidade, é fundamental observar características desse processo violento, que perpassam a relação entre privação de meios de subsistência, precariedade institucional, mercados predatórios, AF, intensidade da violência, racismo e criminalização da pobreza. Dessa forma, as relações entre VA e CDI se associam a questões estruturais de uma sociedade colonizada e racista, aprofundando seus processos de desigualdade.
É urgente desconstruirmos essa máquina de destruir gente, questionando os processos que engendram essa situação. Não há respostas fáceis, porém, após décadas de tentativa, precisamos olhar para os impactos nefastos e resultados insuficientes desse enfoque militarizado e construir uma forma mais racional de lidar com essas questões, sobretudo centrada na perspectiva da saúde e dignidade humana.
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Armed Violence and Illicit Drug Trade. An integrative literature review on Brazil.
Resumo (abstract):
The article maps relationships between armed violence (AV) and the illicit drug trade (IDT) in Brazil through an integrative review focused on empirical research. The sample included 20 articles, categorized according to year of publication and fieldwork, objectives, methods, study location and results. The results were interpreted based on thematic content analysis and showed that the relationship between IDT and AV occurs mainly through Organized Armed Violence. However, this violence spreads, affecting society, especially residents of peripheral areas. The following stood out: Availability of Firearms (AF), with a broad presence in the IDT environment; Illegality and violence, highlighting the need to use FA for the IDT due to its illegality and militarized perspective of repression; State action, thematizes the absence of preventive public security in peripheral areas and the violent, corrupt and ineffective action of the State; Armed territorial dominance, shows the strength of the organized IDT groups and the effects on the population; Young black people: primary victims and perpetrators, highlights the vulnerability of these young people to AV and also Health impacts. The militarized and violent policy has not been offering results to control the phenomenon. New approaches are needed to deal with the issue, centered on the perspective of health and human dignity.
Palavras-chave (keywords):
Illicit Drug Trade, Gun Violence, Drug Control, Homicides, Health Disparate, Minority and Vulnerable Populations
Armed Violence and Illicit Drug Trade. An integrative literature review on Brazil.
Authors: Mayalu Matos Silva - mayalu.silva@fiocruz.br - Department of Studies on Violence and Health Jorge Careli/Ensp/Fiocruz - ORCID: 0000-0002-0345-1902
Patrícia Constantino - patricia.constantino@fiocruz.br - Department of Studies on Violence and Health Jorge Careli/Ensp/Fiocruz - ORCID: 0000-0001-5835-0466
Abstract:
The article maps the relationship between armed violence (AV) and the illicit drug trade (IDT) in Brazil through an integrative review focused on empirical research. The sample included 20 articles, categorized according to year of publication and fieldwork, objectives, methods, study location and results. The results were interpreted based on thematic content analysis and showed that the relationship between IDT and AV occurs mainly through Organized Armed Violence. However, this violence spreads, affecting society, especially residents of peripheral areas. The following stood out: Availability of Firearms (FA), with a broad presence in the IDT environment; Illegality and violence, highlighting the need to use FA for the IDT due to its illegality and militarized perspective of repression; State action, thematizes the absence of preventive public security in peripheral areas and the violent, corrupt and ineffective action of the State; Armed territorial dominance, shows the strength of the organized IDT groups and the effects on the population; Young black people: primary victims and perpetrators, highlights the vulnerability of these young people to AV and also Health impacts. The militarized and violent policy has not been offering results to control the phenomenon. New approaches are needed to deal with the issue, centered on the perspective of health and human dignity.
Keywords
Illicit Drug Trade, Gun Violence, Drug Control, Homicides, Health Disparate, Minority and Vulnerable Populations
Acknowledgements
This paper was carried out during Mayalu Matos Silva\'s doctoral research internship at the Centre for Social Studies of the University of Coimbra under the supervision of Bruno Sena Martins and with the support of the Coordination of Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). The translation was carried out with the support of VDPI/ENSP.
Brazil faces a major challenge as to armed violence (AV). Considering firearm homicide (FAH), one of the main indicators of this type of violence, in 2021, the country ranked 11th with the highest rates, out of 86 countries1*. The concept of AV has sought to encompass the complexity of a phenomenon that concerns the widespread presence and use of firearms (FA) in society, and is broader than the traditional definition of armed conflicts: a contested incompatibility that concerns government and/or territory where the use of armed force between two parties, of which at least one is the government of a state1.
From the 1990s onwards, conflicts between states lost momentum to intra-state conflicts, a phenomenon marked by the ease with which civil society can acquire and use FA without a specific political objective2. AV is beginning to be observed in contexts of formal peace, especially on the periphery of capitalism and especially in Latin America (LA)3. In this region, Organized Armed Violence (OAV)4 stands out, an intermittent situation that results from the actions of armed civilian groups (ACG) with territorial control that seek illegal economic gains and which may challenge the state to ensure these gains5. However, AV is broader; it can be exercised by gang members, members of private security forces, state forces, ordinary individuals, among others6. Thus, it concerns the large presence of FA in society and the violence disseminated by its use, both by state forces and armed civilians, especially criminal groups, but which is widespread in society. This phenomenon is expressed through the use or threat of FA for violence, control of territory, clashes, stray bullets, snipers, among others7. Besides homicides, AV has serious impacts on people\'s health and social actions in the territories where it is present8.
1* Cf. https://ourworldindata.org/grapher/homicide-rates-from-firearms?tab=table
This article examines one aspect of this phenomenon, i.e. AV and its relationship with the illicit drug trade (IDT) in Brazil. It should be noted that there is no necessary relationship between AV and IDT, but it can be shaped by specific determinants and LA has been considered one of the regions most affected by this relationship, with the highest regional rate of intentional homicides in the world: 19.91 in 2021, against a global rate of 5.792*. It should be noted that LA is the main region for the production and sale of cocaine, a lucrative drug that has a privileged trade route to Europe in Brazil9. The War on Drugs has been applied in the region since its inception in the 1970s. This proposal, which emerged in the US, was based on the repression, militarization and demonization of drugs – especially cocaine – and has marked drug policies in Latin America and Brazil10. Criminalization has thus been the main state strategy for dealing with the drug issue11, an approach that has seen few results and many social consequences12,13.
In Brazil, while on the one hand we are seeing this intensive use of militarized resources, on the other hand we are seeing the development of IDT, which develops alongside other forms of crime. The strong presence of AV has serious consequences13 for society, such as the high rates of FAH, which in Brazil are significantly related to IDT14.
Criminal insecurity has the particularity of being aggravated by the intervention of state forces in view of the routine use of lethal violence by the police, which trivializes the brutality of the state and causes a climate of terror among the working classes, targeted by these operations15. Thus, we are interested in observing which relationships between AV and IDT are discussed in Brazilian academic literature.
In this sense, we opted for an integrative review, a systematic method that allows us to include studies with different methodologies16 to provide an overview and also a synthesis of results, in the case of this review, with an exploratory objective. We worked with two groups of descriptors, one related to AV and the other to IDT, as described below:
Table 1
Duplicate articles were excluded and the sample was screened separately by each author, first by reading the titles and abstracts and then full articles following the criteria:
a) Inclusion: empirical research articles on Brazil, with fieldwork that addresses aspects of AV and/or IDT and/or relates these topics in the discussion, written in Portuguese, English and Spanish.
b) Exclusion: articles that did not mention AV and IDT in their fieldwork or discussion, articles carried out outside Brazil, review articles, essays and reviews, theses, dissertations, undergraduate papers, books and official documents.
The samples were compared, resulting in 17 articles. After reading them, we carried out a new search, considering that public security, a key issue relating to this
topic, was poorly represented in this sample, although the descriptors "War on drugs", "Drug policy" and "Drug repression" were used. To this end, we used the two groups of descriptors from the previous search, referring to AV on the one hand and IDT on the other, combining each one with the term public security so as to highlight it:
Table 2
Table 3
Screening was carried out following the methodology already described, resulting in 3 articles in search 2 and 0 articles in search 3, for a total of 20 articles, which were categorized and analyzed according to year of publication and fieldwork, objectives, methods, study location and results. The results on the relationship between AV and IDT were interpreted using thematic content analysis17: in the pre-analysis, a floating reading was carried out focusing on the results and discussion, making up the corpus of analysis; then categories of meaning were created, based on the classification of the most frequent topics, followed by the organization of the information, analysis of the results and critical interpretation.
Results
The articles range in time from 1998 to 2018, with an increase in academic production on the subject: 1990s: 1, 2000s: 6, 2010s: 13. Most of the publications were in the field of Public Health: 10, with 3 international publications (USA, Germany and England); followed by Social Sciences: 5, with one publication in Portugal; Psychology: 3. In addition to 1 article published in a Brazilian Multidisciplinary journal (Communication, Health, Education) and in an Australian journal about Drugs.
Most of the papers was carried out in the Southeast, with 10 articles: 2 on the capital of Rio de Janeiro (RJ) and 1 on the state of RJ (ERJ); 3 on the capital of São Paulo (SP) and 1 on the city of Ribeirão Preto/SP (RP/SP); 2 on Belo Horizonte/MG (BH) and 1 on its metropolitan region (RMBH). In second comes the Northeast (NE), with 6 articles: 1 on the NE region; 1 on the state of Pernambuco (PE), 1 on the city of Paulista/PE (PA/PE); 1 on the capital Salvador/BA (SSA) and 2 on the capital Fortaleza/CE (FOR). The Southern region had 4 articles, 1 on the municipalities of Paraná (PR), 1 on the state of Santa Catarina (SC), 1 on the city of Jaraguá do Sul/SC (JS/SC) and 1 on the city of Porto Alegre/RS (POA). Brazil (BR) is covered in 1 article. Papers from the North and Central-West regions were not selected.
The main indicator of violence used in the quantitative and quanti-quali studies was homicides. Data from death certificates were used in 9 articles: 4 articles specified the study with FAH 18,19,20,21 and 5 articles worked with homicides in general. Of these, Lima et al. 22 made the relationship with FA in the discussion of the data, Sant\'anna et al.23, Zaluar and Barcellos24, Barcellos and Zaluar25 and Silva26 from the qualitative part of the fieldwork. Two articles used police data on homicides: police reports20 and police investigations20,27, and one article used court cases28. The relationship with FA and IDT was present in these documents. It should be noted that, in this sample, only 3 papers
specify the use of the indicator of deaths by legal intervention18,19,24, which is measured differently from homicides committed by civilians, both in health data – processed by the Ministry of Health\'s Mortality Information System (SIM/MS) through death certificates – and in police data – processed from police reports. Mentions of violence committed by State agents were mainly mentioned in the qualitative fieldwork.
They also addressed the phenomenon of homicide and/or possession, use and threat by FA, from homicide perpetrators28, drug dealers27, victims29, family members 23,30 and friends of victims 30, young delinquents31,32,33, students26, young people living in violent neighborhoods34, homeless young people35 and, moreover, various professionals26,30,34. To this end, interviews were used in 11 articles 23,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35 and 3 focus groups26,30,34. Further, work was carried out in peripheral neighborhoods marked by violence and/or drug trafficking: 2 victimization research24, 1 survey24, 2 participant observations28,35, 2 intervention research30,34, as well as 4 ethnographies24,25,33,36. Mention of IDT and FA appears above all in qualitative studies23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36, and also in the discussion of some quantitative studies18,19,21,22.
Table 4
The results showed that the relationship between IDT and AV is mainly based on OAV, but that this violence spreads and affects society as a whole, especially residents of the peripheries. The following categories stood out: Availability of FA; Illegality and violence; State action; Armed territorial control; Young black men: the main victims and perpetrators and Impact on health.
Availability of FA
The high profits of IDT make it possible to acquire and facilitate the presence of FA in the drug trafficking environment35,37, making the trafficking of FA and their illegal possession by ACG key factors in this equation,19,20,21,22,24,25,26,27,28,37. Szwarcwald and Castilho18 point to the spread of FA among increasingly younger groups and the proliferation of homicides in ERJ from the 1980s onwards, linked on the one hand to the need for organized crime to militarily control IDT points18,24 and on the other to the growing presence of armed ordinary citizens, frightened by insecurity.
Zaluar and Barcellos24 also highlight the availability of FA for young favela residents in Rio de Janeiro and Sant\'Anna et al.23 point out as a vulnerability factor that 21% of adolescents victims of homicide in POA used to use FA. Kodato and Silva28 point out that the homicides perpetrated by the young people they interviewed were almost entirely committed by FA, which are easily accessible. Mclennan et al.32 report in their sample that young people have easy access to FA. Sapori et al.27 outline that the chances of a homicide being perpetrated by FA in Belo Horizonte are 3.5 times higher than those perpetrated by other means.
Illegality and violence
The illegality of IDT26,27 is pointed out as a factor that encourages the growth of a specific and violent culture of conflict resolution. Illegality does not prevent the
the market from developing, but it does make it develop in an illicit and criminal manner, and the presence of FA is essential to protect the lucrative criminal business27,36, both from other ACG interested in its profits and from the police, who will crack down on illicit acts24,35, which makes residents of territories controlled by IDT especially vulnerable to AV.
It should be noted that, in these territories, the exercise of power is based on an extra-legal and violent logic of conflict resolution27,28,30,32,33,34,35 that makes AV banal35. This is related both to territorial disputes for IDT18,24,27,35, and to relationships of abuse of power within territories of ACG control, in relation to settling debts related to the sale or consumption of drugs35 and controlling robberies and other crimes within these places27,34,36. It should be noted that committing property crimes in these places increases the risk of suffering homicidal violence34,35. In Santa Catarina, Vieira33 draws attention to adolescents accounts of the banality of death in drug trafficking.
Sapori et al.27 point out that the despotic practices of violence in Belo Horizonte are not limited to IDT issues, but are often incorporated as commonplace in these localities, causing simple misunderstandings to be settled using extreme solutions, leading to the banalization of homicides. Kodato and Silva28 talk about the phenomenon of adolescents killed by ACG by mistake, mistaken for someone else.
State action
The lack of effective preventive public security in peripheral territories is mentioned in SSA35, RJ24, PA/PE26 and FOR30,34 as an important factor that enables IDT. On the other hand, these places are marked by violent police action, as a result of the increased militarization and ostentatious policing required by the War on Drugs, to the detriment of actions to integrate security forces and intelligence30. As Benicio30 points out, the
violence is trivialized as acceptable to settle conflicts and is publicly demanded as a security policy, being referred to as one of the factors for the production of AV and intensification of homicides in the periphery of FOR, both of young people, especially blacks, and also of police officers, which Zaluar24 also reports in RJ.
In this sense, emphasis is given to the criminalization of peripheral, poor and black youth, socially identified as the "internal enemy" and a killable body24,30,34. The stigmatization of the territory as a violent place, controlled by drug dealers, criminalizes the entire local youth population, which becomes the target of arbitrary police actions without distinction. This process, together with ostentatious police violence and the lack of preventive policing in the peripheries, causes distrust and a loss of legitimacy for the police in these places, favoring the violent territorial control of ACG26,30,34. Zaluar24 points out that the image of the PM/RJ as violent and corrupt reached over 70% among young people and 92% among young people aged 15 to 19.
Another point that stands out is the inefficiency of the state in attributing responsibility for homicides in the peripheries28,30,34 or among the homeless population35, which are trivialized as IDT settling accounts, or even "social hygiene"28, not deserving the attention of the public authorities, thus contributing to the banality of this phenomenon.
Growing insecurity and distrust of the police institution are cited as the motto for the expansion of private forms of security. These have given rise to other ACG that use AV, known as "militias", in RJ24 and FOR34, and extermination groups in PA/PE26, in many cases involving members of state forces24,26.
Another aspect is the corruption of law enforcement agents24,25,26,35, who, through active participation, complicity and impunity, ensure the presence of FA and the continuity of IDT. These illicit activities, practiced by state agents, increase mistrust and the feeling of insecurity among the population26 and reinforce IDT35.
Armed territorial control
This violence is not equally distributed throughout the cities, but is located in certain peripheral areas, configured as territories controlled by ACG that operate in IDT in BH27,37, PE22, SSA35 and RJ24,25, which increases the risk of territorial disputes between rival ACG 26,31. Territorial control implies that, in these places, the power of force is exercised by groups different from the state, which will be retaliated against with violent repression by the state.
Zaluar and Barcellos24 point out that the rivalry between ACG that sell drugs in RJ has given rise to an arms race. This has been going on for decades and is expressed in the map presented by the authors of the ACG spatial distribution in Rio de Janeiro between 2005 and 2010, especially in territories inhabited by the black population.
The authors show that areas located close to major traffic routes, ports, airports and Armed Forces weapons depots are those with the highest concentrations of FAH, resulting from armed conflicts for local control – above all between IDT groups, but also with the police and militias25 – as they offer better logistics for obtaining and distributing FA and drugs.
This territorial dispute is also reported in PA/PE26, FOR30,34, SSA35 and BH31, highlighting the fragmented nature of rival criminal groups in the capital of Minas Gerais, which increases the potential for violent conflicts, whether of a personal, territorial or criminal nature.
An important aspect is the violation of the right to come and go of the residents of these places, who often lose their lives for crossing territorial boundaries or even by simply living in a certain locality and being identified in some way with a rival faction despite not even being involved with IDT24,27,30,34. This situation also prevents them from attending leisure spaces and social facilities such as schools and health centers34, in addition to
being evicted from their homes and communities, increasing the number of homeless people in FOR30.
A noteworthy aspect is the management of violence by groups linked to IDT, showing the strength of these groups and a process that is autonomous from state public security. In São Paulo, although territorial control and the use of FA are reported, this violent dispute between rival groups and also with the police has not been verified, which has been attributed to PCC\'s control and its guideline to reduce homicidal violence and ensure fewer risks for economic activity during the first decade of the 21st century36.
In FOR, this management was also referred to through the phenomenon described as "pacification", a local agreement between ACG that took place between 2015 and mid-2016, characterized by the prohibition of the cycle of revenge and homicide practices30,34. This process reduced violence between ACG, increased conflicts with the police and also exacerbated the violent power of each group in their territories, showing the arbitrariness of "pacification" and, moreover, the need to spectacularize the imposition of order by force34. The significant decrease in homicides during this period shows the seriousness of the phenomenon of rivalry between ACG in the peripheries of FOR and points to the difficulty the state has in exercising control of force in these places, ensuring non-violent forms of mediation34.
Young black men: main victims and perpetrators
The key aspect is that this violence mainly affects young18,19,21,25,29,37 and black men20,23,24,28,29,30,31,32,34. Zilli31 observes that perpetrators and victims of homicide have the same sociodemographic profile (young, black, poor and with little formal education), live in the same neighborhood (favelas and periphery neighborhoods) and kill and die as a result of violent conflicts in their own territories. Kodato and Silva28 and
Sapori et al.27 point out that adolescents are placed on the front line of drug trafficking, being used as killers and assuming responsibility for the crimes. Kodato and Silva28 and Sant\'anna et al.23 highlight a victimization cycle of young people: involvement in offences, apprehensions by the police, stints in institutions, involvement in drug trafficking, use and carrying of heavy weapons, killing and death.
Impacts on health
With regard to the impact on health, Freitas et al.29 show that young people injured by PAF are often admitted to hospital at a referral hospital in the Northeast, with frequent disabilities and functional limitations. The presence of drug trafficking in the peripheries, as a job market for vulnerable young people, is highlighted by several authors19,23,26,27,36, often related to conflicts with FA that victimize these young people29,33. Auger et al.21 also highlight the magnitude of injuries and disabilities by PAF, which are related to economic and social losses for the country.
Discussion
Goldstein38 highlights that one of the possible relationships between the issue of drugs and violence concerns aggressive patterns of interaction in the system of distribution and use of illicit substances. The fact that it operates outside the law and the dispute over profits means that extreme measures of violence, especially FAH, are commonplace in regulating this market, giving rise to what he called systemic violence. However, as Garzón-Vergara39 points out, the existence of IDT does not necessarily translate into high levels of lethal violence, but this relationship is strengthened by two main aspects: the access to FA and the weakness of the state\'s legitimate authority, both highlighted in this review.
It should be emphasized that the most damaging consequences of this relationship disproportionately affect a very specific group, made up of peripheral and poor populations, especially young black people with low levels of education. The drug market in BR is strengthened by the structural precariousness of means of subsistence and functions as an important place of work and social insertion for the black and vulnerable youth19,23,26,27,29,33,36. This market\'s relationship with the FA incites a systemic violence that seems to be concentrated at the bottom of the IDT chain of command.
For Wacquant15, the spread of FA and the development of a structured drug economy, linked to international trafficking, represent the growth of predatory economies that absorb those excluded from the formal economy. They are responding to the social insecurity generated by neoliberal economic policies, which since the 1980s have been reducing wage labor and collective protections. This process is exacerbated in countries similar to BR, where the marked social and economic inequalities and the incipient democratic tradition, combined with the FA market, strengthen criminal violence.
Valencia40 proposes the term gore capitalism to refer to explicit and unjustified violence, often related to organized crime, which is constituted as a tool of necro-empowerment – processes of transforming contexts of vulnerability into possibilities of self-empowerment – which are born from perverse practices based on violence. This process, however, is part of an economic structure that sustains it and is therefore a hidden result of neoliberal globalization processes, taking on a central role on the borders of the hegemonic capitalist economy. Thus, the author points out that this violence is not limited to the individuals who commit it, but is linked to a social structure that makes life precarious for a large part of the world\'s population, especially in the global south.
Mbembe41, through the concept of necropolitics, seeks to circumscribe experiences of material destruction of bodies and populations, as ways of operationalizing political space through violence, in historical contexts marked by colonialism and racism. In these contexts, the exercise of the right to kill, although also exercised by the state, is no longer its monopoly; other means to exercise power coexist, such as de facto legal bodies that hold the right to exercise violence. The author draws attention to the demarcation of transnational capital movements, which concentrate activities related to the extraction of valuable resources, and which become spaces of war and death. This operation, marked by technologies of destruction and put into practice by ACG that control territories and act behind the state, is also characteristic of IDT.
As Garzón-Vergara39 points out, in the case of IDT, this violence is related to disputes between groups, turf wars and the use of force to impose an informal order on communities. However, to make matters more complex, this territorial control can also reduce the incidence of homicides when there is regulation of violence in these places or some kind of agreement between rival groups, a fact that has also been documented in Brazilian literature30,34,36.
Another aspect of this process concerns the role of the state: both the inability to establish a legitimate monopoly on the use of force and the relative rates of impunity for violent crimes allow IDT freedom to act39. In this sense, the War on Drugs in Latin America, its focus on military and police operations, are factors that end up driving violence.
Wacquant15 points out to the intensification of police and judicial intervention in street crime, which aims to remedy the economic and social "less state" with the police and penitentiary "more state", relegating the issue of security to the criminal dimension. In the case of BR, this author highlights the trivialized use of lethal violence by the
police, which delegitimizes the role of public security among the popular classes, mostly black, who are the target of these brutal operations.
Zaluar42 also draws attention to the inefficiency of repressive action, focused on small traders from the lower classes and not on the big drug dealers and money launderers. The ineffectiveness of preventive public security in favela and peripheral areas, the corruptive capacity of drug trafficking and the violent actions of the police thus lead to a lack of credibility for this institution42. However, the way to reduce homicides lies in the legitimacy of the state in guaranteeing fundamental rights and not in relying on violent repression, which historically has not been able to influence the behavior of criminal organizations in LA39.
The process of prohibition, criminalization and demonization that surrounds the issue of drugs contributes to the growth of a dark market that develops into a predatory and violent economy. On the other hand, this process contributes to the strengthening of a stigmatized image, especially of those who work at IDT who, as Reis and Guareschi43 point out, occupy the role of "internal enemy", which socially legitimizes the arbitrariness against their bodies. However, this stigma often falls on entire populations inhabiting these territories, especially young black men, who end up being the target of criminal suspicion and/or violent acts by the state. Thus, while the participation of young people in violent acts mobilizes public opinion and feeds punitivism, the victimization of these same young people and their vulnerability to this cycle of violence occupy a secondary place in the public debate31.
Final considerations
This review shows a worrying and persistent scenario of the relationship between AV and IDT in Brazil, which prioritizes the issue of drugs as a crime, to the detriment of a public health
perspective, reiterating a model of drug policy based on the exclusion of those involved in IDT. This encourages the dark development of this market and makes its gears increasingly marginalized and marked by FA. In this process of emphasizing militarization, spirals of violence are incited, especially against the most underprivileged classes.
While we must avoid improper causal relationships, it is essential that the characteristics of this violent process be observed, which permeate the relationship between deprivation of livelihoods, institutional precariousness, predatory markets, FA, the intensity of violence, racism and the criminalization of poverty. Thus, the relationship between AV and IDT is linked to structural issues in a colonized and racist society, deepening its processes of inequality.
We urgently need to deconstruct this machine for destroying people, questioning the processes that engender this situation. There are no easy answers, but after decades of trying, we need to look at the harmful impacts and insufficient results of this militarized approach and develop a more rational way of dealing with these issues, above all from the perspective of human health and dignity.
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Como
Citar
Silva, M. M., Constantino, P.. Violência Armada e Comércio de drogas ilícitas. Uma revisão integrativa de literatura sobre o Brasil.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/abr). [Citado em 05/01/2025].
Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/violencia-armada-e-comercio-de-drogas-ilicitas-uma-revisao-integrativa-de-literatura-sobre-o-brasil/19190?id=19190