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0402/2023 - Análise de tendência da cobertura do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional entre crianças quilombolas no Brasil
Trend analysis of the Food and Nutrition Surveillance System coverage among Quilombolas children in Brazil Cobertura do SISVAN em Crianças quilombolas

Autor:

• Erik Michel Rodrigues de Souza - Souza, E. M. R - <erikmichelsouza@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5577-4703

Coautor(es):

• Andhressa Fagundes - Fagundes, A. - <andhressa@academico.ufs.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4085-3270

• Natanael Silva Jesus - Jesus, N. S. - <natanael.silva@isglobal.org>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3002-1032



Resumo:

OBJETIVO: Avaliar a tendência temporal da cobertura de avaliação do estado nutricional entre crianças quilombolas no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN).
MÉTODO: Estudo ecológico de série temporal sobre a cobertura do SISVAN entre crianças quilombolas menores de cinco anos de idade nos municípios brasileiros entre 2008 e 2019. Realizou-se regressão de Prais-Winsten para analisar a tendência e a variação percentual anual (VPA) média da cobertura, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas e assistência à saúde.
RESULTADOS: A cobertura nacional variou de 0,1% em 2008 para 2,8% em 2013, decrescendo para 0,3% em 2019. A VPA da cobertura nacional foi de 11% entre 2008 e 2019, correspondente a tendência estacionária (p=0,68). Todas os estados apresentaram aumento na cobertura de 2008 para 2013, seguida de uma redução até 2019. Os estados do Mato Grosso do Sul e Sergipe apresentaram tendência crescente, enquanto o Acre demonstrou tendência decrescente. Os demais estados demonstraram tendência estacionária. Nenhuma variação temporal foi observada na cobertura segundo as variáveis de interesse.
CONCLUSÃO: Baixas coberturas do SISVAN foram encontradas entre crianças quilombolas, com tendência temporal estacionária na maioria dos estados brasileiros.

Palavras-chave:

Vigilância Nutricional, Grupos Étnicos, Cobertura de Serviços Públicos de Saúde, Pré-Escolar.

Abstract:

OBJECTIVE: To evaluate the temporal trend of nutritional status assessment coverage of Quilombola children in the Food and Nutritional Surveillance System (SISVAN).
METHOD: Ecological time series study on the coverage of SISVAN nutritional status data among Quilombola children under five years of age in Brazilian municipalities between 2008 and 2019. Prais-Winsten regression was performed to analyze the trend and the average annual percentage change (APC) of the coverages, according to demographic, socioeconomic, and health assistance variables.
RESULTS: National coverage ranged0.1% in 2008 to 2.8% in 2013, decreasing to 0.3% in 2019. The national coverage APC was 11%2008 to 2019, corresponding to a stationary trend (p =0.68). All states showed an increase in the coverage2008 to 2013, followed by a reduction until 2019. The states of Mato Grosso do Sul and Sergipe showed an increasing trend, while the Acre showed a decreasing trend. The other states showed a stationary trend. No temporal variation was observed in coverage according to the variables of interest.
CONCLUSION: Low SISVAN coverage was found among Quilombola children, with a steady temporal trend in most Brazilian states.

Keywords:

Nutritional Surveillance, Ethnic Groups, Public Health Service Coverage, Preschool.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
As comunidades Quilombolas são resultado do processo histórico que representam e fortalecem as lutas e a resistência das populações negras, constituindo os primeiros espaços sociais organizados de construção da identidade cultural, espiritual, política e de solidariedade e democracia na sociedade brasileira (1). Essa trajetória histórica repercute diretamente no estilo de vida atual desses povos tradicionais, assim como nas desigualdades e na garantia de acesso aos direitos sociais básicos asseguradas pela constituição brasileira (2-4).
As evidências científicas comprovam que a maioria das comunidades quilombolas vivem em situações de elevada vulnerabilidade social e econômica, que se tornam ainda mais preocupantes do ponto de vista da promoção do crescimento e desenvolvimento das crianças quilombolas. As más condições de vida e saúde na infância podem favorecer maiores índices de mortalidade prematura, desnutrição, excesso de peso e doenças transmissíveis e não transmissíveis ao longo do curso da vida. Nesse sentido, destaca-se a relevância do monitoramento e vigilância contínua do estado nutricional infantil em povos quilombolas (5,6).
O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) integra os sistemas de informação em saúde da atenção básica do Ministério da Saúde. Desde 2007, o SISVAN consolida a avaliação e o monitoramento do estado nutricional e consumo alimentar da população brasileira. Dados antropométricos, como peso e altura, e dados sobre a alimentação são coletados na atenção primária à saúde para gestantes, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Essas informações permitem o cálculo de indicadores por fase do curso da vida e visam compreender continuadamente o perfil alimentar e nutricional da população brasileira, visando orientar a construção de programas e políticas de saúde e de nutrição (7,8).
Os dados obtidos pelo SISVAN são consolidados e disponibilizados na versão web do sistema (SISVAN-Web), por meio de relatórios públicos do estado nutricional e consumo alimentar da população. Os relatórios podem ser estratificados por regiões, fases de vida, sexo, raça/cor, escolaridade, povos e comunidades tradicionais, incluindo os Quilombolas (7,8). Embora observe-se uma tendência crescente desde o ano de 2008, a cobertura do SISVAN ainda permanece baixa na população geral e em todas as fases da vida (9–11).
Dados de cobertura específica do SISVAN para crianças quilombolas permanecem escassos na literatura. Os poucos estudos que avaliaram o estado nutricional dessa população demonstram elevada prevalência de déficit linear de crescimento, o que corresponde à condição pregressa de desnutrição e, concomitantemente, um aumento na prevalência de excesso de peso. No entanto, esses estudos apontam somente recortes transversais em âmbito local ou regional, demonstrando a necessidade de dados e estudos longitudinais que analisem essas observações em nível nacional (5,12–15). Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo avaliar a tendência temporal da cobertura de avaliação do estado nutricional entre crianças quilombolas menores de cinco anos no SISVAN, no período de 2008 a 2019.

MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal com uso de dados secundários sobre a cobertura da avaliação do estado nutricional do SISVAN entre crianças quilombolas menores de cinco anos de idade no Brasil, no período de 2008 a 2019. A unidade amostral foram os municípios do Brasil (n=5.570). Optou-se pelo período de 2008 a 2019, pois o ano inicial corresponde à implantação do SISVAN-Web, e os anos subsequentes e final permitem verificar uma análise histórica de uma década de funcionamento do sistema no país.
O número de crianças quilombolas menores de cinco anos com registros de estado nutricional no SISVAN foram obtidos por meio do acesso aos relatórios públicos do SISVAN-Web, disponíveis em: http://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index.
O número total de crianças quilombolas menores de cinco anos nos municípios brasileiros usados para cálculo da cobertura do SISVAN foram extraídos e filtrados a partir das bases de microdados desidentificados de famílias e indivíduos do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). As bases de dados do CadUnico de 2012 a 2019 foram cedidas pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), do Ministério da Cidadania, autorizada pelo processo SEI 71000.047732/2020-63. Devido à indisponibilidade dos dados de 2008 a 2011, os dados de 2012 foram espelhados e usados para a análise da cobertura nos anos anteriores.
O cálculo de cobertura populacional do SISVAN por município e ano foi realizado dividindo o número de crianças quilombolas menores de cinco anos com registro de acompanhamento do estado nutricional no SISVAN-Web pelo número de crianças quilombolas do CadÚnico, sendo o resultado multiplicado por 100 para obtenção da cobertura municipal em frequência relativa. Os municípios que apresentaram coberturas com valores superiores a 100% (35 municípios) foram padronizados como cobertura de 100%, visando a não exclusão desse achado que pode associar-se a subregistro e/ou subnotificação.
A cobertura do SISVAN foi também calculada por unidades federativas, macrorregiões, porte populacional do município, nível de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), nível de cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e presença de nutricionista. As variáveis sobre população total dos municípios e IDH-M foram obtidas a partir do censo demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), disponibilizadas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com instituições brasileiras, disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br. As informações sobre a cobertura da ESF na atenção primária nos municípios foram obtidas a partir da ferramenta TABNET/ DATASUS, disponíveis em: http://tabnet.datasus.gov.br/; e dos relatórios públicos da plataforma e-Gestor AB, disponível em: (https://egestorab.saude.gov.br/), ambos do Ministério da Saúde.
As covariáveis acima foram categorizadas para a análise estratificada da cobertura do SISVAN. O porte populacional foi categorizado em: muito pequeno: ? 20.000 habitantes; pequeno: 20.001-50.000; médio: 50.001-100.000; grande: >100.001. O IDH-M foi categorizado conforme classificação da PNUD em: muito baixo: 0,000-0,499; baixo: 0,500-0,599; médio: 0,600-0,699; alto: 0,700-0,799; muito alto: 0,800-1,000. A cobertura da ESF foi categorizada em: incipiente: <30,0%; intermediária: 30,0-70,0%; e consolidada: ? 70,0%. A presença de nutricionista na atenção básica foi categorizada como dicotômica em: possui nutricionista (?1) e não possui nutricionista (n=0).
Modelos de regressão linear generalizada de Prais-Winsten foram utilizados para analisar a tendência temporal e a variação percentual anual (VPA) média da cobertura do SISVAN. Este modelo de regressão tem sido amplamente empregado para corrigir correlações seriais em análises de série temporal. As coberturas percentuais do SISVAN foram convertidas em escala logarítmica para reduzir a heterogeneidade da variância no modelo de regressão(17). A variável independente usada no modelo foi o ano, enquanto a variável dependente foi a cobertura SISVAN transformada em escala logarítmica. O modelo de Prais-Winsten estimou os coeficientes de regressão (ß) para a cobertura do SISVAN por Unidade Federativas, regiões do Brasil, categoria de porte populacional, nível de IDH-M, categoria de cobertura de estratégia de saúde da família e presença de nutricionista. Logo após a obtenção dos valores ß, correspondentes a cada variável analisada, aplicou-se a fórmula a seguir para verificar as VPAs e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%):
VPA= (-1+10?)×100
IC95% = [ -1+ 10 ßmínimo] * 100%; [ -1+ 10 ßmáximo] * 100%
O nível de significância menor que 5% foi considerado indicativo de tendência crescente ou decrescente da cobertura, conforme variação anual média positiva ou negativa, respectivamente. Do contrário, níveis de significância superiores ou iguais a 5% indicavam tendência estacionária.
Este estudo utilizou exclusivamente dados secundários desidentificados e agregados. Portanto, o consentimento livre e esclarecido e a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa estão dispensados, de acordo com a Resolução nº 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde no Brasil.

RESULTADOS

O número absoluto de crianças quilombolas menores de cinco anos com acompanhamento do estado nutricional no SISVAN e registro no CadÚnico são apresentados na Tabela 1. Observa-se discrepância entre a frequência absoluta de crianças acompanhadas pelo CadÚnico e pelo SISVAN no período estudado. O número de crianças quilombolas registradas no CadÚnico praticamente dobrou entre 2012 e 2019. Em contrapartida, o número de crianças quilombolas acompanhadas pelo SISVAN é drasticamente menor ao longo de todo o período, embora um tímido crescimento tenha sido observado especialmente entre 2008 e 2013, seguido de uma redução para o ano de 2019.
A tabela 2 mostra a cobertura do SISVAN e sua variação percentual média ao longo dos anos em âmbito nacional e segundo unidades federativas. A cobertura nacional variou de 0,1% em 2008 a 2,8% em 2013, decrescendo para 0,3% em 2019. A VPA da cobertura nacional de 2008 a 2019 foi de 11%, apresentando tendência estatística estacionária (p=0,68). Todas as unidades federativas apresentaram aumento considerável na frequência relativa de cobertura de 2008 para 2013, seguida de uma redução substancial até 2019. Os únicos estados que apresentaram tendência estatística crescente no período analisado foram Mato Grosso do Sul (414,6%; p=0,03) e Sergipe (2,4%; p<0,01). Em contrapartida, o único com tendência estatisticamente decrescente foi o estado do Acre (-100,0%; p?0,01). Os demais estados demonstraram tendência estatística estacionária.
Ainda em relação à cobertura do SISVAN segundo unidade federativa (Tabela 2), ressalta-se o aumento anual médio de 100% da cobertura no estado do Acre entre 2008 e 2013, assim como a ausência de dados no estado de Roraima, pois de acordo com o CadÚnico não havia registro de crianças nesse estado no período avaliado. Além disso, destaca-se o aumento substancial da cobertura do estado de Santa Catarina, de 0,0% em 2008 para 51,1% em 2013, seguida de uma diminuição constante. Nesse mesmo período, os menores percentuais de cobertura foram obtidos nos estados do Pará, Amapá, Maranhão, Pernambuco e Sergipe. Em contrapartida, os estados com maiores percentuais foram os estados de São Paulo (0,0%-16,8%) e Amazonas (12,9%-16,8%), além de Santa Catarina.
A cobertura do SISVAN entre crianças quilombolas apresentou tendência temporal estacionária para todas as variáveis sociodemográficas e de assistência à saúde analisadas (Tabela 3). A maior variação anual média na cobertura do SISVAN foi na região sudeste, enquanto a menor variação foi na região nordeste entre 2008 e 2019.
Quanto a presença (sim ou não) de nutricionista na atenção básica do município (tabela 3), a cobertura aumentou em pequenos pontos percentuais para os municípios com presença de nutricionista, de 0,1% para 3,2% entre 2008 a 2013. Apesar disso, foi observado nesse período que aqueles que não possuíam nutricionista também tiveram aumentos percentuais muito próximos aos que contavam com nutricionista.
A cobertura do SISVAN por categoria de cobertura da ESF foi paradoxalmente maior nos municípios com cobertura incipiente de 2008 a 2013, com 0,0% no ano de 2008 e aumento para 7,0% no ano de 2013.Segundo o porte populacional dos municípios, notou-se que a cobertura aumentou de 0,1% em 2008 para 4,5% em 2013 nos municípios de porte muito pequeno e de 0% para 4,6% nos municípios de porte populacional grande nesse período. Quanto às categorias de IDHM, foi verificado um aumento da cobertura do SISVAN entre os municípios com IDHM alto (0,0%-13%) e muito alto (0,0%-83,3%) entre 2008 e 2013.

DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo evidenciam coberturas incipientes de avaliação do estado nutricional de crianças quilombolas no SISVAN no período entre 2008 e 2019. Apesar do aumento acentuado dos percentuais de cobertura, sobretudo de 2008 a 2013, tendências estacionárias foram observadas na cobertura nacional e da maioria dos estados brasileiros, independente das condições demográficas, socioeconômicas e de assistência à saúde.
Essas constatações permitem inferir e reforçar o quanto crianças quilombolas no Brasil estão expostas ao risco nutricional elevado e não têm sido adequadamente monitoradas pelo SISVAN no período estudado. Sabe-se que crianças quilombolas têm elevadas prevalências de déficit de estatura para idade, aumento nas prevalências de excesso de peso e, além disso, vivem em condições de vulnerabilidade socioeconômica (23,24). Adicionalmente, a escassez de estudos sobre a avaliação do estado nutricional e da cobertura do SISVAN de crianças quilombolas, em nível nacional, reforça a relevância desse estudo para compreensão da importância do efetivo monitoramento do estado nutricional nesse grupo.
Em estudo similar sobre a cobertura do SISVAN no Brasil também foi observado baixas coberturas em todas as fases de vida no período de 2008 a 2013 (11). Entretanto, as crianças menores de cinco anos corresponderam a fase com maiores percentuais de cobertura quando comparados a outras fases de vida. Segundo estudo recente, um aumento substancial na cobertura do SISVAN para população usuária do SUS também foi observado nesse faixa etária, variando de 17,7% em 2008 para 45,4% em 2017 (25).
Esse aumento relativo nas coberturas do SISVAN pode estar associado ao êxito dos diversos programas e ações institucionalizados direcionadas ao público infantil na atenção primária do SUS que, de modo transversal, contribuem para o fortalecimento do sistema. Nesse sentido, vale destacar o papel do programa de imunizações, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, condicionalidades do Programa Bolsa Família(10,16) e os incentivos financeiros do Ministério da Saúde repassados anualmente aos municípios para estruturação das ações de Vigilância Alimentar e Nutricional desde 2011(18).
Uma avaliação da tendência temporal da cobertura do SISVAN em todas as crianças menores de cinco anos na região Norte, entre 2008 e 2017, demonstrou que a cobertura da região apresentou tendência crescente, variando de 12,2% para 37,9%, respectivamente(9). Contraditoriamente, o nosso estudo obteve coberturas ainda mais baixas para crianças quilombolas residentes da região Norte, variando de 0,2% em 2008 para 0,9% em 2017, com redução para 0,3%, em 2019. Apesar do maior risco nutricional que as crianças quilombolas estão expostas, é evidente que existem diferenças nos percentuais de cobertura do SISVAN entre as crianças do público-geral e as crianças quilombolas. É importante destacar um aumento, tanto em âmbito nacional como por unidades federativas, nos números absolutos de crianças quilombolas menores de cinco anos registradas no CadÚnico, entre 2008 e 2019, contrapondo-se com a enorme diferença em frequências absolutas dessas crianças acompanhadas pelo SISVAN no mesmo período. Evidencia, portanto, previamente às análises estatísticas, a baixa cobertura do SISVAN nesse público ao longo dos anos.
Referente à cobertura do SISVAN em crianças quilombolas por macrorregiões, notou-se que a maior variação anual média foi na região Sudeste e, além disso, as regiões com maiores aumentos na cobertura foram o Sudeste e o Sul. Tal observação foi contrária ao que se esperava encontrar para a região Nordeste, pois de acordo com a Fundação Cultural Palmares, foi a região com maior número de CRQ certificadas até 2020 (20). Entre os estados com maiores CRQ até 2020 estavam os estados do Maranhão, Bahia e Minas Gerais. Ademais, verificou-se que segundo a Fundação Palmares, os estados do Acre, Distrito-Federal e Roraima não tinham nenhuma comunidade quilombola certificada até 2020, apesar do CadÚnico apresentar crianças quilombolas nos Distrito-Federal e no Acre neste período.
A relação entre a cobertura do SISVAN e a cobertura da Estratégia de Saúde da Família nesse estudo se mostrou controversa, tendo em vista que municípios com coberturas consolidadas da ESF tinham menores coberturas do SISVAN. Um estudo sobre a utilização e cobertura do SISVAN no Rio Grande do Sul, em 2010, encontrou o mesmo resultado no público geral, demonstrando correlação inversa entre o aumento da cobertura da ESF e a utilização do SISVAN (19). Diferentemente do observado, o estudo que avaliou a cobertura nacional do SISVAN entre todas as fases de vida de crianças encontrou associação positiva entre maior cobertura das equipes de saúde da família e maior cobertura do SISVAN (11).
Vale destacar que os povos quilombolas, de maneira geral, têm apresentado baixo acesso aos serviços de saúde e as condições sanitárias adequadas em diversos estudos. A maioria dessas comunidades encontra-se em áreas rurais que não possuem unidades de saúde locais, além de características culturais e modos de vida específicos que nem sempre são considerados e/ou respeitados na prestação dos serviços de saúde, incluindo as ações de alimentação e nutrição, como a avaliação do estado nutricional. Adicionalmente, sabe-se que a existência do serviço de saúde não garante o acesso adequado e a execução de todos os programas e ações de maneira efetiva (3,6).
Quando analisada a cobertura do SISVAN em crianças quilombolas por nível de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, verificou-se que os municípios com estrato de IDH-M muito alto tiveram as coberturas mais altas entre 2008 e 2013. Isso pode estar relacionado ao fato desses municípios possuírem melhores condições de execução da VAN, dispondo de equipamentos antropométricos, equipamentos de informática e disponibilidade de profissional capacitado para realização da vigilância nutricional. Assim, entende-se que à medida que o SISVAN necessite de recursos financeiros e de pessoal capacitado para ser implementado, o sistema também necessita de esforços políticos para que seja executado de maneira continuada e efetiva, servindo de base para planejamento das ações de nutrição em âmbito municipal, estadual e federal.
Em geral, os achados neste estudo corroboram com a persistente falha histórica na implementação do SISVAN nos estados e municípios ao longo dos anos, independente do público-alvo considerado, inclusive após as melhorias de migração e gestão dos dados com o SISVAN-Web desde 2008. Inúmeros fatores têm sido elencados na literatura como barreira para implantação e implementação do SISVAN: a falta de priorização das ações de VAN na agenda política; a concorrência das ações de VAN com outras ações de vigilância em saúde; pouca valorização e relevância dos profissionais de saúde à vigilância nutricional; a falta de equipamentos adequados para avaliação antropométrica; falta de capacitação para adequada coleta, registro e interpretação dos dados; e pouca utilização das informações do SISVAN para subsidiar o planejamento das ações de alimentação e nutrição no país (8,21).
Torna-se necessário mencionar que este estudo possui limitações. Assim como toda investigação que utiliza dados secundários, nosso estudo também está susceptível à vieses de subnotificação, incompletude, subregistro no processo de coleta, digitação e migração dos dados. Outra limitação é a escassez e inexistência de informações censitárias das populações quilombolas no Brasil. Nesse sentido, utilizamos os dados governamentais do Cadúnico para estimar o número proxy de crianças quilombolas residentes nos municípios brasileiros. Além disso, é preciso considerar uma possível redução do poder estatístico da análise de regressão que, devido ao número reduzido de pontos na série temporal, poderia dificultar a identificação de tendência significante, seja crescente ou decrescente (26).

CONCLUSÃO
O presente estudo evidencia coberturas incipientes de avaliação do estado nutricional de crianças quilombolas no SISVAN, com tendência temporal estacionária na maioria dos estados brasileiros, independente da região e do nível de desenvolvimento sociodemográfico. Esses resultados indicam que esse público não está recebendo o acompanhamento nutricional adequado e suficiente para traçar o perfil epidemiológico e nutricional, e assim viabilizar o planejamento, avaliação e revisão de políticas públicas para garantia do crescimento e desenvolvimento adequados e saudáveis das crianças quilombolas no Brasil.

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Souza, E. M. R, Fagundes, A., Jesus, N. S.. Análise de tendência da cobertura do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional entre crianças quilombolas no Brasil. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/dez). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/analise-de-tendencia-da-cobertura-do-sistema-de-vigilancia-alimentar-e-nutricional-entre-criancas-quilombolas-no-brasil/19028?id=19028

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